A arte é uma das muitas formas de expressões humanas, expressões sobre as impressões dos sentimentos produzidos através do amor, da filosofia, da guerra ou, unindo tudo isso, de um tempo.
O tempo, para um historiador, além de ser a matéria prima do seu trabalho, é uma palavra bastante complexa no sentido de definição. Mas como forma de consenso entre os historiadores, o tempo se tornou condição sine quo non para analisar o homem em seu espaço, outra palavra bastante desconcertante, pois no mundo das ciências humanas o espaço e o tempo são quase tão complexos quanto à teoria da Relatividade de Einstein.
O texto não poderia está mais prolixo!
Tudo isso para situar o sujeito em questão – a literatura Fantástica do século XIX. A pergunta que não quer calar é: por que não – A Fantástica Literatura do século XIX? A resposta está no “simples” ato de contextualizar a palavra - Fantástico no seu tempo e no seu espaço. O “Fantástico”, nesse caso específico, não se trata de um adjetivo, mas de uma tendência literária também conhecida como Literatura Gótica.
Um rápido esclarecimento. A Literatura Gótica foi um movimento literário que surgiu no século XIX num contexto inglês conhecido como época Vitoriana. Esse movimento literário surge como uma forma de oposição à literatura produzida no período Iluminista, onde o racionalismo e o cientificismo lutavam contra o sentimentalismo das trevas medievais.
Caros leitores, as trevas medievais foram quase que um “dogma” forjado pelas “luzes” iluministas, que a favor da razão, promessa de salvação da humanidade, condenaram literalmente a idade média e toda a tragédia grega à escuridão. Enquanto na idade das trevas se punia com a fogueira, na idade das luzes se condenava a escuridão. Os autores da Literatura Fantástica ou Gótica ambientavam suas histórias em lugares que inspiravam uma mente assustada como florestas escuras, cemitérios, castelos, igrejas e ruínas em geral. Os escritores góticos também eram chamados de poetas de cemitérios. Na verdade o gótico é uma tendência romântica de expressar as inquietudes da natureza humana com relação ao seu tempo e seu espaço. É como se o homem, insatisfeito com o seu momento na história, expressasse através da arte os seus medos e os solucionassem através do “fantástico”. O século XIX foi um período de grandes promessas. A proposta da ciência de auxílio à modernidade e garantia dos espaços do indivíduo na sociedade, se mostrava como uma grande balela na história. Na Inglaterra Vitoriana a Revolução Industrial trouxe consigo uma série de problemas sociais, dentre os quais uma superpopulação que trabalhava em regime semi-escravo nas fábricas, onde velhos e crianças se transformavam em restos humanos. Depois do trabalho essas pessoas tinham a opção de se amontoarem nas vilas operárias, onde a marginalidade, a prostituição e a sífilis co-habitavam harmoniosamente.
Bram Stoker soluciona os problemas sociais da época vitoriana criando um monstro – o conde Drácula, que se alimenta do sangue humano e se dirige para a Inglaterra onde existe uma superpopulação, pronta para ser devorada. O vampiro, na verdade, será uma espécie de peste necessária, um Jack, o Estripador.
A ciência no século XIX, quanto à questão da medicina e da física, “progride” a olhos vistos. A sangria do período das trevas já é considerada uma “heresia”. O corpo humano deixa de ser a última fronteira para exploração científica, onde a culpa cristã não encontra moradia. Para as doenças são descobertas as curas e a longevidade humana deixa de ser desejo para se tornar um fato, o homem brinca de ser Deus. Eis que então Mary Shelley vem com seu monstro Frankenstein, pedaços humanos que tem vida através de uma mão humana que desafia o criador. Dr Victor Frankenstein é punido com o seu próprio crime. O desejo de se tornar o próprio Deus criador, se rebelando contra o mesmo, ao criar sua própria criatura, faz com que a sua condição de “filho rebelde” seja punido com a perda da família, do amor e, por fim, da sanidade, ou seja, a sociedade cristã torna-se inacessível ao humano que sofre da síndrome de Adão e Eva e desafia Deus – a criatura que se volta contra seu criador. Na França do século XIX a fonte de inspiração para os escritores, pintores, músicos e todas as formas de expressão artística vão convergir para o baixo meretrício onde a proliferação da sífilis e da tuberculose forjaram uma única saída de felicidade para a literatura - o monstro morte.
O racionalismo e o cientificismo não solucionam os conflitos da alma nem os da mente. As inquietudes humanas são analisadas pelos românticos não apenas na realidade vivida, mas num universo paralelo produzido pela mente, onde o “fantástico” habita no inconsciente humano e utiliza-se do simbólico para se contrapor ao racional. Charles Baudelaire (fonte de inspiração para os poetas malditos) será o totem dos escritores simbolistas onde a mistura dos sentidos e das percepções do mundo (Sinestesia), por uma mente em conflito, geram a beleza das Flores do Mal.
No Brasil Augusto dos Anjos será um dos principais expoentes dos artistas dos cemitérios, afetados pelas DSTs, pela tuberculose e pela falta de perspectiva que as luzes prometeram, mas não cumpriram, ou seja, “...a mesma mão que afagas é a mesma que te apedrejas”,foram a fonte de inspiração para a tendência do mal do século que, também elegeram o monstro morte como solução.
E hoje qual o monstro criaríamos para solucionar os problemas da nossa sociedade? O que seria supostamente “fantástico” que nos fizesse combater a fome, a miséria, a falta de emprego e de perspectiva para o futuro, mesmo que seja na ficção?
A literatura contemporânea utiliza o “fantástico” para criticar. O caso de Gabriel Garcia Marquez com os seus Cem anos de Solidão,vem nos mostrar que todo caudilhismo, mesmo sendo “fantástico”, tende a sucumbir nele mesmo. Será que vai ser o caso do nosso presidente? Observação infeliz!
O grande expoente da literatura contemporânea Latino Americana – Juan Rulfo – com o seu Pedro Páramo, traz um manifesto de luta de classe, através de um diálogo entre os mortos embaixo da terra. Entretanto os tais zumbis não solucionam os problemas sociais dos países sul americanos.
A verdade é que nem na fantasia a nossa sociedade moderna ou pós-moderna cosmopolita encontra a salvação. Entretanto, apesar da riqueza e da sedução que a literatura nos fornece, talvez a fórmula não esteja na solução oferecida pela mesma, mas na análise dos medos que levaram a sua concepção. Os problemas sociais não foram resolvidos pelo “fantástico”, entretanto são os mesmos problemas que a humanidade sofre que reincidem em outros tempos, em nosso tempo, em vários espaços, em nosso espaço e, talvez o “fantástico” esteja no simples fato de que podemos até sucumbir diante de nossos medos, mas a história continua!
Fonte:
http://www.duplipensar.net/artigos/2005-Q2/literatura-fantastica-seculo-xix.html
Imagem: http://farm3.static.flickr.com/O tempo, para um historiador, além de ser a matéria prima do seu trabalho, é uma palavra bastante complexa no sentido de definição. Mas como forma de consenso entre os historiadores, o tempo se tornou condição sine quo non para analisar o homem em seu espaço, outra palavra bastante desconcertante, pois no mundo das ciências humanas o espaço e o tempo são quase tão complexos quanto à teoria da Relatividade de Einstein.
O texto não poderia está mais prolixo!
Tudo isso para situar o sujeito em questão – a literatura Fantástica do século XIX. A pergunta que não quer calar é: por que não – A Fantástica Literatura do século XIX? A resposta está no “simples” ato de contextualizar a palavra - Fantástico no seu tempo e no seu espaço. O “Fantástico”, nesse caso específico, não se trata de um adjetivo, mas de uma tendência literária também conhecida como Literatura Gótica.
Um rápido esclarecimento. A Literatura Gótica foi um movimento literário que surgiu no século XIX num contexto inglês conhecido como época Vitoriana. Esse movimento literário surge como uma forma de oposição à literatura produzida no período Iluminista, onde o racionalismo e o cientificismo lutavam contra o sentimentalismo das trevas medievais.
Caros leitores, as trevas medievais foram quase que um “dogma” forjado pelas “luzes” iluministas, que a favor da razão, promessa de salvação da humanidade, condenaram literalmente a idade média e toda a tragédia grega à escuridão. Enquanto na idade das trevas se punia com a fogueira, na idade das luzes se condenava a escuridão. Os autores da Literatura Fantástica ou Gótica ambientavam suas histórias em lugares que inspiravam uma mente assustada como florestas escuras, cemitérios, castelos, igrejas e ruínas em geral. Os escritores góticos também eram chamados de poetas de cemitérios. Na verdade o gótico é uma tendência romântica de expressar as inquietudes da natureza humana com relação ao seu tempo e seu espaço. É como se o homem, insatisfeito com o seu momento na história, expressasse através da arte os seus medos e os solucionassem através do “fantástico”. O século XIX foi um período de grandes promessas. A proposta da ciência de auxílio à modernidade e garantia dos espaços do indivíduo na sociedade, se mostrava como uma grande balela na história. Na Inglaterra Vitoriana a Revolução Industrial trouxe consigo uma série de problemas sociais, dentre os quais uma superpopulação que trabalhava em regime semi-escravo nas fábricas, onde velhos e crianças se transformavam em restos humanos. Depois do trabalho essas pessoas tinham a opção de se amontoarem nas vilas operárias, onde a marginalidade, a prostituição e a sífilis co-habitavam harmoniosamente.
Bram Stoker soluciona os problemas sociais da época vitoriana criando um monstro – o conde Drácula, que se alimenta do sangue humano e se dirige para a Inglaterra onde existe uma superpopulação, pronta para ser devorada. O vampiro, na verdade, será uma espécie de peste necessária, um Jack, o Estripador.
A ciência no século XIX, quanto à questão da medicina e da física, “progride” a olhos vistos. A sangria do período das trevas já é considerada uma “heresia”. O corpo humano deixa de ser a última fronteira para exploração científica, onde a culpa cristã não encontra moradia. Para as doenças são descobertas as curas e a longevidade humana deixa de ser desejo para se tornar um fato, o homem brinca de ser Deus. Eis que então Mary Shelley vem com seu monstro Frankenstein, pedaços humanos que tem vida através de uma mão humana que desafia o criador. Dr Victor Frankenstein é punido com o seu próprio crime. O desejo de se tornar o próprio Deus criador, se rebelando contra o mesmo, ao criar sua própria criatura, faz com que a sua condição de “filho rebelde” seja punido com a perda da família, do amor e, por fim, da sanidade, ou seja, a sociedade cristã torna-se inacessível ao humano que sofre da síndrome de Adão e Eva e desafia Deus – a criatura que se volta contra seu criador. Na França do século XIX a fonte de inspiração para os escritores, pintores, músicos e todas as formas de expressão artística vão convergir para o baixo meretrício onde a proliferação da sífilis e da tuberculose forjaram uma única saída de felicidade para a literatura - o monstro morte.
O racionalismo e o cientificismo não solucionam os conflitos da alma nem os da mente. As inquietudes humanas são analisadas pelos românticos não apenas na realidade vivida, mas num universo paralelo produzido pela mente, onde o “fantástico” habita no inconsciente humano e utiliza-se do simbólico para se contrapor ao racional. Charles Baudelaire (fonte de inspiração para os poetas malditos) será o totem dos escritores simbolistas onde a mistura dos sentidos e das percepções do mundo (Sinestesia), por uma mente em conflito, geram a beleza das Flores do Mal.
No Brasil Augusto dos Anjos será um dos principais expoentes dos artistas dos cemitérios, afetados pelas DSTs, pela tuberculose e pela falta de perspectiva que as luzes prometeram, mas não cumpriram, ou seja, “...a mesma mão que afagas é a mesma que te apedrejas”,foram a fonte de inspiração para a tendência do mal do século que, também elegeram o monstro morte como solução.
E hoje qual o monstro criaríamos para solucionar os problemas da nossa sociedade? O que seria supostamente “fantástico” que nos fizesse combater a fome, a miséria, a falta de emprego e de perspectiva para o futuro, mesmo que seja na ficção?
A literatura contemporânea utiliza o “fantástico” para criticar. O caso de Gabriel Garcia Marquez com os seus Cem anos de Solidão,vem nos mostrar que todo caudilhismo, mesmo sendo “fantástico”, tende a sucumbir nele mesmo. Será que vai ser o caso do nosso presidente? Observação infeliz!
O grande expoente da literatura contemporânea Latino Americana – Juan Rulfo – com o seu Pedro Páramo, traz um manifesto de luta de classe, através de um diálogo entre os mortos embaixo da terra. Entretanto os tais zumbis não solucionam os problemas sociais dos países sul americanos.
A verdade é que nem na fantasia a nossa sociedade moderna ou pós-moderna cosmopolita encontra a salvação. Entretanto, apesar da riqueza e da sedução que a literatura nos fornece, talvez a fórmula não esteja na solução oferecida pela mesma, mas na análise dos medos que levaram a sua concepção. Os problemas sociais não foram resolvidos pelo “fantástico”, entretanto são os mesmos problemas que a humanidade sofre que reincidem em outros tempos, em nosso tempo, em vários espaços, em nosso espaço e, talvez o “fantástico” esteja no simples fato de que podemos até sucumbir diante de nossos medos, mas a história continua!
Fonte:
http://www.duplipensar.net/artigos/2005-Q2/literatura-fantastica-seculo-xix.html
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