segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 108 *


Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKY
Brusque/ SC

O Encanto

Adoro sua atenção,
sua dedicação, sua serenidade,
sua inteligência e sua confiança,
como uma força.
Seu caráter é como uma árvore tão alta que alcança o céu.
Mas o que me encanta é sua sensibilidade, sua emoção
 ao ler um artigo ou segurar um livro nas mãos,
é como o nascimento de uma criança.
Sua luta pela igualdade de seus irmãos e irmãs hispânicos.
Luta contra a corrupção e tantos danos à humanidade.
Adoro seus olhos, seu rosto sempre sério,
como é difícil ver um sorriso.
Seus cabelos brancos, como nuvens de travesseiro,
onde colocar minhas mãos.
Adoro pensar que você é um homem criança,
que sabe o que quer,
mas nos meus olhos e no meu coração,
sinto que, como criança, você gostaria de ser abraçado, acariciado,
para ficar muito tempo sem falar,
apenas para sentir a suave carícia.
(tradução do espanhol por José Feldman)
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Poema de 
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

A paz

Viver com humanidade,
sem angústia nem paixão,
com toda serenidade,
é ter paz no coração.

Olhar pra sua consciência,
sem ter que chorar atrás,
é sentir doçura e ciência
do que seja estar em paz.

Quem habita bem a Terra
e age com tranquilidade,
quem condena sempre a guerra
promove a paz e a amizade.

Ainda que haja injustiça
com a traição perspicaz,
a minha grande cobiça
é sempre viver em paz.

Que a tristeza se dissipe,
que, pra todos, haja trigo,
que do amor se participe,
criando-se um mundo amigo.

Seja, pois, Ano de paz,
porém, que não se desfaça,
riqueza que o sonho traz
com vida plena de graça.
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Ciumenta

Embevecido
curti as musas
de outros
Poetas,
a minha
tão ciumenta
levantou-se
da mesa
sem brindar,
me deixando
com a taça
no ar.
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Poema de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Artilheiros da cultura

A cada vez que comprimimos o gatilho
da emoção, a nossa arte se projeta,
não temos alvo, pois na mira de um poeta
Está o amor que a emoção chama de filho.

As nossas fardas se confundem, os paisanos
e os militares se diluem na vontade
de abençoar a sua sensibilidade,
com os mesmos sonhos de aprendizes e decanos.

O Forte é sempre um coração dentro da história,
a inspiração é uma sutil onda de mar
que acaricia a solidão de cada olhar,
criando imagens que borbulham na memória...

Nossos canhões não silenciam... o festim
dos seus disparos sobre nossa antologia
são ecos soltos que declamam poesia,
de todo amor que vive em ti e existe em mim.

Nossas palavras são registros de ternura,
somos iguais com rara sensibilidade,
e por criarmos a poesia em liberdade
é que nos chamam de Artilheiros da Cultura.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Tempo líquido

O espelho
Que me envolve
Transmuta - se
Em tempo líquido -
Um portal,
Pinceladas de nanquim
Acariciam a Lua...
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Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

A Princesa Guerreira e o Dragão

No reino de Zambeze, uma princesa destemida,
Kwezi, a guerreira, com espada erguida,
protegendo seu povo de um dragão feroz,
com coragem no peito, ela ergueu sua voz.
“Não temerei monstros, lutarei até o fim,
pela paz e justiça, eu farei, para isso vim!”

Com armadura brilhante, avançou sem temor,
o dragão rugia, mas Kwezi era puro fervor,
em batalha feroz, sua força brilhou,
com um golpe preciso, o dragão tombou.
O povo a aplaudiu, sua heroína é,
e a paz foi restaurada, como uma bela maré.

Coragem e força podem vencer a escuridão,
Uma princesa guerreira traz luz à nação.
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Quadra Popular de
Ouro Fino/MG

Você diz que sabe muito,
borboleta sabe mais:
anda de perna pra cima,
coisa que você não faz.
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Tuas marcas

Nas lágrimas que verto inconsolado
Repousam minha dor, meu sofrimento
No sal dessa torrente há desalento:
Escombros do meu sonho estilhaçado.

Aflitas, vozes d'alma, em seu lamento
Num canto lacrimoso, emocionado
Do adeus farto em pungência têm lembrado
Registro lancinante... Ah, que tormento!

Conserva o coração saudade imensa
Não vejo essa paixão esmaecida
Em mim é natural tua presença,

Embora com loucura parecida
Vivaz, noto luzir sem par querença
Marcaste a ferro e fogo minha vida.
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Poema de
DALILA TELES VERAS
Funchal/ Ilha da Madeira/ Portugal

Do amor e seus silêncios

No destempero e ardências
da fúria inaugural
a palavra sem proveito
(verbalização de corpos)

No rito já maturado
do caminho reconhecido
a muda comunhão
(frêmito de carne e espírito)

Urgências mitigadas
os silêncios primordiais
já agora interpretáveis
(epifania outonal)
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Amor e perdão

Se de verdade alguém quiser amar,
terá uma condição a ser cumprida:
há de aprender depressa a perdoar
e depois persistir por toda a vida! 

Sem o perdão, não para de sangrar
qualquer amor; tal qual mortal ferida
que obriga o coração logo a parar,
à míngua do que o pode dar guarida...

Perdão e amor nos lembram “siameses”,
como nos mostra a vida tantas vezes:
se um dos irmãos padece, é sempre horrível,

pois sofrerá o outro igualmente...
E se o perdão morrer, isto é infalível,
a morte para o amor será evidente!
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Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
que a minha boca tem pra te dizer
são talhados em mármores de Paros
cinzelados por mim pra te oferecer

Tem dolência de veludos caros,
são como sedas pálidas a arder...
deixa dizer-te os lindos versos raros
que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu amor, eu não vos digo ainda...
que a boca da mulher é sempre linda
se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
e nesse beijo, amor, que eu não te dei
guardo os versos mais lindos que te fiz!
= = = = = = 

TROVA FUNERÁRIA CIGANA

Às vezes pareço crer
quando a terra flores dá,
serem as cópias fiéis
das flores que existem lá.
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Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Fragmentos

Fagulha em tormento
de calma, transforma
o instante, ultrapassa

qualquer tipo de sensação gasta.
A alma flutua, leve, permitindo-se
ser desfaçatez de forma devassa.
Com discernimento grita no vazio
da ideação, dá-se feição escassa.
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Poema de 
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa (1919 – 2004) Porto

Cantar

Tão longo caminho
E todas as portas
Tão longo o caminho
Sua sombra errante
Sob o sol a pino
A água de exílio
Por estradas brancas
Quanto passo andado
País ocupado
Num quarto fechado.

As portas se fecham
Fecham-se janelas
Os gestos se escondem
Ninguém lhe responde
Solidão vindima
E não querem vê-lo
Encontra silêncio
Que em sombra tornados
Naquela cidade.

Quanto passo andado
Encontrou fechadas
Como vai sozinho
Desenha as paredes
Sob as luas verdes
É brilhante e fria
Ou por negras ruas
Por amor da terra
Onde o medo impera.

Os olhos se fecham
As bocas se calam
Quando ele pergunta
Só insultos colhe
O rosto lhe viram
Seu longo combate
Silêncio daqueles
Em monstros se tornam
Tão poucos os homens.
= = = = = = 

Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP (1866 – 1924)

Soneto da defensiva

Enganei-me supondo que, de altiva,
Desdenhosa, tu vias sem receio
Desabrochar de um simples galanteio
A agreste flor desta paixão tão viva.

Era segredo teu? Adivinhei-o;
Hoje sei tudo: alerta, em defensiva,
O coração que eu tento e se me esquiva
Treme, treme de susto no teu seio.

Errou quem disse que as paixões são cegas;
Veem... Deixam-se ver... Debalde insistes;
Que mais defendes, se tu'alma entregas?

Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes)
Que tu, negando o amor que em vão me negas,
Mais a ti mesma do que a mim resistes.
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Se tudo o que há é mentira

Se tudo o que há é mentira
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.

Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.

Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.
Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.
= = = = = = 

Hino de 
Batayporã/MS

Tu és... de tantas lindas,
De tantas terras que já vi
A mais bonita e a mais bem-vinda
Meu doce berço de dormir.

Batayporã... que lindo nome...
De água boa que é Yporã
Jan Antonin Bata... e seu sobrenome...
Se fez assim Batayporã.

Do Vale... Cidade Amizade
Do Estado... um exemplo de viver
Batayporã... céu mais azul
Tu és o orgulho do Mato Grosso do Sul.

Bandeira... exibe o vermelho
Das terras de outrora lindas matas
E no teu branco a nossa paz
A esperança o verde traz.

Teus rios... casal perfeito
O Samambaia e o Paraná
Em tuas matas, faunas e floras
Grande tesouro, há de guardar.

Pecuária... tão altaneira
Leva o teu nome... Oh! Mãe gentil
És conhecida... muitas fronteiras
Que atravessam o Brasil.

Cidade... pequeno paraíso
Que Deus deixou aqui na terra
E o teu solo... sempre em sorriso
Vem germinando a semente que se enterra.

De um povo gentil e acolhedor
Que canta o teu nome com respeito
Batayporã... és puro amor
Rincão querido e eterno leito.
= = = = = = 

Sonetilho de 
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

No além

Quando eu partir para o Além,
com certeza irei sozinho
e não mais terei carinho
como aqui tive de alguém...

Nós temos o nosso ninho,
que nem todos os que têm
o privilégio de um bem
para alegrar seu caminho.

Assim vivemos os dois,
nem pensando que depois
devemos nos separar.

É melhor esta confiança,
do que não ter esperança
de viver n´outro lugar !
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Aparecido Raimundo de Souza (O Sofrimento da Alma. Será que ele é eterno?)

HÁ DORES que não se veem. Elas não deixam marcas na pele, não sangram, não gritam. Mas estão lá, silenciosas, persistentes, alojadas no fundo mais profundo da alma. O sofrimento da alma é aquele que nasce da perda, da ausência, da solidão, da incompreensão. É o vazio imenso que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, quando a esperança parece ter se perdido no caminho.

É uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo, acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda, de um abraço que não julgue, de um silêncio que respeite. Mas há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma, se fortalece. É na travessia da dor que descobrimos quem somos, o que importa, o que nos move. A alma sofre, mas também aprende, cresce e renasce.

Que possamos apesar dos prós e contras da vida, cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que possamos, igualmente, reconhecer as nossas dores, sem aquela pecha (vício) de vergonha, sem medo e sem atropelos. Porque toda alma que sofre carrega em si a semente da cura. O sofrimento da alma é uma espécie de campo vasto e pode ser explorado sob diferentes perspectivas. 

A alma sofre em silêncio, perguntarão meus leitores e amigos? Sim. Sofre. Não por falta de voz, mas porque a sua dor é sutil, invisível, muitas vezes incompreendida. É o tipo de sofrimento que não se explica com palavras, pois nasce de sentimentos profundos: saudade, culpa, vazio, angústia. Se apresenta como uma tempestade interna que não molha a pele, mas afoga o espírito. Literalmente.

Vejamos, agora, o que diz o filósofo Nilo Deyson Monteiro Pessanha, “o sofrimento pode ser um espelho que nos obriga a encarar o ego, a refletir sobre nossas escolhas, crenças e valores”. Nesse tom, ele propõe que a dor seja vista como um convite à crítica e ao autoconhecimento, e não como uma espécie de punição. Para muitos pensadores espirituais, como Divaldo Franco, “o sofrimento é um portal”. Concordo plenamente. A meu entender, ele rasga o véu das ilusões e nos empurra para dentro, para uma jornada de despertar. 

Bato na tecla que é no colapso, ou seja, na perda, na doença, na ruptura que a alma se rende e começa a buscar o verdadeiro sentido. Essa busca pode levar ao reencontro com o sagrado, com o propósito, e também, com a essência. Na doutrina espírita, por exemplo, agora citando Léon Denis, o sofrimento é visto como uma oportunidade de evolução. Para Herculano Pires, “muitas dores são reflexos de escolhas passadas, e outras são instrumentos de aprendizado”. Na visão de Camille Flammarion, “a dor moral, pode ser terapêutica. Ela nos tira da zona de conforto e nos obriga a mudar, a reparar e a perdoar”.

Chico Xavier dizia que “a alma que sofre também pode iluminar. Quando a dor é acolhida, e compreendida”. Particularmente, eu asseveraria que a dor pode ser a qualquer tempo, “ressignificada” (guardem bem essa palavra), cuja sentido seria, como pesquisa feita via Internet, “algo a que se deu um novo sentido, tipo  valor, função ou forma geralmente com  o intuito de superar padrões estabelecidos ou de se enxergar uma situação sob uma nova perspectiva mais positiva e construtiva”. O sofrimento não precisa ser fim. Pode ser começo. Pode ser, e de fato é, o solo fértil onde brota a cura, onde predomina a arte, e sobretudo, onde se vivifica grandemente a FÉ.

Aproveitando o gancho, darei “uma palhinha” rápida sobre duas figuras ilustres. Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Ambas  gigantes da literatura que mergulharam fundo na alma humana, cada um à sua maneira, com estilos distintos, mas igualmente intensos. Suas reflexões atravessaram temas como identidade, solidão, sentido da existência e o mistério do ser.

Fernando Pessoa, no dizer do saudoso gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, “não era apenas um poeta, era muitos”. Verdade. Fernando Pessoa criou heterônimos como também o fizeram Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, cada um com uma visão de mundo própria. A obra de Fernando Pessoa é marcada por fragmentações  do “eu”. “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, diz ele em “o Livro do Desassossego”, revelando um sujeito dividido, múltiplo, em busca de sentido.

“O Livro do Desassossego” seu livro mais “espetaculoso” se tornou uma espécie de canção de introspecção radical, onde o autor asseverava que “A heteronímia é como uma resposta à complexidade”. Pois bem. Fernando Pessoa não se contentava com uma só voz, pelo contrário, ele se “outrava”, ou dito de forma mais simples, criava uma série de outros personagens que pensavam diferente dele.

Clarice Lispector seria outra que considero uma “fera  insuperável”. Ela escrevia como quem escava a alma. Ia fundo. Seus textos são densos, líricos, e muitas vezes desconcertantes. Sua literatura nos convida a sentir antes de entender a busca do “eu”. Em “A Paixão Segundo G.H”, a protagonista vive uma epifania ao encarar uma barata. Transborda em nós, uma espécie de mergulho profundo e quase sem volta no que descreveria como “abismo do ser”. 

Assim como Fernando Pessoa, segundo estudos comparativos, ambos problematizavam a identidade e o “eu” moderno. Nessa senda, o português Fernando Pessoa fragmentou o sujeito em múltiplas vozes, ao passo que a ucraniana de origem judaica Clarice Lispector dissolveu a criatura em sensações e silêncios. No geral, os dois revelaram que “o ser humano é um mistério e que a literatura é uma forma de tocá-lo”. 

Entre tapas e beijos, pescoções e pernadas, juntando Fernando Pessoa e Clarice Lispector, aprendemos que o sofrimento da alma é aquele como já disse acima, no início desse texto, “é o que nasce da perda, da ausência, da solidão e da incompreensão. É o vazio que se instala quando os sonhos se desfazem, quando o amor não encontra abrigo, ou quando a esperança parece ter se perdido no caminho”. 

Resumindo, é uma dor que não se cura com analgésicos, que não se explica com palavras simples. Ela exige escuta, tempo e acolhimento. Às vezes, tudo o que a alma precisa é de um olhar que compreenda o não visto, de um abraço apertado e afetuoso que não julgue, de um silêncio puro que respeite o que não foi dito. Não devemos nos esquecer que há também beleza nesse sofrimento. Porque é nele que a alma se revela, se transforma e se fortalece. É na travessia da dor, como o cruzamento de uma ponte imensa, que descobrimos quem somos, o que nos importa e o que nos move. 

Repetindo a pergunta: a alma sofre? Sim, sofre e muito. Mas percebam, também com esse sofrimento aprendemos, crescemos, renascemos. Que possamos, pois, cuidar da nossa alma com a mesma atenção que damos ao corpo. Que tentemos reconhecer nossas dores, sem vergonha, sem as máscaras do medo. Toda alma que sofre ou que padece, ou que se estropia, carrega em si a semente da cura. A alma sofre porque PENSA demais, como diria Fernando Pessoa. 

A alma sofre porque SENTE demais, como asseverava Clarice Lispector. E entre o PENSAR e o SENTIR, ela se DESFAZ, e se REFAZ. O sofrimento não é o fim, é apenas um caminho longo para a travessia. É o lugar onde o “eu” se encontra com o mistério. E ali, no fundo da dor em sua melhor forma de expressão, é ali que nasce a poesia. 

Para mim, em particular, a alma que sofre, sobrevive. Sobrevive sempre. E mais: ela não apenas sobrevive, ela se remodela, e se transforma. Se refresca. O sofrimento da alma é como o vento forte que dobra a árvore, mas não a quebra. Ele testa as raízes, desafia a estrutura, mas, como um todo, também ensina como passar por tudo com perseverança e paciência.  

A alma que sofre, vista agora por outra ótica, aprende a escutar o silêncio, a valorizar o instante e a reconhecer a beleza escondida nas pequenas coisas. Ela se torna mais sensível, mais profunda, mais verdadeira, mais dona de si. É como o barro que, ao ser moldado pela dor, vira arte. A dor, portanto, não é o fim. É o processo. E a alma, mesmo ferida, como diz o escritor moçambicano Mia Couto, ela carrega dentro de si uma força ancestral que a empurra para frente. Confiram:  “A alma não tem cicatrizes. Tem memórias que brilham.”

Eu, como mero “escrevinhador”, me acho, como uma espécie de Mia Couto vivendo os tempos de hoje. A minha alma não sofre. O sofrimento da minha alma é a base, o alicerce, a estrutura do meu amanhã que ainda nem chegou, todavia, acreditem, ele, o meu porvir, ainda está por chegar. E chegará. Respondendo à pergunta embutida no título: Será que ele, o Sofrimento, é eterno?  Não, meus caros. O sofrimento é  um ser PASSAGEIRO. 
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras (Floresta/PR). Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 

Renato Benvindo Frata (Na intimidade)

Do meu canto ouço um cantar conhecido. E lindo!  Será corruíra, será garrinchão? Meus ouvidos, velhos ouvidos, já não o discernem mais se um, se outro. São tão parecidas as vozes... a corruíra, mais sensível, o garrinchão, melódico.

Um ou outro? As mãos em conchas abraçam o que pode o belo som, mas são insuficientes a possibilitarem o discernimento. Encosto-me à parede a auscultar na insistência de ouvir e bem diferenciar, mas os ouvidos reclamam em não o identificar.

Nesse ficar, cismo, como cisma em cantar o passarinho de voz de corruíra. Ou será de garrinchão? Dúvida que me aguça, estimulando.

— Que bom que ainda ouço. — Que bom que ainda ouço — repito na reflexão, no repetir de velho metódico com as mãos fazendo conchas.

A melodia melada, saída molhada da siringe da corruíra – ou será garrinchão? – penetra pela veneziana, expande-se pelo aposento a me pôr em pé a alimentar os sentidos. Bons são os sons que esta manhã de segunda me concebe. Não será terça?

A certeza do dia da semana escorreu da minha folhinha...

Mas esse som, esse do cantar que me põe os ouvidos a ouvir com imaginação, esgravata inspirando meus tímpanos endurecidos, e os cutuca a mexer nas suas membranas para que também acordem e ouçam! É um pássaro que canta... É a beleza da voz a embelezar a manhã.

Já ouviu corruíra? Ouviu garrinchão? Não? Que pena! Eles me dão, sabe o quê? Avivamento da atenção; é como me enlevar em sublimidade, tal qual é a voz do pássaro liberto a cantar, encantando.

Em silêncio ouço que do outro lado, quiçá sobre um ramo qualquer, a vida voa por meio da voz que continua a fervilhar. A liberdade, por si só, já é uma bela canção...

Lá ele canta. Aqui, encantado, escuto. E calo. Calado, não corto os seus sons.

Não consigo vê-lo, nem ele a mim, mas só a voz me basta: minhas asas envelheceram a só permitirem voos de passos... curtos, imprecisos, como os primeiros gorjeios da corruíra. Ou seria do garrinchão?

E o canto faz meu dia.

Tão pouco e tão rápido, mas tão comum e extraordinário que me liberta do pijama de velho para me acordar para a vida nesta manhã de segunda — ou terça, seja o que for.

A emoção da liberdade, apenas ela, pule meus ouvidos a colocar luz nos olhos. E sede de vida, de muita vida em minha garganta.                                  
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Troféu Lilinha Fernandes (Campeões desde 1988)


O “Troféu Lilinha Fernandes” é outorgado anualmente em Porto Alegre, ao trovador mais premiado em todo o Brasil no ano anterior. 

A seguir a lista dos campeões desde 1988:

1988 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)

1989 – Waldir Neves (Rio de Janeiro)

1990 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)

1991 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)

1992 – João Freire Filho (Rio de Janeiro)

1993 – Sérgio Bernardo (Nova Friburgo)

1994 – Izo Goldman (São Paulo)

1995 – Sérgio Bernardo  (Nova Friburgo)

1996 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)

1997 – Sérgio Bernardo (Nova Friburgo)

1998 – Heloísa Zanconatto (Juiz de Fora)

1999 – Heloísa Zanconatto (Juiz de Fora)

2000 – Therezinha Brisolla (São Paulo)

2001 – José Tavares de Lima (Juiz de Fora)

2002 – Izo Goldman (São Paulo)

2003 – A. A. de Assis (Maringá) e Izo Goldman (São Paulo)

2004 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)

2005 – José Tavares de Lima (Juiz de Fora)

2006 – A. A. de Assis (Maringá)

2007 – Marina Bruna (São Paulo)

2008 – Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

2009 – Marina Bruna (São Paulo)

2010 – A. A. de Assis (Maringá)  

2011 – Edmar Japiasspú Maia (Nova Friburgo)

2012 – Therezinha Brisolla (São Paulo)

2013 – A. A. de Assis (Maringá)

2014 – Wanda de Paula Mourthé (Belo Horizonte)

2015 – Arlindo Tadeu Hagen (Juiz de Fora))

2016 – A. A. de Assis (Maringá)

2017 – Arlindo Tadeu Hagen (Juiz de Fora)

2018 – A. A. de Assis (Maringá)

2019 – Jerson Brito (Porto Velho-RO)

2020 – César Defillipo (Astolfo Dutra-MG

2021 – Jerson Brito (Porto Velho-RO)

2022 – Arlindo Tadeu Hagen (Juiz de Fora)

2023 – Dulcídio Moreira Sobrinho (Juiz de Fora)

2024 – Sérgio Ferreira da Silva (São Paulo)

Fontes:
Texto enviado por A. A. de Assis.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 5 de outubro de 2025

Chafariz de Trovas * 23 *

 

Asas da Poesia * 107 *


Poema de
JORGE FREGADOLLI
Maringá/PR

João-de-barro, engenheiro da floresta

Feliz é o joão-de-barro,
constrói em qualquer lugar.
Ninguém, pois, lhe tira o sarro,
não lhe vai incomodar!

João-de-barro é engenheiro,
doutor pela natureza.
Porém, trabalha o ano inteiro…
sua casa, que beleza!

Um passarinho de nada
faz as casas em paineira.
Não tem diploma, que nada,
neste palco ele gorjeia!

João-de-barro, inteligente,
nem estudou – quem diria!
É arquiteto, docente,
um mestre em engenharia!

Não tem medo, se o tivesse,
não faria belo ninho.
Deus, ouvindo sua prece…
joão-de-barro, passarinho!
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Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

estrelas
choram
lágrimas
prateadas
lamentando
ausências
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Poema de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

A grande mestra

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 – Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Grã Mestra da Obra é a própria Vida!
= = = = = = = = =  

Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Ruas do Céu

MOTE:
Este céu tem lindas ruas
e Deus, para enriquecê-las,
de prata pintou as luas
e bordou o chão de estrelas.
Sarah Rodrigues
Belém/PA

GLOSA:
Este céu tem lindas ruas,
cheias de encanto e harmonia,
de tristezas, estão nuas,
nelas, só existe alegria!

São as mais belas de todas
e Deus, para enriquecê-las,
deu-lhes luz de eternas bodas...
Impossível descrevê-las!

Pra não ver mais cores cruas,
com seu pincel de emoção,
de prata pintou as luas
com a mão do coração!

Quis belezas extasiantes
e, assim, para poder tê-las,
pintou as luas distantes
e bordou o chão de estrelas.
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Soneto de
SÍLVIA ARAÚJO MOTTA
Belo Horizonte/MG

Segredo da despedida

Ao meio dia, alegres dois ponteiros,
cantaram juntos para a paz buscar;
o sol tornou dois corpos mais inteiros,
brilho no rio quis logo espelhar!

Testemunhou paixão febril, no olhar,
firmes mãos dadas, toques bem ligeiros
no tim-tim-tim que o copo fez cantar,
canção vibrante quis os tons primeiros.

Água que passa suja, leva tudo,
No entardecer, relógio, chama agora:
-Já são seis horas...tempo fica mudo.

Na despedida penso:-Quero tê-lo!
Tal qual criança sofre e vai embora...
Tristonha vou...não posso mais detê-lo.
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Triverso de
ANTONIO LUIZ LOPES TOUCHÉ
Guarulhos/SP

A Maria-sem-vergonha 
Como a rosa e a margarida, 
Cumpre a sina: floresce. 
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Spina de
NEUMA TOLEDO
São Paulo/SP

Recado

Soprando, o vento
me contou que
você roubou Deus.

Tirou todo azul do céu 
pôs nos seus lindos olhos,
esqueceu de tingir os meus
que são escuros como graúnas
lembram petróleo cheio de breus.
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Pantum de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

Doa-se um coração

Doa-se um bom coração...
Muito afoito e destemido!
Já viveu tanta paixão,
apesar de ter sofrido...

Muito afoito e destemido,
um eterno sonhador.
Apesar de ter sofrido
da solidão tem horror.

Um eterno sonhador,
por muitos, manipulado.
Da solidão tem horror;
quer amar e ser amado.

Por muitos, manipulado
mas ainda em condição...
Quer amar e ser amado!
Doa-se um bom coração...
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Soneto de
ERÁCLIO SALLES
Santo Amaro da Purificação/ BA

Teu Presente
 
Pensei que a terra, por demais escura,
Manchasse o alvor de teus formosos braços.
E arrojei-me, quixótico, aos espaços,
Sorvendo aos tragos a amplidão da altura.

Penetrei mundos de celeste alvura,
Cansando o olhar, multiplicando os passos.
Venci desertos, esmaguei cansaços,
De um presente trazer-te, indo à procura.

Fiquei cego de ver tanta miragem,
Fitando estrelas, no ansiar profundo.
Nem só uma escolhi – tantos cuidados! -

Nada te posso dar dessa viagem.
Mas sei, no entanto, que te trouxe um mundo
Na memória dos olhos apagados.
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Poema de
ANTÓNIO GEDEÃO
(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho)
Lisboa/Portugal, 1906 – 1997

Poema da malta das naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote* de vagabundo,
rebotalho** de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros*** e zagaias****.

Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
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* Pelote = Peça de vestuário antiga, de abas largas e grandes
** Rebotalho = refugo
* * * Peloiros = bala de metal
* * * * Zagaias = lança curta
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Soneto de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Poeta

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
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Soneto de
LAÉRCIO BORSATO
Poços de Caldas/MG

Meu sublime motivo

Eu, que na vida, sempre fui tão inconstante,
Agora me detenho num tema exclusivo:
A cordas dessa lira, fortes vibrantes,
Fazem parte do mundo belo em que vivo...

É como uma mensagem de paz. Num instante,
Vem à minha alma como um doce lenitivo.
Nesse agito, o meu ser torna-se redundante:
Desejo escrever... É meu sublime motivo!

Nessa jornada, no campo imenso da poesia,
Encontro essa beleza que antes não sentia...
São simples temas - nobres joias esquecidas!...

Em cada verso, doo um pouco de mim mesmo.
Nesse jardim inerte, no abandono, a esmo,
Cultivo meu canteiro de belas margaridas!...
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Poema de
ANNA ENQUIST 
Amsterdam/Holanda

Cena Campestre

A casa esperou por nós,
pensamos. O duplo renque de árvores
acena-nos que nos cheguemos. Num sussurro,
o rio vai escorregando cheio
entre as margens.

 À hora exacta, o sol vai esconder-se
por trás dos campos. A escuridão
envolve a casa que nos protege.
Acendemos o fogo, bebemos
entre as paredes.

 Vendi-me inteira à
segurança e debruço-me da janela.
Dormem cavalos e galos, a água
pisca o olho à lua, e eu a pagar,
sempre a pagar.
(tradução: Catherine Bare)
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Soneto de
MANUEL NETO DOS SANTOS
Alcantarilha/ Silves/ Portugal

Primavera Esperada

Vem amor, quando chegar a Primavera, 
Fazer com que floresça o meu sorrir, 
Prender-me com os teus braços de hera 
E amar-me no regaço do devir. 

Vem amor, quando a terra florescer 
E o ar, almiscarado de perfume, 
Em brisas de ternura te disser 
Que acendas no meu corpo esse teu lume. 

Vem amor, quando a greda revolvida 
Florir, numa aquarela aveludada; 
Boninas, lírios brancos, açucenas… 

Vem, amor! Quando o dia, a alvorada, 
Florir as flores, mesmo as mais pequenas 
E traz-me, então, de volta a própria vida.
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Poema de
JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO
Viana/Portugal

Poema para Maria

 Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo...

 Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho...

 O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

 E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

 P'los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia...

 Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário...

 O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário...
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Soneto de
VINÍCIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto de Meditação I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia.
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Spina de
BETH IACOMINI
Ponte Nova/MG

Cenário campestre

Árvores têm casa
cercadas de aves, 
telhados de sapê.

As portas de cor amarela 
brilham ao nascer do Sol.
Vista mágica: pés de Ipê... 
Flor do campo no entorno
amor reina, juntos eu, você.
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Eduardo Martínez (As amigas de óculos)

As duas meninas, agora não tão meninas assim, já haviam passado dos 20, mas ainda faltava percorrer um bom caminho até os 30 Elas se conheciam desde os tempos de escola, quando, inseparáveis, corriam pelo pátio à procura de sonhos. Seus nomes? Thayná e Aninha.

As duas tomaram caminhos bem diferentes. A Thayná se tornou modelo e está fazendo curso de medicina veterinária, enquanto a Aninha foi ser  advogada. No entanto, apesar das profissões distintas, as duas continuavam a se encontrar de vez em quando, além de guardarem algo em comum: o alto grau de miopia.

Certo dia, que não faz tanto tempo assim, lá estava a Aninha correndo na esteira da academia, quando percebeu, logo ali adiante, a Thayná numa bicicleta ergométrica. A modelo pedalava tanto, como se fosse possível a bicicleta sair voando pela janela. A advogada, feliz por rever a amiga, quis ir cumprimentá-la, mas eis que chega uma mensagem de um cliente no seu aparelho celular. 

A cena que se passou foi mais ou menos assim: 

A Aninha digitava com uma velocidade muito maior do que das suas pernas, que tentavam não perder o ritmo acelerado da esteira, que, por sua vez, não parecia nem aí para o diálogo entre a advogada e o seu cliente. Até que, de repente, a Thayná surge bem na frente da amiga.

– Oi, Aninha, tudo bem? Quase não te reconheci, pois hoje vim sem óculos.

– Ah, eu já havia te visto ali fazendo bicicleta.

– Ué, mas eu acabei de entrar!

– Sério?

– Mas ela era bonita pelo menos?

– Ah, também esqueci os meus óculos. Mas o vulto parecia bonito sim.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.
Fontes:
Blog do Menino Dudu. 08.06.2022
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2022/06/as-amigas-de-oculos.html
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing