sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 105 *


Soneto de
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

A Camões

    Quando n’alma pesar de tua raça
    A névoa da apagada e vil tristeza,
    Busque ela sempre a glória que não passa,
    Em teu poema de heroísmo e de beleza.

    Gênio purificado na desgraça,
    Tu resumiste em ti toda a grandeza:
    Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
    O amor da grande pátria portuguesa.

    E enquanto o fero canto ecoar na mente
    Da estirpe que em perigos sublimados
    Plantou a cruz em cada continente,

    Não morrerá sem poetas nem soldados
    A língua em que cantaste rudemente
    As armas e os barões assinalados.
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Soneto de
ANTONIO ROBERTO FERNANDES 
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008, Campos dos Goytacazes/RJ

Sem medida

Quem diz que ama muito ou pouco, mente
ou não conhece o amor, na realidade,
pois não se mede o amor em quantidade,
se ama, ou não se ama, simplesmente.

Quem ama, embora sonhe com a eternidade,
ainda assim não sonha o suficiente
e em nada modifica o amor que sente,
seja na dor ou na felicidade.

Não há um meio olhar ou um meio beijo.
Ninguém tem dez por cento de um desejo
nem existe carícia desmedida.

E o amor, sem ter tamanho, é tão profundo
que podemos achá-lo num segundo
ou procurá-lo, em vão, por toda a vida.
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Spina de
CARLA BUENO OLIVEIRA
São Paulo/SP

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
desde que conheci
você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida,
a razão de tudo, enfim,
de existir cada novo verso.
Foi tão bom isso acontecer,
não poderia ser o inverso!
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Sextilha do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

No momento da triste despedida
todo mundo que fica se apavora,
fica  alguém soluçando na calçada,
na janela, quem fica também chora;
é o instante mais triste desta vida
quando alguém diz adeus e vai embora!
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Carnaval Fantasia

MOTE:
Meu carnaval mais risonho,
foi aquele em que eu vesti
as fantasias de um sonho
que até hoje eu não vivi…
Elizabete Souza
(Nova Friburgo/RJ)

GLOSA:
Meu carnaval mais risonho,
cheio de felicidade,
eu lembro hoje entressonho,
numa forma de saudade.

Foi um tempo de alegria,
foi aquele em que eu vesti
a minha alma de poesia…
Disso, nunca me esqueci!

A todos, hoje eu proponho
viver muitas fantasias…
as fantasias de um sonho
não deixam as mãos vazias…

Quisera realizar
tudo aquilo que senti
e a grande emoção de amar
que até hoje eu não vivi…
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Soneto de
DANTE MILANO
Rio de Janeiro/RJ, 1899 -1991, Petrópolis/RJ

O espectro

O canto não imita a realidade
Como as palavras. Fica sobrevoando,
E da boca feroz se libertando,
Como o voo de um pássaro, se evade.

Desaparece sem deixar saudade,
Perde-se na existência, como quando
A água de uma carranca borbotando
Se irisa em trêmula diafaneidade.

Não quero o sentimento que da treva
Do ser traz qualquer coisa de aflitivo,
Que quer ser voz e a voz profunda eleva,

Despertando um espírito latente
Que estilhaça os cristais num vingativo
Riso de espectro lívido e estridente.
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Triverso de
MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro/RJ, 1923 – 2012

Não tem nexo
Tudo é apenas
Reflexo
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Dobradinha Poética de
LUCÍLIA A.T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Fuga

De mim mesma eu quis fugir,
deixar a vida desdita,
mas sem saber aonde ir
curvei-me à sorte prescrita…

Fugir de insípida vida
por não ver outra saída,
quantas vezes desejei...
Fugir da espera sofrida,
do desamor, da partida,
aos quais não me acostumei.

Fugir, mas fugir de tudo,
do sofrimento desnudo,
do amor que em mim acordei..
Fugir da infelicidade,
deixar atrás a saudade,
que, sem querer, preservei.

Fugir de alguém que não vem,
que embora seja o meu bem,
nem sabe o quanto eu o amei.
Fugir da desesperança,
apagar toda lembrança
que em minha mente gravei.

Fugir desta solidão,
da amarga desilusão,
dos segredos que guardei.
Fugir do tempo inclemente,
do meu destino incoerente,
mas para onde?!... Não sei.

(Ninguém consegue fugir de si mesmo, 
nem da própria sorte.)
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

A dor de um poeta

A dor de sentir a perda de alguém
é feito arrancar pedaços da gente…
Ferida profunda e tão permanente,
que não se conhece a cura em ninguém.

É tão singular em cada vivente
que não se compara a dor que se tem
àquela que fere o peito de quem
consegue escondê-la inerte e latente.

Quisera que o tempo andasse ao contrário,
nascer bem velhinho e rumo ao berçário
rejuvenescer, viver sem as pressas…

E a vida, ao final de um ciclo fraterno,
quem sabe voltasse ao corpo materno!…
Quisera viver a vida às avessas…
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Poema de
SAMUEL DA COSTA
Itajaí/SC

Solitude ad aeturnus 
(teu silêncio em mim)

Só posso entender...
O teu silêncio como recusa
Do meu amor que declaro a ti!

Nessa hora de dor extrema
Fico a pensar nos beijos
Que ainda não te dei.
Penso no sofrimento
Que me condenas
Na vida vazia que tenho...
Sem a tua presença ao meu lado
Sem tu aqui e para sempre ao meu lado

Ouço o teu silêncio com angústia
Que me constrange
 
No meu desespero 
Penso no resplendor do teu sorriso
No teu belo rosto emoldurado 
Pelos longos e trigais cabelos.
São frutos dourados do sol
Nos teus belos olhos postados em mim
Que alegra os meus trágicos dias
Amenizam os dias cruéis
Sem a tua doce presença 
Ao meu lado.
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QUADRA POPULAR

Após um dia tristonho
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias.
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Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto à mulher morena 

Linda manhã radiosa me convida
a prosseguir nos passos rumo ao mundo,
porque sonhar amando é tão profundo,
que mais e mais, também prolonga a vida!

Mas se eu pudesse ser um vagabundo,
sem conhecer a estrada percorrida,
com certeza, conceberia a lida
de procurá-la até em um submundo…

Eu sei que vou lhe amar a todo o instante,
com seu sorriso límpido e brilhante,
qual se fosse de Alencar – ´´A Iracema´´!…

E para consagrar meu preito à bela
morena, que não sai da minha tela,
eis o soneto que ainda é o poema!
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Poema de
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/ Malta

Uma Estrofe Sem Título

Dá-me as palavras de teus olhos, a noite escreve
Uma estrofe purpúrea sobre teu bonito rosto,
Brilha o orvalho, tuas bochechas um branco universo
De onde nada dá um passo descalço sem dor,
Toca estas mãos e sente o despedaçado coração
E nota o sangue quente, o pranto solene.
Pomba, não voes distante  come de minhas mãos,
Este é o grão que não mata, água pura.
Monótono o sino que dá a hora
Para que te vás desta janela entreaberta
Por mim para ti, monótono o suspiro
Gravado como ilusão que vem e vai.
Não voes distante, e diga comigo esta oração:
“Há raios de luz de lanterna enfocados em mim,
Há uma humilde estrela que brilha só para mim,
Há uma flor selvagem que se abre em meu peito,
Há uma chama de vela vacilante só para mim.”
(Tradução:  José Feldman)
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Setilha de
NEMÉSIO PRATA 
Fortaleza/CE

Somos três 
(Ao Francisco Pessoa+ e José Feldman, sobre a “mardita” diabetes)

De doce todos gostamos, 
seja de leite ou goiaba,
de caju, mamão ou coco,
até banana e mangaba;
para completar a vez,
agora somos os três, 
"doces" vítimas da "diaba"!
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Luís da Câmara Cascudo (O Espelho Mágico)

O rapaz, órfão de pai e mãe, saiu pelo mundo para ganhar a vida. Ia por um caminho quando viu uma pedra tapando a boca de um formigueiro e as formigas lutando para arredá-la. O moço, que tinha bom coração, abaixou-se e tirou a pedra com cuidado para não matar as formigas. 

Quando acabou, uma formiguinha falou: – Se você se encontrar em dificuldades, diga: Valha-me o Rei das Formigas.

O rapaz seguiu sua estrada e adiante encontrou um carneiro com uma pata enganchada num arame. Soltou o bichinho. 

O carneiro disse: – Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Carneiros!

Lá mais longe o rapaz viu um peixe dentro duma poça d’água rasa, quase se acabando. O peixe estava com o lombo de fora, morrendo. O moço tirou-o da poça e sacudiu numa lagoa perto. O peixe mergulhou, foi embaixo, veio em cima, e falou: – Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Peixes.

Quase avistando o reinado, o rapaz encontrou um gavião deitado no chão, seco de sede. Levou-o, deu-lhe um banho, deixou ele beber água e soltou. O gavião voou para um galho de pau e disse: – Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Pássaros!

Chegando no reinado, o rapaz soube que a princesa tinha um espelho mágico que mostrava todas as coisas escondidas. O espelho só tinha forças de meia-noite até o primeiro cantar do galo. Quem se escondesse, e a princesa não descobrisse, casava com ela e, se ela achasse, perdia o homem a vida. O rapaz foi se oferecer para essa aventura.

Na primeira noite, procurou um canto fora do reinado e disse: Valha-me o Rei dos Carneiros! O carneiro apareceu e o rapaz disse o que queria.

– Monte nas minhas costas! 

O rapaz montou e o carneiro largou-se correndo, de mato a dentro, para umas brenhas fechadas onde havia uma gruta. Deitou o rapaz na gruta e encheu os arredores de carneiros, uns por cima dos outros, que ninguém via outra coisa afora carneiro.

À meia-noite a moça puxou o espelho e procurou o rapaz, por todos os lados. Tanto virou que deu com a gruta, e o espelho mostrou o rapaz deitado no chão, coberto de carneiros. A princesa tomou nota e foi dormir.

No outro dia o rapaz se apresentou.

– Onde eu estava escondido?

– Deitado no chão, dentro de uma gruta, rodeado de carneiros!

– Era isso mesmo!

Na segunda noite, o rapaz apelou para o peixe. Foi à beira-mar e chamou: Valha-me o Rei dos Peixes! 

O peixe riscou na praia. O moço contou sua dificuldade. O Rei dos Peixes mandou um tubarão engolir o rapaz e uma baleia engolir o tubarão e foi para o fundo do mar.

Na meia-noite, a princesa foi consultar o espelho. Caçou na terra e nos ares e procurou nos mares, com tanto cuidado que descobriu onde o rapaz estava dormindo. 

Na manhã, o moço apareceu e perguntou:

– Onde eu passei a noite?

– Dentro de um tubarão, este numa baleia, no fundo do mar!

– Era isso mesmo!

Na outra noite, o rapaz chamou o gavião e contou sua agonia. O gavião levou-o nas costas até em cima das nuvens e lá apareceu outro gavião ainda maior que cobriu o Rei dos Pássaros com suas asas.

À meia-noite a princesa procurou o rapaz nas águas e na terra e não achou. Procurou nos ares e não viu. Tanto olhou e olhou que enxergou um pontinho escuro por cima das nuvens. Botou reparo e descobriu tudo. O rapaz, quando veio ao palácio, perguntou:

– Onde dormi a noite passada?

– Em cima de um gavião, coberto por outro, em cima das nuvens!

– Era isso mesmo!

Como era o terceiro dia, o rapaz foi condenado à morte, mas a princesa ficou com pena dele e pediu ao rei para deixar o moço experimentar uma vez mais. 

O rapaz ficou contente e foi valer-se do Rei das Formigas. Esse ouviu a conversa toda e disse:

– O espelho descobriu você na terra, no mar e nos ares. Mas o espelho não pode ver a própria princesa. Eu vou virar você numa formiga e você suba para cima do vestido dela e esconda-se bem.

Dito e feito. O rapaz virou formiga, entrou no palácio, foi ao quarto da princesa e subiu pelo vestido acima, bem devagar para ela não pressentir, e escondeu-se na bainha da camisa.

À meia-noite a princesa procurou o rapaz em toda parte, virou e mexeu, e nada de ver onde ele estava dormindo. Passou-se a hora das forças do espelho encantado e ela não viu coisa alguma. 

Amanheceu o dia e o rapaz voltou a ser gente e veio perguntar onde tinha dormido.

– Não sei onde você dormiu! Onde foi?

– Não digo enquanto não me casar com você!

Fizeram o casamento com muita festa e só depois de casado é que o moço disse onde tinha passado a sua última noite de solteiro.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal/RN, em 1898 falecendo na mesma cidade em 1986. Foi um historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista e escritor brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo do folclore e da cultura brasileira. Foi professor da Faculdade de Direito de Natal, hoje Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujo Instituto de Antropologia leva seu nome. Deixou obra volumosa e de grande relevância, em particular sobre história, folclore e cultura popular. Recebeu o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras, em 1956, pelo conjunto de sua obra.

Fontes:
Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Chafariz de Trovas * 20 *

 

Asas da Poesia * 104 *


Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Afetos de menino

Em todas vezes que eu vivi... eu fui criança...
sobrevivi... e sobrevivo... até então,
do mesmo amor que reconstrói meu coração,
quando ele teima em se perder da esperança.

Lembranças boas são saudades... a constância
que me desvia da aspereza desse mundo
o faz com que eu voe na ternura de um segundo
para bem longe da mentira e da arrogância.

Ingenuidade, inocência, sonhos, risos
afetuosos para quem sequer merece
são minhas marcas indeléveis... pueris…

... e embora diante dos que não mostrem seus guizos...
sempre propenso a crer no amor que me apetece,
construo afetos... de menino... e sou feliz.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Flutuam as taças...

Noite fria,
O castelo em silêncio -
Na sala com o piso de pedras
Há sensação de saudade:
Dos sons do piano e dos passos,
E, as cadeiras permanecem vazias
Sobre a mesa,
Entre os candelabros - pontes de teias
E ao lado de umas das três taças de prata
A chave quebrada...
A toalha branca, suavemente tingida
Em sintonia
Com algumas gotas de vinho...
Depois da meia-noite,
Percebe-se
Que as velas despertam,
Em tons de amarelo
E, no espelho da sala
Os reflexos das taças surgem -
Aproximam-se para brindar
Mas, misteriosamente
As mãos que as seguram
Não aparecem no espelho,
Enquanto as pétalas da rosa azul
Do poema anterior
Aconchegam-se à chave quebrada...
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
= = = = = = 

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

Velho mar

Nasci longe do mar, mas seduzido
por seu fascínio belo, encantador,
fico ouvindo, na praia, o seu gemido
e os madrigais de um velho pescador.

Mas às vezes me sinto assim perdido
como um barco singrando sem motor,
ouço as ondas num grito dolorido,
uma angústia que cala a própria dor.

Vejo, da praia, a imensidão do mar,
as ondas que o rochedo vêm beijar,
depois, voltam serenas sem rancor.

Cada onda que vem morrer na praia,
parece a minha vida que desmaia
ao pensar em perder o teu amor.
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Vendaval

Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!

Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.

Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da ideia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
= = = = = = 

Hino de 
Amajari/RR

No extremo norte do Brasil
Surge opulenta
Terra querida Amajari
És o primeiro imponente e altaneiro
Força, Varonil, nunca se viu; Vila Brasil.

Os teus heróis e ancestrais que escreveram
As páginas da tua história,
Algo vistoso o que lhe é peculiar

Cheio de lutas e vitórias.
e na vanguarda tu deves ir
preeminente és Amajari

Amajari, rio Parimé
Ereu, Santa Rosa, Tiporém
Tuas palmeiras; proteção.
Aos aborígenes, irmãos.
Teu campo é um referencial da pecuária
Minérios e beleza têm,
No Paiva, Tepequém

A tua fauna abriga o tamanduá
Tua flora, pau-rainha e variedades,
Em Maraça para a posteridade.
Na sinfonia dos teus pássaros que lindo ouvir!
O belo canto do bem-te-vi,
Tens em teu nome a conjugação do verbo amar
Quem te vê, te ama e não esqueceu de ti.
Amajari
= = = = = = 

Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

A um artista

Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.

Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!... Um céu ostenta o matiz da selagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem...

Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho...
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo...
= = = = = = 

Soneto de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Amor Primeiro

Amei-te, sim, meu Deus, como eu te amei!
Relembro, aqui, dos meus sofridos passos...
Inenarráveis dores suportei,
vagando, enquanto estavas noutros braços.

À tua indiferença eu me curvei...
Longe de ti, consciente dos fracassos,
Deixei a luta, e ali, me acovardei,
Ouvi a razão, rompi meus frágeis laços.

Contudo, agora enxergo claramente,
Após tentar tirar-te, em vão, da mente:
— ninguém esquece o imenso amor primeiro!

Há muitos anos vivo neste mundo...
O tempo vem provar: — mesmo infecundo,
Tão grande amor se fez ... o derradeiro!
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Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Velho Rio

Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
a esconder, bem ao fundo, a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E teu caudal piscoso
refletia o esplendor da luz da madrugada!

Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
quantos lares supriste! E se a sede saciada
afugentou a seca, esse fantasma odioso,
tiveste, em paga injusta, a face maculada!

Hoje, segues tristonho… sujo… moribundo...
tendo no seio o estigma e, na alma dolorida,
toda a angústia de ser a lixeira do mundo!

Velho rio... depois de tanto desengano,
entendo porque, enfim, protestas contra a vida
e afogas tua dor no abismo do oceano!
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Poema de
ANA MAFALDA LEITE
Lisboa/Portugal

Caixinha De Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos laços
abraços fitas ou fios transparentes
 
em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhado em véus de seda e brocado

 encantada a serpente a flauta o mago
senhor a toca
e quando me toca
o corpo eu abro

 caixinha de música
dentro
com bailarina que dança
= = = = = = = = =  

QUADRA POPULAR

As rosas é que são belas,
são os espinhos que picam,
mas são as rosas que caem,
são os espinhos que ficam...
= = = = = = = = =  

Soneto de
ROMILTON ANTÔNIO DE FARIA
Juiz de Fora/MG

Bons Tempos

Sou do tempo do pão posto à janela,
de contemplar a lua cor de prata,
do tempo que guardava a carne em lata,
do meu blusão xadrez, chita ou flanela.

Nesse tempo benzia até espinhela.
Via o leite fervido dando nata,
do tempo que dizia a paixão mata
chorando ao machucar sem ter sequela.

Os conselhos, histórias e respeitos,
todos os bons valores, seus efeitos
se afastaram de mim. Eu vivo, agora,

sem moda de viola em minha sala,
sentindo que a saudade, hoje, me cala,
percebo que esse tempo foi-se embora!
= = = = = = = = =  

Spina de
ZEZÉ DE DEUS
Contagem/MG

Família Pulgões

Estava eu sugando
a seiva do
brotinho da planta.

Tudo ia muito bem, quando 
veio sobre todos nós aquela
fedida botina do tipo jamanta.
Logo, gritei: filhinhos, saiam fora!
Deixem para depois a janta!
= = = = = = = = =  

Poema de
ABEL FERREIRA DA SILVA
Cabo Frio/RJ

Galo cantando

Tem tempo que não ouço um galo
cantando na madrugada
um galo chamando o dia
dentro da noite calada

Seu canto marcando o terreno
de sua própria ousadia
entre a sombra e o clarão
na noite a sua vigia

Canto que puxa o tempo
de dentro do poço escuro
sangue de um outro dia
carne de um outro futuro.
= = = = = = = = =