Nota de Luís da Câmara Cascudo:
Fragmento de um romance popular pernambucano explicando a briga entre cães, gatos e ratos. Está incompleto. A alforria do cachorro, confiada ao gato, foi inutilizada pelos dentes do rato. Quando o cachorro procurou o seu diploma e o gato foi buscá-lo encontrou-o em pedaços ínfimos. Daí a inimizade eterna. É uma estória popular, Contos tradicionais do Brasil, 349, Porque cachorro é inimigo de gato e gato de rato, Rio de Janeiro, 1946. João Ribeiro estudou o motivo, O folclore, XLIV, 313, Rio de Janeiro, 1919. Mt-200 de Aarne-Thompson, The dog’s certificate. Não intervindo os ratos, é assunto de uma fábula de La Fontaine, La Querelle des Chiens et des Chats.
=====================
No tempo em que o rei francês
Regia os seus naturais,
Houve uma guerra civil
Entre os brutos e animais.
Neste tempo era o cachorro
Cativo por natureza;
Vivia sem liberdade
Na sua infeliz baixeza.
Chamava-se o dito senhor
Dom Fernando de Turquia;
E foi o tal cão passando
De vileza a fidalguia.
E daí a poucos anos
Cresceu tanto em pundonor,
Que os cães o chamaram logo
De Castela Imperador.
Veio o herdeiro do tal
Dom Fernando de Turquia,
Veio a certos negócios
Na cidade da Bahia.
Chegou dentro da cidade,
Foi à casa de um tal gato;
E este o recebeu
Com muito grande aparato.
Fez entrega de uma carta,
E ele a recebeu;
Recolheu-se ao escritório,
Abriu a carta e leu.
E então dizia a carta:
"Ilustríssimo Senhor
Maurício - Violento – Sodré -
Ligeiro - Gonçalves - Cunha -
Sutil - Maior - Ponte-Pé.
Dou-lhe, amigo, agora a parte
De que me acho aumentado,
Que estou de governador
Nesta cidade aclamado.
Remeto-lhe esta patente
De governador lavrada;
Pela minha própria letra
Foi a dita confirmada."
Ora o gato, na verdade,
Como bom procurador,
Na gaveta do telhado
Pegou na carta e guardou.
O rato como malvado,
Assim que escureceu,
Foi à gaveta do gato,
Abriu a carta e leu.
Vendo que era a alforria
Do cachorro, por judeu,
Por ser de má consciência,
Pegou na carta e roeu.
Roeu-a de ponta à ponta,
E pô-la em mil pedacinhos,
E depois as suas tiras
Repartiu-as pelos ninhos.
O gato, por ocupado
Lá na sua Relação,
Não se lembrava da carta
Pela grande ocupação.
E depois se foi lembrando,
Foi caçá-la e não achou,
E por ser maravilhoso
Disto muito se importou.
Fontes:
ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro; cantos e contos populares do Brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/
Foto: http://www.zaroio.com.br/
Fragmento de um romance popular pernambucano explicando a briga entre cães, gatos e ratos. Está incompleto. A alforria do cachorro, confiada ao gato, foi inutilizada pelos dentes do rato. Quando o cachorro procurou o seu diploma e o gato foi buscá-lo encontrou-o em pedaços ínfimos. Daí a inimizade eterna. É uma estória popular, Contos tradicionais do Brasil, 349, Porque cachorro é inimigo de gato e gato de rato, Rio de Janeiro, 1946. João Ribeiro estudou o motivo, O folclore, XLIV, 313, Rio de Janeiro, 1919. Mt-200 de Aarne-Thompson, The dog’s certificate. Não intervindo os ratos, é assunto de uma fábula de La Fontaine, La Querelle des Chiens et des Chats.
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No tempo em que o rei francês
Regia os seus naturais,
Houve uma guerra civil
Entre os brutos e animais.
Neste tempo era o cachorro
Cativo por natureza;
Vivia sem liberdade
Na sua infeliz baixeza.
Chamava-se o dito senhor
Dom Fernando de Turquia;
E foi o tal cão passando
De vileza a fidalguia.
E daí a poucos anos
Cresceu tanto em pundonor,
Que os cães o chamaram logo
De Castela Imperador.
Veio o herdeiro do tal
Dom Fernando de Turquia,
Veio a certos negócios
Na cidade da Bahia.
Chegou dentro da cidade,
Foi à casa de um tal gato;
E este o recebeu
Com muito grande aparato.
Fez entrega de uma carta,
E ele a recebeu;
Recolheu-se ao escritório,
Abriu a carta e leu.
E então dizia a carta:
"Ilustríssimo Senhor
Maurício - Violento – Sodré -
Ligeiro - Gonçalves - Cunha -
Sutil - Maior - Ponte-Pé.
Dou-lhe, amigo, agora a parte
De que me acho aumentado,
Que estou de governador
Nesta cidade aclamado.
Remeto-lhe esta patente
De governador lavrada;
Pela minha própria letra
Foi a dita confirmada."
Ora o gato, na verdade,
Como bom procurador,
Na gaveta do telhado
Pegou na carta e guardou.
O rato como malvado,
Assim que escureceu,
Foi à gaveta do gato,
Abriu a carta e leu.
Vendo que era a alforria
Do cachorro, por judeu,
Por ser de má consciência,
Pegou na carta e roeu.
Roeu-a de ponta à ponta,
E pô-la em mil pedacinhos,
E depois as suas tiras
Repartiu-as pelos ninhos.
O gato, por ocupado
Lá na sua Relação,
Não se lembrava da carta
Pela grande ocupação.
E depois se foi lembrando,
Foi caçá-la e não achou,
E por ser maravilhoso
Disto muito se importou.
Fontes:
ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro; cantos e contos populares do Brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/
Foto: http://www.zaroio.com.br/
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