quinta-feira, 31 de maio de 2012

Flávio Carneiro (Aprendizagem)


Ilustração: Eva Uviedo


- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer? 

 - Hã?  - Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo? 

 - Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha. 

 A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas. 

 - Todo dia, mãe? 

 - É, só que a gente não repara. 

 - Por quê? 

 - Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha? 

 A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder. 

 - Você é muito ocupada, não é, mãe? 

 - Hã? 

 - Nada, não. 

 A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário. 

 Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto. 

 "Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana! 

 Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis. 

 - Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer? 

 - Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura? 

 Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder. 

 A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda. 

 - Mãe! 

 - O que foi? 

 - É que eu estava aqui pensando. 

 - Pensando o quê? 

 Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas. 

 - Vai, fala logo. 

 - Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu? 

 - Não, não entendi. 

 Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar: 

 - Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo? 

 - Ai, meu Deus! 

 Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca. 

 Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela: 

 - Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu? 

 E com um carinho: 

 - Foi minha mãe que me ensinou.

Fonte:

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Patativa do Assaré (A Seca e o Inverno)

Ilustração de Joana Lira

Na seca inclemente no nosso Nordeste
 O sol é mais quente e o céu, mais azul
 E o povo se achando sem chão e sem veste
 Viaja à procura das terras do Sul

 Porém quando chove tudo é riso e festa
 O campo e a floresta prometem fartura
 Escutam-se as notas alegres e graves
 Dos cantos das aves louvando a natura

 Alegre esvoaça e gargalha o jacu
 Apita a nambu e geme a juriti
 E a brisa farfalha por entre os verdores
 Beijando os primores do meu Cariri

 De noite notamos as graças eternas
 Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes
 Na copa da mata os ramos embalam
 E as flores exalam suaves perfumes

 Se o dia desponta vem nova alegria
 A gente aprecia o mais lindo compasso
 Além do balido das lindas ovelhas
 Enxames de abelhas zumbindo no espaço

 E o forte caboclo da sua palhoça
 No rumo da roça de marcha apressada
 Vai cheio de vida sorrindo e contente
 Lançar a semente na terra molhada

 Das mãos deste bravo caboclo roceiro
 Fiel prazenteiro modesto e feliz
 É que o ouro branco sai para o processo
 Fazer o progresso do nosso país

Fonte:
Revista Nova Escola

Chico Anysio (É Proibido Falar ao Motorneiro)


 Era muito grande a surpresa do velhote que, ao receber alta após vinte e dois anos acamado (reumatismo infeccioso), pela primeira vez saía à rua.

 Andava pelo Rio como se estivesse fazendo turismo numa cidade a que nunca fora. Tudo mudado, tudo tão lindo e tão diferente. O aterro, os gramados em volta de postes que mais pareciam perna de ema (quando queimar uma luz como é que mudam?), o monumento ao soldado desconhecido, tudo era novidade. Trocaram a roupa da cidade durante sua enfermidade.

 Quis ir à Galeria Cruzeiro tomar um chope no Bar Nacional e lá encontrou uma cidade em pé, de mil andares, e se contentou com uma laranjada no Bob's. O Tabuleiro da Baiana, os bondes, por onde andavam? Estaria perdido? Poderia perder-se numa cidade que era sua apenas por ter ficado tão pouco tempo (vinte e dois anos) com aquele reumatismo idiota? A Rua das Marrecas tinha o nome de um político e havia um prédio encimando o Cine Metro onde ele assistira, quinze vezes seguidas, a Greer Garson em  Rosa de esperança. E a Lapa, meu Deus! O que fizeram com a minha Lapa? Pelo menos a igreja está de pé, mas aquilo é novo, aquilo lá não existia, no meu tempo não tinha aquilo, roubaram os trilhos? O que fizeram dos trilhos?

 O homem andava, na sua caminhada de reconhecimento, sem saber se devia aplaudir ou vaiar o progresso, já que em nome do progresso tudo tinha sido feito e modificado. Saí de casa a caminho da casa do amigo Vergara, com quem jogava xadrez nos tempos idos. De sua casa, na rua Taylor, até a casa do Vegara, na Santo Amaro, costumava ir de bonde (qualquer um servia, porque todos passavam no Largo do Machado), mas hoje estava disposto a ir a pé. Sabe lá se não acabaram também com a Praça Paris!

 E o homem ia andando, sempre com o olhar circular pelos cantos da cidade. O passeio Público cercado. Se está cercado deixa de ser público!

Sem menos esperar, quase caiu num buraco.Dentro do buraco um homem, com um capacete prateado na cabeça, usava uma pá com a qual aumentava o buraco, jogando no asfalto a terra que dele tirava.

— Alô — disse o convalescente.

— Alô  resmungou, sem muita vontade, o trabalhador.

 — O que é que o senhor está fazendo aí? perguntou o reumático ao homem que cavava.

 — Cavando — disse o homem ao velho.

 Vejam só. Além dos muitos buracos que há na cidade, em vez de fechá-los, o governo trata de abrir outros. Então era isso. Os buracos eram feitos com a concordância do governo. Ou talvez por determinação governamental.

 — Fazendo um buraco, não é? — quis certificar-se o reumático.

 — É, um buraco —  precisou o cara de capacete metálico.

 Exatamente o que ele pensara. Uma barbaridade. Onde estão as Forças Armadas, que permitem este descalabro? Tiram-se os bondes e dão-se buracos. Bela política, essa!

 — E pra que fazer um buraco, moço?

 — Progresso, né? — rezingou* o homem que cavava e cavava, jogando terra, algumas vezes, sobre os sapatos do velho que o aborrecia, olhando-o do alto do buraco.

 Que progresso mais idiota. Depois, aposto que nem põem placas avisando que ali há um buraco, vem uma criança.

 — Feche este buraco — ordenou valendo-se do seu título de cidadão.

 — Não chateia! — repeliu o operário.

 — Este buraco é um perigo. É um atentado à segurança pública. Como cidadão, eu ordeno: jogue no buraco esta terra — completou, enquanto empurrava com o pé número 35 um punhado de terra que se espalhou pelo metálico capacete do trabalhador.

 — Pára de jogar terra aqui, cara. Este buraco é para as obras do metrô.

 Foi como se falasse latim ao Lampião. Metrô? Não teria ele querido dizer Metro? Não seria a instalação de mais um cinema?

 — Metrô — interrogou o velho que saía à rua após vinte e dois anos de leito. — Não será Metro?

 — Metrô, cara. Um trem.

 Era o que faltava. Botar um trem ali, em pleno Jardim da Glória. Bolas ao progresso, que tira os bondes, tão fresquinhos e baratos, e, no seu lugar, coloca vastíssimos trens, de ruído insuportável. Agora é que ninguém dorme, da Conde Lage até nem se sabe onde.

 — Que trem é esse? — questionou o homem contra o progresso.

 — Será possível? — sofreu o operário que cavava às duas da tarde, sob um sol de meio-dia (era janeiro).

 — Diga. Que trem é esse? Na qualidade de cidadão, eu exijo uma explicação — insistiu, zangado, o homem.

 — Olhe, meu amigo. Metrô é um trem que anda por baixo da terra. Faz-se um túnel debaixo do chão, botam-se os trilhos e o trem vai pelos trilhos — explanou o empregado das obras do metrô o melhor que pôde, para encerrar, de uma vez, o assunto.

 — Por baixo da terra? E ninguém respira?

 — Há ventiladores.

 — E a gente entra no trem de que modo?

 — Há entradas. Vai haver uma entrada ali (apontou longe), o senhor compra a passagem, desce as escadas, o trem vem, o senhor entra e vai.

 — Muito bem. É o progresso, não é?

 — É.

 — E, sendo debaixo da terra, não suja a roupa, nem...?

 — É um túnel! — irritou-se o operário. — O trem corre dentro do túnel.

 — Maravilhoso — admitiu. — Maravilhoso!

 — Agora dê licença — pediu o funcionário, voltando a jogar terra sobre o asfalto lá em cima.

 Um trem por baixo da terra. O governo está trabalhando, mesmo. Estava até arrependido de ter pensado as coisas tão antigovernistas que pensara. Ainda bem que ninguém ouviu. Podia ser tomado como um sujeito anarquista.

 — E quando fica pronto?

 — Hein?

 — Esse trem que o senhor falou. Demora para ficar pronto?

 — Um pouco.

 — Mais ou menos quanto tempo?

 — Uns quatro anos.

 — Ah, é muito, não posso esperar.

 E dirigiu-se mesmo a pé para a casa do Vergara, na Rua Santo Amaro.
________
Nota:
* Rezingou = resmungou

Fonte:
Chico Anísio. O Batizado da Vaca. SP: Círculo do Livro

Casimiro de Abreu (Carolina) III – A Volta


Estamos em 1849. 

Numa tarde de fevereiro, levado por toda a velocidade de seu bom cavalo, seguia um cavaleiro a estrada de Lisboa a ***, estrada onde ficava essa linda quinta com sua casa, no meio de perfumes e de verdura.

Esse cavaleiro, era Augusto.

Quando ainda de longe ele avistou a casa, seus olhos disseram é ali, seu coração indeciso, murmurava: aquela?!...

Ai! já não era a mesma quinta bela e verdejante, que ele tinha deixado na primavera! O inverno havia-a transformado horrivelmente.

Os ramos das faias e dos choupos gigantes já não se debruçavam sobre o muro. A natureza estava triste. As árvores não tinham folhas: apenas erguiam seus ramos despidos que vergavam com o vento. 

Uma tristeza involuntária apoderou-se do mancebo. 

Prendeu ao muro o seu cavalo coberto de suor e poeira e pôs-se a cantar com uma voz trêmula: 

Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.

Nenhuma voz respondeu à sua copla apaixonada. Um silêncio profundo reinava nas alamedas; só os ramos das árvores se agitavam. Dir-se-ia ser um cemitério. 

Augusto teve um pressentimento; sua fronte empalideceu por um instante, mas continuou repetindo: 

Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar. 

O mesmo silêncio terrível. Só o eco repetia triste suas últimas palavras: “sê minha, que eu sei-te amar”.

Saltou o muro e alongou a vista impaciente.

Que tristeza! As alamedas estavam desertas, o jardim já não florescia, o lago já não tinha o seu cisne, a natureza já não sorria!

Foi direito ao caramanchão, ele lá estava no mesmo lugar com o seu banco de cortiça, mas a fonte que dantes murmurava parecia gemer agora!

Augusto sentou-se no banco com a cabeça encostada a uma das mãos e olhou para tudo com uma indizível tristeza. 

Ai! os pássaros já não cantavam, nem a brisa brincava travessa!

Então o pranto correu-lhe livre, o seu coração dizia-lhe que chorasse. 

— Foi aqui, murmurava ele, foi aqui que me despedi dela, foi aqui que prometi torná-la a ver. Meu Deus! quantas lágrimas não derramei quando atravessava o Oceano, que me separava da pátria, onde ficara a minha alma! E agora, que torno a ver a terra onde nasci, agora, que devia ver a minha Carolina, não sei por quê, sinto uma vontade imensa de chorar. Carolina! Carolina! bradou ele, vem ver o teu Augusto, vem dizer-lhe que sempre o amaste, vem dar ao desgraçado que chorou os prantos da saudade, o teu beijo de amor: e os soluços abafaram-lhe a voz no peito. 

Mas o mesmo silêncio lúgubre continuou; nem uma voz, nem um som respondeu aos gemidos do amante. 

Ergueu-se pálido e trêmulo e caminhou vagaroso pela alameda que ia dar ao jardim, cantando sempre com a sua voz comovida aquela copla, que tão bem exprimia os desejos do seu coração. 

Chegou ao jardim e olhou. A casa tinha as portas e as janelas todas fechadas. Também estava deserta. 

— Mudaram-se, disse ele, Carolina já aqui não está!

E volta pensativo para o caramanchão  e parou diante da fonte. 

— Onde está Carolina? perguntou ele, como se a fonte pudesse responder-lhe. 

— Onde está Carolina? perguntou ele às árvores, e parecia esperar a resposta. 

Mas a fonte continuava a correr e as árvores a agitar os ramos. 

— Então adeus, meu caramanchão, minha fonte, meu jardim, adeus!

E Augusto saltou o muro e quis passar por diante da casa onde estivera a sua amada. Quando aí chegou, parou e pôs-se a olhar para a janela onde a tinha visto a primeira vez. 

— Jesus! Meu Deus! aquele não é o senhor Augusto? dizia uma saloia, que passava por ali, a seu marido. 

— Parece que é, respondeu o saloio. 

Ao ouvir o seu nome, Augusto olhou para o lado donde partiram as vozes e reconheceu-os. Depois de os cumprimentar perguntou logo:

— Diga-me, o senhor Ferraz já aqui não mora?

— Há que tempos! mudaram-se pelo Natal. 

— Sabe para onde?

— Isso é que não sei; tanto ele como a senhora estavam muito tristes, e tinham razão, aqueles desgostos não são para menos. 

— Então eles tiveram algum desgosto? perguntou Augusto, que pressentia a morte de Carolina.

— E muito grande. Sua filha, a senhora D. Carolina, fugiu...

— Carolina fugiu? perguntou Augusto com uma voz que assustou a pobre mulher.

— Sim senhor, respondeu ela, foi no meado do mês de dezembro. Custa a creditar, que uma menina tão boa deixasse sua mãe. E daí pode ser que fosse roubada, quem sabe!

Augusto já nada ouvia; estava louco.

— Oh meu Deus! meu Deus! murmurou ele.

— Jesus! que é isso, senhor Augusto? perguntou a mulher vendo-lhe a extrema palidez e o chamejar sinistro dos olhos. 

— E eu que a amava tanto! continuou ele em voz baixa. 

A saloia compreendeu-o e afastou-se murmurando:

— Pobre rapaz! o que lhe fui eu dizer!

Augusto ficou ainda algum tempo imóvel com os olhos turvos e o peito arquejante, mas depois erguei a fronte de repente e bradou com uma explosão terrível de dor:

— Ah! mulher, mulher! tu me mataste! 

Desprendeu seu cavalo, montou e desapareceu na estrada. Ainda olhou de longe uma vez para aquela quinta deserta e triste, que lhe inspirava tantas recordações...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 564)


Uma Trova de Ademar  

Todo homem que se entrega 
aos feitiços de um amor 
sofre demais, porém nega 
o tanto da sua dor... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Diante do encanto desfeito 
por promessas não cumpridas, 
eu sempre encontro outro jeito 
de entrelaçar nossas vidas. 
–Olga Agulhon/PR– 

Uma Trova Potiguar  

Não podemos recompor,
nossos sonhos destruídos;
nem esconder nossa dor,
silenciando os gemidos. 
–Francisco Maia/RN– 

Uma Trova Premiada 

2005 > Belém/PA 
Tema > DELÍRIO > M/H

Em meu delírio utopista
 um sonho não se desfaz:
 é ver um mundo otimista
 unindo as mãos pela paz.
- Licínio Antonio de Andrade/MG-

...E Suas Trovas Ficaram  

Nos açoites da agonia, 
a solidão que me invade 
vai rasgando a fantasia 
com que disfarço a saudade!... 
–Ulysses Carvalho Júnior/RJ– 

Uma Poesia  

Sinto que Deus põe a mão 
na mulher quando engravida, 
a dor se mescla ao prazer, 
a criatura é erguida;
e a vida liberta um Ser 
preso dentro de outra vida. 
–Leonardo Cruz/RN – 

Soneto do Dia  

Ressurreição.
–Reginaldo Albuquerque/MS– 

Eis que volto ao parquinho abandonado... 
De fato, está bem gasto, sem valia, 
porções de entulho e mato lado a lado, 
em vez da meninada em correria. 

Olhando o carrossel empoeirado 
não sei o que dá mais melancolia, 
se o céu de luto todo declarado
ou nossa dupla de alazães vazia. 

Ontem, quantos passeios demos juntos!
Hoje, nesses cavalos já defuntos,
encontro apenas restos de ilusão. 

Mas um clarão de lendas muda o enredo...
Torna a girar o mágico brinquedo,
com a tua imagem me estendendo a mão...

terça-feira, 29 de maio de 2012

Casimiro de Abreu (Carolina) II – Caiu!


No fim da mesma alameda, embaixo do mesmo caramanchão, sentados sobre o mesmo banco onde seis meses antes  dois amantes se beijavam em prantos, dois amantes hoje beijam-se por entre sorrisos de prazer.

Ah! mulher! mulher! que tão cedo esqueceste o homem que te votou o amor mais ardente de sua alma! Esse homem a quem juraste vir aqui todas as tardes escutar o suspiro saudoso, que ele te havia de enviar nas asas da viração!...

Ah! mulher! mulher! que tão depressa esqueceste um homem que te ama, para ouvires os galanteios doutro que te cobiça!... Deixas adormecida em teu peito a imagem daquele por quem teu coração novel bateu as primeiras pulsações, ao mesmo tempo tímidas e suaves, e não te lembras que esse homem virá um dia, implacável como o destino, terrível como o raio, pedir-te o cumprimento das juras que lhe fizeste; exigir-te contas do seu amor, que tu escarneceste; das suas crenças, em que tu cuspiste; da sua alma, que tu assassinaste!...

Não te lembras que os lábios ardentes doutro homem roçaram as tuas faces?
Oh! para o futuro, nas horas mortas da noite, sentirás o pungir desse remorso!
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O dia está quase no seu termo; em breve virá a noite com seu silêncio, suas estrelas, seus fantasmas, seus mistérios!...

Eles falam; escutamos:

— Olha, Fernando, ontem esperei-te tanto tempo, e tu não vieste! Estava aqui sentada só, triste! Qualquer ruído que sentia na estrada, dizia comigo: é Fernando; e enganava-me, não eras tu! 

— Não vim ontem, porque não pude; mas vi-te. 

— Não vieste e viste-me?!

— Vi-te sim, Carolina, vi-te em sonhos como te vejo todos os dias. E que outra mulher senão tu, há-de vir abrilhantar os meus sonhos? Às vezes, vejo-te similhante a um anjo, fugires da terra envolta em nuvens vaporosas. Ontem vi-te aqui, neste mesmo parque. Tu eras já minha e estavas tão linda como agora; o céu sorria-se para ti, os pássaros gorjeavam para tu os ouvires, a brisa brincava com teus cabelos e tu brincavas com as flores...

— E tu, Fernando?

— Eu?! Corria atrás de ti para te dar um beijo e tu fugias ligeira como a gazela e depois cansada, com teu seio a arfar, com teus lábios entreabertos, com tuas tranças soltas, caías desfalecida em meus braços... e ambos gozávamos gozos, delícias, como só se gozam no céu... estávamos no paraíso. Ah! que sonho tão lindo, Carolina! Mas era um sonho. Foi cruel o despertar. 

— Não te acredito, disse ela com um sorriso, que queria justamente dizer o contrário. 

— Mas eu não te engano; amo-te como um louco, amo-te como ninguém nunca amou, porque és tu a mulher que eu havia sonhado nos meus sonhos da infância, nos meus sonhos da adolescência, nos meus sonhos dos 18 anos, quando o coração tem necessidade d’amor, quando os lábios desejam que os beijos duma mulher venham mitigar a sede que os abrasa. 

E Fernando pôs-se de joelhos aos pés de Carolina, cingindo-lhe a cintura flexível e delicada, com seus braços nervosos. 

— E tu, Carolina, também me amas?

— Muito, muito, disse ela, e subjugada pelo olhar ardente de Fernando, uniu seus lábios corados aos dele, que queimavam...

A noite tinha estendido o seu manto: as estrelas cintilavam no firmamento, grossas nuvens  haviam ocultado a face da lua. 

A noite tem seus mistérios! 
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No meio daquela mudez aterradora, soou um grito de mulher, abafado logo por algum beijo. Teria Carolina visto a figura d’ Augusto desenhada no muro fronteiro?...
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Meia hora depois, à claridade da lua que se mostrou de súbito, um vulto de mulher atravessava apressado a alameda, dirigindo-se para casa, grave como um fantasma, trêmulo como um condenado!
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As estrelas cintilavam mais frouxas, a lua ocultou-se de novo e um murmúrio indefinível, similhante a um queixume, parecia subir da terra ao céu...

Carolina, tinha uma coroa de virgem que lhe circundava a fronte como uma auréola brilhante; Fernando arrancou essa coroa e calcou-a aos pés!...

O anjo caiu do seu pedestal d’ inocência... a rosa purpurina e bela pendeu na sua haste... o vento da noite levou-lhe as folhas...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Tatiana Belinky (A Luva)

Ilustração: Maria Eliana Delarissa

Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do rei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibição de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grande castelo. Em volta da arena erguiam-se as arquibancadas, encimadas por altos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas damas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzela Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu lado estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo amor ela desdenhava, distante e fria.

 Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal. Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.

 Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:

 "Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva."

 O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente.

 A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso cheio de promessas, falou:

 "Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges."

 Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.

 E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.

Fonte:
Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky
Disponível na Revista Nova Escola

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 563)

Salina no Rio Grande do Norte
Uma Trova de Ademar  

O bom sal que o mar cultiva 
pinta de branco a salina... 
Faz mais rica e produtiva 
a região nordestina! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

Briguei contigo, é verdade, 
peço perdão, volto atrás 
e faço desta saudade 
bandeira branca de paz! 
–DOMITILLA B. BELTRAME/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Inveja é coisa mesquinha
de uma pessoa sem brio,
amargurada e sozinha
que faz da vida um vazio...
–HELIODORO MORAIS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2006 - Nova Friburgo/RJ 
Tema : FRONTEIRA - M/H 

Sempre estão nos corações
as soluções verdadeiras:
quando o amor une as razões,
somem todas as fronteiras.
–MILTON SOUZA/RS– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Mocidade, quem me dera
retomar, com teu calor,
um pouco de primavera
no meu inverno de amor!
–DURVAL MENDONÇA/RJ– 

Uma Poesia  

MOTE : 
Nossa terra e a terra lusa, 
na doce língua que as liga, 
são cordas nas mãos da musa, 
cantando a mesma cantiga. 
–Dorothy Jansson Moretti/SP– 

GLOSA : 
Nossa terra e a terra lusa, 
se fundem no amor sincero, 
numa amizade que cruza 
esse enorme oceano austero. 
Estando assim irmanadas 
na doce língua que as liga, 
sementes serão lançadas 
nessa língua tão amiga! 
Que esta amizade as conduza, 
pois suas inspirações 
são cordas nas mãos da musa, 
ao bater dos corações. 
Abençoando os amanhãs 
que Deus a musa bendiga, 
unindo as pátrias irmãs, 
cantando a mesma cantiga. 
–GISLAINE CANALES/SC– 

Soneto do Dia  

Poeta 
–JOÃO BATISTA X. OLIVEIRA/SP– 

O poeta, vetor da porcelana,
é o arauto das dores e janelas.
Suas veias, refúgio das procelas;
coração, a ruína da pantana.

Ele é o misto dos olhos sem cancelas
com murmúrios que ouvido não se engana.
E na busca da força sobre-humana
sorve o brilho das auras e aquarelas.

Sonha grande e maior é a plenitude
do caminho perene da altitude
em limite de céu, seu companheiro.

Mente aberta aos meandros das mensagens;
mãos dispostas aos versos das miragens...
eis o vate das asas hospedeiro!

Lidia Izecson de Carvalho (Confusões do Seu José)

Ilustração Victor Malta
Seu José foi ao mercado
 Comprar pra semana inteira
 Pegou de tudo um pouco
 Até uma enorme peneira

 Sem pensar como pagar
 Continuou a gastança
 Abacaxi, melancia e morango
 Não era hora de fazer poupança

 Chegou na fila do caixa
 Já meio de cabeça baixa
 Não sabia onde estava o dinheiro
 Teria esquecido no banheiro?

 Procurou por todo lado
 Remexeu daqui e dali
 Do bolso saiu tanta coisa
 Pandeiro, alicate e jabuti

 Mas onde estava o dinheiro
 Isso todos queriam saber
 De repente ele lembrou
 Assim meio sem querer

 Deu um sorriso amarelo
 E levantou o boné
 Sabia que tinha o dinheiro
 Não era nenhum caloteiro

 O que ninguém esperava
 Foi o que se viu então
 Tinha dez notas dobradas
 Somando quase 1 milhão

 Com tanto ladrão por aí
 Foi logo explicando o José
 O melhor é se prevenir
 Guardar na careca ou no pé

Fonte:
Revista Nova Escola

Fanny Abramovich (Dona Licinha)


A senhora não me conhece. Faz tanto tempo e me lembro de detalhes do seu jeito, sua voz, seu penteado e roupas... A senhora ensinava na 3a série B e eu era aluna da 3ª série C no Grupo Escolar do Tatuapé... Passava no corredor fazendo figa para mudar de classe, pra minha professora viajar e nunca mais voltar, pra diretora implicar e me mandar pra 3a B... Nunca tive tanta inveja na minha vida como tive das crianças da série B... 

 Lembro que na sua sala se ouviam risadas quase o tempo todo. Maior gostosura! De vez em quando, um enorme silêncio quebrado por uma voz suave...era hora de contar histórias. Suspirando, eu grudava na janela e escutava o que podia... Também muitos piques e hurras, brincadeiras correndo solto. Esconde-esconde, telefone sem fio, campeonato de Geografia. Tanto fazia a aprontação inventada. Importava era sentir a redonda contenteza dos alunos. 

 A sua sala era colorida com desenhos das crianças, um painel com recortes de revistas e jornais, figurinhas bailando em fios pendurados, mapas e fotos... Uma lindeza rodopiante mudada toda semana! Vi pela janela seus alunos fantasiados, pintados, emperucados, representando cenas da História do Brasil! Maior maravilhamento! Demorei, entendi. Quem nunca entendeu foi a minha professora... Seu segredo era ensinar brincando. Na descoberta! Na contenteza! 

 Nunca ouvi berros, um "Cala boca", "Aqui quem manda sou eu" e outras mansidões que a minha professora dizia sem cansar. Não escutei ameaças de provas de sopetão, castigos, dobro da lição de casa, chamar a diretora, com que a minha professora me aterrorizava o tempo todo... 

 Dona Licinha, eu quis tanto ser sua aluna quando fiz a 3a série. Não fui... Hoje, tanto tempo depois, sou professora. Também duma 3a série. Agora sou sua colega... Só não esqueço que queria estar na sua classe, seguir suas aulas risonhas, sem cobranças, sem chateações, sem forçar barras, sem fazer engolir o desinteressante. Numa sala colorida, iluminada, bailante. Também quero ser uma professora assim. Do seu jeito abraçante. 

 Hoje, vi uma garotinha me espiando pela janela. Arrepiei. Senti que estava chegando num jeito legal de estar numa sala de aula... Por isso resolvi escrever para a senhora. Vontadona engolida por décadas. Tinha que dizer que continuo querendo muito ser aluna da Dona Licinha. Agora, aluna de como ser professora. Fazendo meus alunos viverem surpresas inventivas. 

 Um abraço apertado, 
 cheinho de gostosuras, da
Ciça

Fonte:

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sotero Silveira de Souza (O Trovador da Lira Triste)


Quando eu não mais existir,
E talvez só cinzas for,
Creio que alguém há de sentir,
Saudades do trovador!

Quando vejo um beija-flor,
Nas roseiras do jardim,
Corro e beijo o meu amor,
Que também perfuma assim!

Dizem que para se amar,
Deve-se ter coração;
Assim não posso explicar,
Por que tu me amaste então?

A vida é cheia de males,
Às vezes é cheia de dor;
Por isso eu peço que cales,
Eu sofro mal de amor!

Saudade levo comigo,
Contigo deixo também,
A saudade é o inimigo,
Mais cruel que a gente tem!

Se o mundo fosse um canteiro,
E você fosse uma rosa,
Eu queria ser jardineiro,
Para beijá-la, cheirosa!

Essa trova tão singela,
Que exprime amargor,
Foi composta por ela,
Que negou-me o seu amor!

Nesta vida muita gente,
Sofre muito por amar,
Minha dor é diferente,
Eu só quero te deixar!

Quisera ser passarinho,
Para voar na amplidão,
E depois, pousar de mansinho,
Na palma de tua mão!

Caminhei muitos caminhos,
Por estradas mil passei,
Só achei dores, espinhos,
Até que eu te encontrei!

Eu sei que vou padecer,
Uma tortura tão louca,
Mas não me deixes morrer,
Sem antes beijar tua boca!

Irmã gêmea da tristeza,
E talvez, prima do amor,
A saudade é dureza,
E um peito sofredor!

Dizem que o mel é doce,
E que tem um bom sabor;
Quem dera que ela fosse,
Como os lábios do meu amor.

Eu sei que não posso dizer,
O calor que tem seu olhar,
Mas sei que pode ferver
Todas as águas do mar!

Uma coisa neste mundo
Que o meu coração palpita,
É dormir sono profundo,
No colo de moça bonita!

A lembrança mais sentida
Que trago nos dias meus,
Foi o dia de sua partida,
Sem dizer-me um só adeus!

Disse o poeta que a saudade,
É espinho cheirando flor;
Eu penso que é crueldade,
É lembrança de um amor!

Trouxe saudade, desgosto,
Da terra onde nasci,
Mas sepultei-as em teu rosto,
Tão logo, te conheci!

Quisera com emoção,
Feliz, carregar-te em dia
Na palma da minha mão,
Onde teu nome inicia!

Se amar é mesmo pecado,
O próprio Jesus pecou,
Pois amou até o soldado,
Que o peito o transpassou!

Bate o sino na capela,
Na tarde serena e calma;
Quando a vejo na janela,
Bate o sino da minha alma!

Por que choras passarinho,
À hora do pôr-do-sol?
Eu também estou sozinho,
Ó meu triste rouxinol!

Muito eu já tenho rogado,
Se não lhe desse desgosto,
Eu quisera ser enterrado,
Na covinha do teu rosto!

Garimpei por entre escolhos,
À procura de um tesouro;
Vi diamantes nos teus olhos,
E nos teus cabelos, ouro!

Chegaste na minha vida,
Como ave de arribação,
Dei-te agasalhos e comida,
Só me deste desilusão!

Sofro muito e me consolo,
Porque tenho esperança,
De deitar-me no teu colo,
E dormir igual criança!

Dizem que o amor é um ninho,
Macio igual algodão;
Eu creio ser feito de espinho,
E coça igual tinhorão!

Quando miro nos teus olhos,
Às vezes fico pensando,
Se olho verdes abrolhos, 
Ou se eles estão me olhando!

Meu amor, a minha vida
Está toda condenada;
Sou a triste ilusão perdida,
Um vulto só, e mais nada!

Não sei porque tu me olhaste,
Se eu não posso te amar;
Por acaso já pensaste,
Como fere o teu olhar?

Guardo comigo um queixume,
E jamais pude dizê-lo,
Quisera ser vagalume,
Na noite do seu cabelo!

Meu laço de fita verde,
De tão velho desbotou,
Esperando na parede,
Um amor que não voltou!

Uma vez que te pedi um beijo,
Para selar o nosso amor,
Respondeste com gracejo;
Tal selo não tem valor!

Ah! Se Deus me desse sorte,
De escolher onde espirar,
Eu quisera ter a morte,
No abismo de teu olhar!

Não sei dizer o que sinto,
Quando beijo aos lábios teus;
Para mim, juro, não minto,
É a maior graça de Deus!

Teve a boa mãe natureza,
Com você carinho e gosto;
Deu-lhe uma rara beleza,
E linda pinta no rosto!

Tinha tudo e me casei,
Minha mãe ficou chorando,
Até hoje não encontrei,
O que estava procurando!

Se você ver a alvorada,
Quando vai romper o dia,
É uma sombra desbotada,
Da beleza de Maria!

A palmeira solitária,
Lá no alto da colina,
Já a quase centenária, 
Pois te vi quando menina!

Tenho sido humilhado
Muita dor meu peito encerra;
Bem diz o velho ditado;
Ninguém é rei em sua terra!

Se quiseres ver ao certo,
Um oásis de bonança,
Observe bem de perto,
Os olhos de uma criança!

Esta vida é banal,
A grande verdade encerra;
O homem que é mortal,
É um transeunte na terra!

Por ambição eu deixei,
Minha mãe, anjo de luz;
Hoje, saudoso voltei,
E só encontrei sua cruz!

Gameleira mutilada,
Que faz sombra pelo chão,
Vou vingar a machadada,
Que lhe deu aquela mão!

Certa vez eu vi um cego,
Puxado por um menino;
Eu tive inveja, não nego,
Do gesto do pequenino!

Diz alguém que eu sou culto,
De carreira promissora;
Deve tudo a um vulto,
Minha santa professora!

Se pudesse o meu destino,
Conceder-me uma esmola,
Eu quisera ser um menino,
Pra voltar à minha escola!

Relógio da minha vida,
Por que disparas assim?
para que tanta corrida,
Se tem que chegar ao fim?!

O homem que tem juízo,
E bondoso de coração,
Responde com um sorriso,
As afrontes que lhe dão!

Do milionário, triste sina,
Saber que ele vai morrer,
Pode comprar a medicina,
E nada lhe vai valer!

Sem pensar e sem maldade,
Eu esbanjei gastando à bessa,
Um tesouro, a mocidade,
Que acabou-se tão depressa!

O único beijo do mundo,
Que não foi prova de amor,
Foi o de Judas, imundo,
na face do Salvador!

Todos tem o seu destino,
Até o rio que corre,
Mas o pobre peregrino,
Só no dia em que ele morre!

Há homem culto e bronco,
Para nós não é segredo;
Um nasceu para ser o tronco,
O outro simples arvoredo!

Certa vez eu vi um amigo,
Que chorou para morrer!
Até hoje eu não consigo,
A sua lágrima entender!

Na vida há muita gente,
Que nos sorri de alegria; 
Por dentro é diferente,
É tudo hipocrisia!

Os lírios níveos do mato,
Que vicejam na solidão,
Tem muito mais aparato,
Que as vestes de Salomão!

Olhai as aves do céu,
Não plantam, não sabem ler,
Vivem felizes ao léu,
E Deus lhes dá o que comer!

Se eu parar de fazer trova,
Por faltar inspiração,
Quero do doutor a prova,
Que morri foi de paixão!

Há muita gente que insiste,
Em só reclamar da sorte;
Mas a pior vida que existe,
É bem melhor do que a morte!

Meu querido arvoredo,
Meu destino agora é seu,
Você sabe o meu segredo,
Foi aqui que aconteceu!

Deixaste-me por dinheiro,
E trocaste o meu amor,
Por um vil aventureiro,
Que não tem nenhum valor!

Alguém diz que não esquece
Na vida o primeiro amor,
É uma chama que aquece,
A alma do sofredor!

O homem vive em carreira,
Numa luta insofrida;
Tudo! De qualquer maneira,
Chegará ao fim da vida!

A pérola tão luzidia,
Que hoje brilha e reluz,
Foi a lágrima de Maria,
Que correu ao pé da cruz!

Já tive muitos amores,
No curso da minha vida,
São estes os meus valores,
Que levo para outra vida!

Nem sempre a rara beleza,
Felicidade irradia;
Carinho e delicadeza,
É que nos traz simpatia!

Eu quero na sepultura,
Onde um dia eu repousar,
Este dito de ternura:
Voltarei para te buscar!

O olhar que tem mais brilho,
E penetra mais profundo,
É o olhar da mãe pro filho,
Quando este vem ao mundo!

Dizem que o homem de idade,
Volta  a fazer criancice,
Claro, pois sente saudade,
Do tempo da meninice!

O ser mais rico que existe,
Aqui na face da terra,
A sua riqueza consiste,
Em sete palmos de terra!

Alguém diz que de amar tanto,
Vai o homem para o inferno;
Há porém o amor santo,
E também o amor materno!

Os prazeres indizíveis,
Quie adornam o meu passado,
São dias inesquecíveis,
Que vivi, só a teu lado!

Vim para matar saudade,
Consolar meu coração,
Hoje volto pra cidade,
Mais pesado de paixão!

A cruzinha da estrada,
Toda enfeitada de flor,
Faz lembrar-me a doce amada,
Que morreu por meu amor!

Minha mãe, quando nasci,
Contemplou-me a chorar,
Desde então sempre segui,
O fulgor daquele olhar!

Aquele beijo envolvente,
De lembrança tão querida,
Foi o beijo mais ardente,
Que roubei na minha vida!

Eu não posso te querer,
Pois sou pobre, sem valor,
Vou lutar para merecer,
O teu dote, o teu amor!

Não permita o meu fado,
Que eu morra de solidão,
Deixe que eu seja enterrado,
Dentro do teu coração!

Eu nunca aprendi a nadar,
E jamais eu quis fazê-lo,
Só para um dia afogar,
Nas ondas do teu cabelo!

Vou lhe dar o seu presente,
É tão lindo e delicado,
Feito de couro reluzente,
Um rico anel de noivado!

A mulher é criticada,
Pelos lindos dotes seus;
Do demônio não tem nada,
É a obra prima de Deus!