sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Laé de Souza (O desconfiado)

Ediliando nunca foi de ficar xeretando, porém, observava que, de uns tempos para cá, a mulher andava se perfumando mais, se enchendo de anéis e se vestindo na moda. Procurava desviar o pensamento mas, às vezes, não dava para dominar e era um tormento que chegava a lhe tirar o sono. Várias vezes acordou à noite com desculpa de ir ao banheiro e, na ansiedade, ia até a cozinha consumir um danone ou um pedaço de bolo e custava a pegar de novo no sono. Percebeu que ela se acostumou a sair e, por diversas vezes, controlou o horário, mas a demora era tal que dava para fazer muitas coisas erradas e não tinha como não lhe passar más ideias pela cabeça.

Quando questionada, a mulher ora lhe respondia com evasivas, ora dava respostas malcriadas, que ele matutava, no seu canto, que a coisa não era certa e que ela estava escondendo safadeza. Tanto assim que ele resolveu investigar.

Por duas vezes, fingiu ir trabalhar e espreitou o dia inteiro, sem que a mulher saísse de casa. Num sábado à tarde, ela saiu dizendo que ia dar uma volta pelo shopping e até o convidou, mas ele achou que aquele convite era de “agá” e, fingindo displicência, recusou. Seguiu-a, e ela foi mesmo ao shopping. Noutro dia, dizendo que ia com um grupo de amigas distribuir comida para os pobres, saiu rapidamente e até aonde ele a seguiu (sentiu medo de entrar na favela), ao que tudo indicava, ela estava mesmo fazendo caridade. Numa noite, disse que ia para a missa e novamente o convidou; mas ele, que nunca foi de frequentar igrejas, recusou. Contudo, em observações, constatou que a mulher realmente entrou na igreja e de lá só saiu, quando terminou a missa.

No dia seguinte, disse que ia fazer visitas de caridade, num ritual que há meses praticava, depois que começou a se reunir com o tal grupo de amigas que se propunha a ajudar os pobres. Ediliando questionou ainda que se era para fazer caridade a pobres e descamisados, por que se embelezar tanto? Isto a deixou irritada e com cara de abismada pela desconfiança. Por fim, saiu ele atrás espionando. Entrou numa casa e demorou, num tempo que dava para o coitado do Ediliando perder o juízo. Após fumar três cigarros, não se aguentado mais, dirigiu-se à casa e bateu com a força de quem estava disposto a briga e até à morte, se preciso. A mulher saiu acompanhada de uma velhinha e demonstrou espanto ao ver o marido. Passou-lhe uma descompostura e falou-lhe uns desaforos, toda cheia de razão. Ediliando, envergonhado, pediu perdão pela desconfiança e beijou a mão da velhinha que o abençoou e lhe falou que se desse por feliz e agradecesse a Deus por ter tão generosa mulher. 

Ediliando, com o coração feliz, saiu arrependido de tanta maldade que lhe passou pela cachola, enquanto lá dentro, sua mulher, num calafrio, jogou-se na cama e o neto beijou a vovozinha agradecido por ter-lhe salvo a vida e poder continuar com aquele romance que era a sua razão de viver.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.
Fontes:
Laé de Souza. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Ecoarte, 2018.
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Humberto de Campos (Altruísmo)

("Diário" de uma senhora recentemente chegada da Europa)

"Domingo, 6. Regresso, enfim, à pátria querida, e aos braços do meu marido. Após dois anos de ausência, embarquei, ontem, às 5 horas da tarde, em Lisboa, aonde cheguei anteontem, de Paris. O navio vai repleto de passageiros, principalmente de emigrantes, embarcados em Vigo e no Porto. O mar apresenta-se bem, e a viagem está sendo feita sem novidade.

Segunda-feira, 7. - Tudo continua bem a bordo. Os passageiros de 1ª classe, na sua maior parte argentinos, bebem e jogam, no "bar". No tombadilho, alguns ingleses, que se dirigem ao Rio e a Buenos-Aires, fumando displicentemente. Algumas francesas que conduzem vestidos feitos para a sociedade carioca; e três ou quatro famílias brasileiras, que se conservam nos seus camarotes.

Terça-feira, 8. - A viagem continua excelente. Em palestra com o imediato, este me informou que vão a bordo, para o Rio, Santos, Montevidéu e Buenos-Aires, 1.275 passageiros. Uma verdadeira cidade flutuante, em que não há cinco pessoas que reciprocamente se conheçam!

Quarta-feira, 9. - O mar permanece calmo, e o céu prenuncia bom tempo. À mesa do almoço, notei que o comandante olhava insistentemente para mim, distinguindo-me entre as outras senhoras. Achei esquisita a insistência, e fiz-me de desentendida. À noite, não desci para o jantar.

Quinta-feira, 10. - O comandante continuou, hoje, à mesa, a olhar-me com desusado atrevimento, a ponto de esquecer-se do talher e do whisky. É um inglesão alto, robusto, de quarenta e poucos anos presumíveis, bigode louro, tez corada e fina, olhos azuis como o oceano. Um verdadeiro tipo de marujo britânico. Entretanto, a sua insistência irrita-me. Por quem me tomará ele?

Sexta-feira, 11. - Após o jantar, o comandante Wiliam desceu da casa de comando ao tombadilho, procurando conversar comigo, em inglês. Fiz todo o possível para impedir uma declaração indelicada, não o conseguindo. Não é que o homem está mesmo apaixonado?

Sábado, 12. - Esta situação começa a incomodar-me. O comandante passou o dia quase todo a perseguir-me, insistindo em declarar-me a sua paixão desordenada. Tenho a impressão de que o homem enlouqueceu. E eu, sozinha, sem um amigo, sem um conhecido que me defenda! Como é perigoso para uma senhora viajar só!...

Domingo, 13. - O comandante enlouqueceu, positivamente. Hoje, à tarde, aproveitando um momento em que ficamos sós no salão de música, apertou-me os pulsos com violência, dizendo-me que não lhe é possível resistir mais. Diz ele que, se eu me não entregar à sua paixão louca, ele meterá o navio a pique em pleno oceano, fazendo perecer todos que nele viajam, Dai-me forças, meu Deus! Dai-me coragem!

Segunda-feira, 14. - Que dia horrível, este! Como um louco, o cabelo e o bigode revoltos, os olhos inchados pela insônia e pelo desejo, o comandante declarou-me, trêmulo sob palavra de honra, que, se eu não for à meia-noite de hoje, ao seu camarote, meia hora depois ele fará explodir o navio, em uma catástrofe de que se não salvará ninguém. Que situação a minha! Tende piedade de mim, minha Nossa Senhora da Penha! Iluminai-me, minha Virgem Maria!

Terça-feira, 15. - Salvei da morte 1.275 passageiros! Não haverá outros navios correndo perigo no mar?"
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 15 *

 

Asas da Poesia * 100 *


Poema de
XÊNIA ANTUNES
Rio de Janeiro/RJ

Que tenhas meu corpo
(Quando as mulherezinhas crescem...)

Se amanheço
Me prometo sobriedade
Um trabalho bem feito no corpo
Um jeito tal nos cabelos
Algum sabor de morango
E pouca velocidade

Se entardeço
Esqueço do antigo enredo
Me sonho em tramas febris
Reformulo o perfeito jeito
Acrescento um tal sabor
E muito mais velocidade

Se anoiteço
Me ofereço toda com jeito
Pro jeito ser desarrumado
O amor bem feito no corpo
O coração rebatendo
Com muito mais velocidade

Se madrugo
Me acordo toda sem jeito
Feliz por um amor no meio
Enredada no gozo da alma
Um sorriso pra quem me vê
Por um instante mais calma.
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Soneto de
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

O Fantasma dos Sonetos

Permanecer viva em meu escrito...
Eis a esperança que ainda guardo,
E sendo isso o derradeiro Mito
Que me mantém acesa, com que ardo.

Um soneto mais, que insensatez!
Não posso parar, devo ir em frente.
Acabar é dar o sim ao pretendente
Que hospedado espera a sua vez.

Toda a minha vida entretecida,
Concentrada afinal em tipos pretos
A me fazer mais íntegra e assumida!

Já mal existo fora de um poema,
E sou mais e mais nestes tercetos,
Eu, fantasma vivo, que ainda teima...
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Poema de 
CLÁUDIO SCHUSTER
Pelotas/RS

Cena

cheguei ao bar
sentei ao balcão
e pedi uma dose de batom vermelho
puro
sem gelo

nacional ou estrangeiro?

dei de ombros
já havia bebido tantos vestidos pretos
naquela madrugada
por outros bares
que nem sentiria mais
o gosto de um bom batom vermelho

era o que eu achava
até perceber que a temperatura
subiu logo aos 40 graus
assim que o garçom colocou
o termômetro no copo

meus caninos cresceram
pela primeira vez
em séculos
e eu bebi aquela página
vermelha
num gole só
com todos me olhando
num inglês com rotação alterada
pelo tempo

de repente
tudo ficou em silêncio
e todos tiveram que ouvir
aqueles beijos
descendo
rubros
pelo meu pescoço
pelo meu peito

ninguém respirava
qualquer outra cor
e o batom
vermelho
desceu ainda mais
me lambendo
e sugando
por dentro
enquanto eu cravava os dentes
no copo
sem notar
que todos saíam
em câmera lenta
deixando seus vestidos de noiva
seus pijamas
e dentaduras
nos copos
sobre as mesas
trêmulas
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Quadra Popular

Quem disser que a vida acaba,
digo-lhe eu que nunca amou;
quem deixou ficar saudades
nunca a vida abandonou.
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Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto a Fernando Pessoa - In Memoriam 

Pra Fernando Pessoa este soneto,
em que pretendo ter a liberdade,
de ofertar-lhe com toda lealdade,
no que me empenho e então me comprometo,

os versos que nasceram da ansiedade,
como quem pinta um quadro em branco e preto,
finalizando o último quarteto
com o pincel da dor e da saudade...

´´Cartas de amor ridículas´´, talvez...
mas eu as escrevi sem o saber,
outrora quando tinha solidão...

Hoje as relembro e tenho a sensatez,
de havê-las enviado por prazer,
nos momentos de sonho e sensação…
= = = = = = = = =  

Poema de
ANA WILINSKI
Santo André/SP

A janela

Hoje a minha janela
Já não é mais aquela,
Minha fonte de contato
É o cheiro do mato.
O luar, refletido nos teus olhos azuis,
Foi substituído pelo verde das folhas de bananeira
Ao invés do brilho dos teus olhos,
Vejo folhas molhadas.
No lugar da tua voz,
Ouço o cair da chuva
Todo o embalo, neste momento,
São as folhas ao vento.
Folhas de mamona
E todo o carinho, o tato,
Vieram... do próprio vento.
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Soneto de 
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG

Soneto dos quarent'anos

Não me ficou da vida mágoa alguma
de que possa lembrar aos quarent'anos
senão esses cansados desenganos
que o mar que trouxe leva como espuma.

Foram-se os anos, mas que são os anos?
Chama que em sombra esfaz-se, apenas bruma.
As horas que eu vivi, de uma em uma,
deixaram sonhos e deixaram danos.

Muita morte passou n'alma ferida:
meu pai e meus irmãos, mortos amados.
Mas pela minha vida passou vida,

passou amor também, passou carinho.
E pelos dias claros ou magoados
não fui feliz e nem sofri sozinho.
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Poema de
CHRIS HERRMANN
Rio de Janeiro/RJ

Corrimão

Ouço passos
subindo degraus.
Aproximam-se.
Cerro os olhos
e tu vens sorrindo.
Fala comigo!
Tomo distância
e não entendo.
Continuas vindo.
Vejo apenas
um corrimão
de sons e cheiros
a entorpecerem
tuas mãos,
como taças de vinho
sobre a mesa,
à espera do pão.
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Trova Funerária Cigana

De tanta terra enfeitada,
a terra que menos brilha
é a porção que hoje cobre
os restos de minha filha!
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Soneto de 
EMILIANO PERNETA 
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR

Vencidos

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland?... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço...
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E glória à fome dos vermes concupiscentes!

Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!
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Poema de 
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

O Poeta

É aquele que ama um pouco mais,
E nunca ama por amar
E sonha um pouco mais, voa um pouco mais alto
E um pouco mais longe...
Chega onde poucos conseguem chegar

Entra nos labirintos da mente
Conhece o passado e presente
Deduz o futuro com tanta exatidão
Que parece viver um passo a frente

Nele existe um pouco mais de emoção
Um pouco mais de atenção
Um pouco mais de alegria
E um pouco mais de solidão

Um pouco mais de sinceridade
Coisa pouca dentro de muita gente
Um pouco mais da louca igualdade
Que o faz assim, tão diferente

Ele tem um pouco mais de quase tudo
Guardado dentro da mente
De tudo faz um poema, revela tudo que sente

Assim é o poeta
Ama sem ser amado; espera sem ser esperado
E muitas vezes, morre abandonado

Por vezes, só depois da morte
Tem seus poemas lembrados...
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Soneto de
RITA MOUTINHO
Rio de Janeiro/RJ

Soneto do superar e do optar

Passados muitos anos fundeada
nesse charco funesto, a solidão,
fui beijada por príncipe e elevada
do raso ao riso de uma afloração.

Vida nova e uma filha em mim gestada,
reedifiquei tão logo um coração
de uma cor rubra, mas aquarelada,
que convive com os tons pastéis da opção.

Pincelo de zarcão estas correntes
que me ata, mas não fere a liberdade,
grilhão/guarita da destemperança.

Para fechar comportas das torrentes
que te amedrontam a emotividade,
como eu, também te atrelas na aliança.
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Hino de 
Campo Grande/MS

I
Campo Grande que outrora um deserto,
Transformou-se em cidade primor,
É de joias escrínio aberto,
É uma gema de fino lavor!

II
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.

III
Quanta luz, quanto gozo sem par!
Nos legou nosso amado País!
Oh! que terra ditosa é meu lar!
Campo Grande é feliz, é feliz!

IV
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.

V
Mato Grosso do Sul, Campo Grande,
E Brasil, eis a tríade sagrada,
Em louvá-los minh'alma se expande
Morrerei pela Pátria adorada.

VI
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
= = = = = = = = =  

Poema de 
CONDORCET ARANHA
São Gonçalo/RJ

A ponta do telhado

Sentado no sofá, ao canto do escritório,
Vejo:
Olhando na janela, a ponta do telhado,
O céu escurecido e um poste iluminado.
Momentos são de angústia, tal qual rezas de velório,
Ideias que divagam, nas vagas da incerteza,
Enquanto, o coração, mergulha na tristeza.

Lembranças que se achegam, ferem e abomináveis,
Sem serem convidadas, invadem e se acomodam,
Persistem, noite à dentro, parecem intermináveis,
Com fatos já passados, que nada representam.
Recordações da infância, também da juventude,
Sangram-me, são punhais, me talham, a alma rasgam.

Sentado no sofá, ao canto do escritório,
Vejo:
A ponta do telhado, que abrupto termina,
O céu escurecido, convite a ver mais nada,
Um poste iluminado, às custas de energia,
A mesma que me falta, pra luz de um novo dia.
Assim, recordações, agora, valem nada,
Não posso ser mais jovem, tão pouco ser criança,
Serei, talvez, quem sabe, um dia, outra lembrança.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O gato e a raposa

Uma vez a raposa conversando
Com o gato, se esteve ali gabando
De ter artes e gírias bom recheio;
Enfim que delas tinha um saco cheio.

O gato lhe dizia: «Para tudo
Vós tendes cachimônia*: eu sou mui rudo:
Tendes um saco cheio; eu por desgraça
Nunca pude aprender mais que uma traça.

Nesta prática estavam divertidos;
E quando muitos cães foram sentidos,
Já os tinham no meio: em tal trabalho
O gato saltou logo em um carvalho,
E pôs-se lá de cima a ver a festa,
Que foi para a raposa bem funesta.
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* cachimônia = juízo
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Geraldo Pereira (A alma plena)

Este espaço de jornal em que exercito os meus pendores, às vezes literários, e no qual deixo aflorar os meus sentimentos, é muito mais que mágico. Espaço de meus encontros e de meus reencontros e espaço até de minhas reparações d’alma! Conheci, a partir daqui mesmo, diversas pessoas, leitoras todas das crônicas ensaiadas em momentos assim, do emergir das emoções, dos ganhos ou das perdas que a vida traz. E se encontrei a tantos, reencontrei a outros, velhos companheiros dos bancos de escola, dos tempos dos jesuítas e dos anos de faculdade, que me acompanham nesse mister delicioso de escrever e de ser lido. Com frequência, ouço alusões a um tema qualquer, fruto de minhas divagações do espírito ou resultante da prática nostálgica das minhas saudades. Chego a pensar que o cotidiano agrada a quem faz uma pausa na leitura das notícias do dia-a-dia e se identifica com o articulista, aprendiz sempre! Tanto faz o pretérito distante, como o presente rapidamente transformado em passado!

Certa vez, andando pela praia, nas brancas e finas areias de Pau Amarelo, tive a grata surpresa de ouvir de uma leitora o quanto lhe fizera bem um de meus artigos. A moça, sentada ao sol de verão, levantou-se e me disse de sua satisfação ao comungar das minhas ideias e talvez dos meus ideais. Precisava, como verbalizou, daquelas palavras solidárias, de uma certa reparação das falhas humanas, tão comuns, mas nem sempre compreendidas, do entendimento da fragilidade da criatura. Uma outra senhora, também, nas mesmas areias cálidas, me fez parar a caminhada e indagou: “Você escreve pra mim?”. É que as lembranças da infância e as recordações da juventude dos meus tempos coincidiam com as suas formas de reviver os anos. Sendo de meu grupo de idade, com certeza vivera episódios assemelhados ou andara por lugares parecidos, senão os mesmos de meus dias! Assim, parecia entrar no texto e participar da flexão das palavras e das frases, ajudando a formar períodos inteiros de vivências guardadas agora nos reservados recantos da memória!

Um dia desses, nas proximidades da av. Boa Viagem, ouço do carro ao lado ruidosa saudação de velho amigo – Rodolfo Coutinho –, colega do ginásio. A um só tempo falou dos assuntos de minhas últimas crônicas, dos filmes a que assistíamos juntos, burlando a vigilância descuidada nos cinemas da cidade. De Brigitte Bardot, musa encantada da juventude toda, uma antecipação da Vera Fisher de agora, forasteira e estrangeira, mas estímulo forte às fantasias daqueles tempos. Lembrou as brigas com outro colega de colégio, Marcionilo de prenome, de cujas contendas tomamos por castigo a expulsão materializada da antiga Congregação Mariana, que frequentávamos com olho grande na sinuca e nos outros jogos da sala, nada mais. E o sinal abriu, o encarnado sofreu a metamorfose do verde, impedindo o mais sublime dos atos, o de fiar conversa assim, rebuscando lembranças. Faltou muita coisa - É claro! -, das traquinagens todas, das inquietudes vocacionais primitivas, eclesiásticas por vezes, dos pecados repetidos aos ouvidos dos padres e muito mais! Um dia, recordaremos tudo isso!

Uma determinada crônica, dedicada a uma certa mãe dos meus distantes convívios, gerou uma atenciosa carta de outra senhora igualmente sofredora e da mesma forma desesperada. Dizia, em bom português, que sendo habitual leitora deste espaço, jamais imaginou tamanha sensibilidade. Não me conhecia, dizia e por isso, ideia não podia fazer! Assim, contou a sua desdita, os seus traumas e as suas frustrações. Li, com toda a atenção d’alma, reli muitas vezes e me fiz partícipe de suas dores. E se há noites em que rezo aos céus, na minha incredulidade do hoje, não dispenso essa inclusão em meus pedidos: a reflexão do espírito voltada para o leitor. Muito grato, então, aos leitores todos, aos que ligam e se expressam, aos que encontro no efêmero das ruas, aos que não me cumprimentam porque não podem e até aos que não gostam e dizem ou não dizem! Muito grato a Rodolfo Coutinho, a quem dedico a inspiração e a crônica!
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Geraldo José Marques Pereira nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.
Fontes:
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
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Carina Bratt (Lágrimas orvalhadas num rosto em busca do amor)


Beijei teu sorriso, mas ficou o gosto de adeus...doçura amarga.
(Aparecido Raimundo de Souza, de "Viagem imersiva")

Porta fechada
O vento bate e volta… Segredo guardado.

Esquecimento
Flores ofertadas murcham sem um olhar… Silêncio ingrato.

Corte súbito
Braço estendido, mão que empurra e se vai… Vento na face.

Cicatriz
Ajudei com fé, mas a memória falhou… só ficou a dor.

Lembranças
Sopro salgado vem, traz memórias da infância e ondas no olhar.

Peso invisível
O silêncio espesso enche o ar como fumaça… ninguém respira.

Entrelinhas
Palavras ausentes, o olhar diz mais que tudo… Silêncio obtuso. 

Vácuo
Eco sem resposta, paredes que não devolvem som que se perdeu.

Interrompido
A flor que não abriu, o vento levou antes do sol o tempo não cumprido.

Voz calada
Riso engasgado na infância que se apagou do nada… Mudez eterna.

Súbito vazio
Passo que faltou na dança da despedida… Eco sem resposta.

Quarto fantasma 
Som do próprio passo ecoando no agora… Ninguém responde.

Noite longa
A luz do abajur cai na xícara esquecida… Só eu e o tempo.

Dentro de mim
A multidão lá fora, mas aqui tudo é tristeza... sou só euzinha comigo.

Ao acaso
Esbarro no riso, num olhar que me entende… A amizade nasce.

Esquisito
Sentamos calados, mas o tempo se abriu em laço impossível.

Entre estranhos
A chuva nos juntou, guarda-chuva compartilhado… Dois corações se uniram num só bater. 

Promessa vazia
Disse que vinha, fiquei na porta esperando, chupando o dedo.

Desejo negado
O sorvete passou, a criança atrás do vidro – dedo na boca.

Ilusão sem nexo
No sonho embalado acordei sem presente, só o gosto amargo restou.

Olhar contido
Cruzei teu olhar, mas o mundo nos separou... ficou o vazio.

Barreira
Entre nós, a muralha feita de tempo e destino… o amor não passou. 

Ainda agora não acredito
Se fosse possível, o céu caberia em nós, mas ficou só o chão.

Pulso firme
O coração chora, mesmo após tantas quedas... estou viva, sim...

Voz própria
O silêncio rompe minha voz e enfim se ergue... Sou a vida que fala.

Tempo sábio
A cicatriz se fecha, não por pressa, mas por fé… Curo o desconhecido.

Exposta
Sangra sem parar, o tempo passa ao redor… Ferida aberta.

Invisível
Não se vê no corpo, mas arde em cada gesto, a dor que não cicatrizou.

Ainda dói
Toquei sem querer e o passado respondeu… Ferida incurável.

Travessia plena
Sobre a ponte vou, entre o que fui e o que serei... O vento me empurra.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
CARINA BRATT nasceu em Curitiba/PR. Secretária particular e assessora de imprensa em Vila Velha/ES. Escreve crônicas em uma coluna denominada "Danações de Carina" para um site de Portugal.
Fontes:
Texto enviado pela autora,
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 14 *

 

Asas da Poesia * 99 *


Quintilha de 
CAILIN DRAGOMIR
Timișoara, Romênia

Ter Fé

No peito, a chama acesa,  
um caminho a seguir,  
mesmo nas noites escuras,  
ter fé é acreditar sempre  
que a luz vai ressurgir.
= = = = = = = = =  

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/ RJ

E eu nem pude visitá-lo
(Para Artur da Távola)

Meu amigo morreu e eu nem pude visitá-lo...
Estava ocupado em viver para o trabalho;
A morte é cruel e nem procura algum atalho...
Constato que estou vivo e ele se foi... eu... só... me calo.

Meu amigo morreu e eu nem pude...... confortá-lo...
Estava absorto em fantasias de poeta;
Agora a minha vida se tornou mais incompleta...
Meu amigo se foi e nem sequer pude abraçá-lo...

A vida entretanto é resistente,  a experiência
Mais uma vez mostrou, irretocável,  que a ciência
Jamais há de matar ou destruir um sentimento...

Maior que essa dor cruel da própria consciência
É essa letargia arbitrária, cuja essência
Repousa na mudez da solidão de um pensamento.
= = = = = = = = =  

Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Lacrimosa
"No meu leito, durante a noite, busquei
aquele que meu coração ama."
(Ct. 3,1)

A tu'alma é triste
Qual funéreo sino,
Que traça o destino,
Soluçando a sorte;
Ao cair da tarde,
Terríveis anseios
Oprimem teus seios
Com odor de morte.

A tu'alma é triste
Como a mãe ferida,
Que já vê perdida
Sua filha amada;
Ao cair da tarde,
Transpassada em dores,
Carente de amores,
Padece calada.

A tu'alma é triste
Tal como o violino,
Que gagueja um hino
Com falhada voz;
Ao cair da tarde,
Só restam escolhos,
Que teus tristes olhos
Avistam a sós.

A tu'alma é triste
Tal como o condor,
Que o vil caçador
Expulsou do ninho;
Ao cair da tarde,
A tu'alma cora,
Consternada chora
Por um só carinho.

A tu'alma é triste
Como o bandolim,
Que chorou por mim
Triste despedida;
Ao cair da tarde,
São os teus cabelos
Do triste salgueiro
Ramagem caída.

A tu'alma é triste
Como o som da gaita,
E com balalaica
Acentuou seu choro;
Ao cair da tarde,
Faça uma oração,
Que os anjos irão
Abençoar-te em coro.
= = = = = = = = =  

Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKY
Brusque/SC

Vendaval 

Olho para o céu, 
percebo as nuvens negras. 
O medo começa a tomar conta de mim. 
Já sinto o vento... 

Não é como uma brisa, 
mas estou cercada 
de outras árvores-irmãs. 
Agora 
o vento forte nos balança, 
nossas folhas são levadas para longe. 
No desespero grito. 
- Não me abandonem!! 
Vamos ficar juntas!! 

Não me ouvem, 
e cada uma segue seu caminho. 
Sinto o balançar intenso 
passando por entre os galhos, 
quebrando-os, 
partindo em pedaços... 

Assim está meu coração. 
Ah! Vou resistir! 
Tenho tronco e raízes profundas... 

Ao longe 
estão as outras árvores-irmãs, 
algumas no chão, 
outras ainda em pé, mas longe de mim. 

O vento impiedoso 
começa a arrancar minhas raízes, 
soltando da terra, 
já não quero mais resistir! 
Deixo-me levar para longe, 
sem destino…
= = = = = = = = =  

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Meu amor
eternamente
envelopado
acho
que o carteiro
esqueceu
de entregar.
= = = = = =

Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

A Menina e o Elefante

Uma menina travessa, no campo a brincar,
encontrou um elefante, que estava a chorar.
“Por que estás tão triste, amigo elefante?”
“O homem me caça, e o futuro é horripilante.”
A menina, firme, decidiu ajudar,
com coragem no coração, não ia hesitar.

Juntos partiram, para lá longe, na cidade,
a menina gritou: “Vamos parar essa insanidade!”
Com astúcia e bravura, alertaram a nação,
e os caçadores mudaram, por sua ação.
O elefante agradeceu, com um toque gentil,
e a menina sorriu, seu coração era sutil.

A coragem em defesa dos fracos não é em vão,
uma voz pode mudar o mundo, trazendo compaixão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Quadra Popular

Rouxinol canta de noite,
de manhã a cotovia;
todos cantam, só eu choro
toda a noite e todo o dia!
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Bálsamo

Pelas insípidas tardes vagueio
Acinzentado, o jardim m'entristece
Dos rouxinóis não mais ouço o gorjeio
Nada mais brilha... Minh' alma fenece

De fel e dor, asseguro, estou cheio
Um brado ecoa, plangente, qual prece
O sentimento sufoca, alardeio:
"Ah, se teus beijos de novo tivesse..."

Envolto em manto espinhoso reclamo
Aqueles sons, vesperal sinfonia
Aquelas cores prazentes, vivazes

Oh, meu amor, quanta falta me fazes!
Só tu dissipas ess' acre agonia
Contigo é certo que o peito balsamo
= = = = = = 


Poema de
GONÇALVES DIAS
Caxias/MA, 1823 – 1864, Guimarães/MA

Doce amor

Doce Amor — a sorrir-se brandamente
Em sonhos me falou com tal brandura,
Que eu só de o escutar vida mais pura
Senti coar-me n'alma fundamente.

Depois tornou-se o tredo fogo ardente
Que o instante, o ano, a vida me tortura.
Bem longe de gozar tanta ventura,
Cresta-me o rosto agora o pranto quente.

Homem, se homem és no sentimento,
Não zombes, não, de mim tão desditosa,
Nem seja o teu alívio o meu tormento.

Deixa-me a teus pés cair chorosa,
Soltar no extremo pranto o extremo alento,
Que eu morrendo a teus pés serei ditosa.
= = = = = =

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Estro perdido

Quem encontrar algum estro perdido,
me conte por favor, que irei buscá-lo;
pois deve ser o meu, que anda sumido,
feito coisa que foge pelo ralo.

Ele é fácil de ser reconhecido;
só basta vê-lo e ouvi-lo e num estalo,
os trejeitos e a voz desse bandido
vão logo denunciar de quem eu falo:

A sua timidez é inconfundível,
o seu cantar é bem desafinado
e seus poemas têm cadência horrível...

Mas assim mesmo prende o meu amor,
como um milagre a ser inda explicado...
E sem meu estro, eu morro em meio à dor!
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Dorme, dorme, meu bom pai,
descansa onde a estrela brilha,
que ao trono de Deus irão
as preces de tua filha.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Reencontro

Suspiros ao vento
traduzem a calma
do achado perfeito.

Gaivotas assistem um lindo deleito,
o sol deslizando devagarinho pelos
braços do horizonte, sensível afeito.
No abraço matutino engrandece, as
andorinhas tímidas, saúdam o feito.
= = = = = =

Poema de 
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Angústia
 
Não sei de onde vem tanta tristeza
Que sem motivo aperta o coração.
Será lembrança de lágrimas escondidas
Desta inútil talvez fútil razão.
 
Será o tempo que passou perdido
Esperando um amor que não voltou.
Quem sabe, a procura envelhecida,
Não deu vazão para encontrar alguém.
 
De onde virá então tanta ansiedade,
Se o coração a tempo está em repouso?
Querendo doar somente ao semelhante
Amor fraterno, refletindo paz.
Inquieto agora insurge e quer gritar?
 
Encontrar a resposta certa
Para a alma tão dilacerada.
Será culpada a nuvem que desaba
Suas gotas pesadas de repente...
Até voltar um raio de sol que beija
A solidão que gorjeia
Como pássaro fechado na gaiola.
= = = = = = 

Hino de 
Crato/CE

Flor da terra do sol
Ó berço esplêndido
Dos guerreiros da "Tribo Cariri"
Sou teu filho e ao teu calor
Cresci, amei, sonhei, vivi

Ao sopé da serra, entre canaviais
Quem já te viu, ó não te esquece mais!

Para te exaltar, ó flor do Brasil
Hei de te cantar, meu Crato gentil
Ó coração do Ceará
Comigo a nação te cantará!

No teu céu lindo brilha estrela fúlgida
Que há cem anos norteia o teu porvir
Crato amado, idolatrado
Teu destino hás de seguir

Grande e forte como nosso verde mar
Bendita sejas, ó terra de Alencar!
= = = = = =