Direção do Filme: Ridley Scott (1986)
Baseado do livro de Phillip K. Dick, em 1968, com o nome de Do Androids Dream of Eletric Sheep?
Eixo Temático
O desenvolvimento da sociedade do capital é o desenvolvimento ampliado de suas contradições sociais, seja no campo da técnica e da tecnologia, seja no da sociabilidade e subjetivadades humanas e também do ecossistema urbano-social. O estranhamento atinge o trabalho e a reprodução social, o que significa que desefetiva a memória e a identidade do homem, dilacerando seus referentes de espaço-tempo, comprimindo-os e imprimindo neles sua marca indelével. A manipulação de homens e coisas assumem dimensões cruciais. A sociedade burguesa hipertardia tende a se tornar uma imensa coleção de múltiplos objetos-mercadorias complexas criadas pelas novas tecnologias de engenharia genética. No limite, a produção de mercadorias atinge a produção de supostas inteligências artificiais e de objetos-andróides no limiar da hominidade. Na verdade, na medida em que não se abole o sistema do capital, ele tende a instituir formas sociais estranhadas mais desenvolvidas, abrindo um campo de hominização dessumanizada (o que é a própria bárbarie social).
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Temas-chaves: técnica e tecnologia, capital e processo civilizatório, ecossistema social e contradições do capital, identidade e memória social, trabalho estranhado e tempo de vida.
Filmes relacionados: “Matrix”, dos Irmãos Wachowski; “Metropólis”, de Fritz Lang; “2001-Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick; “IA - Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg; “Eu, Robô”, de Alex Proyas; “Gattaca- A Experiência Genética”, de Andrew Niccol.
Análise do Filme
Blade Runner, de Ridley Scott (1986), é um dos filmes cult da década de 1980, mesclando policial noir e ficção-científica na Los Angeles de 2019. Logo na tela abertura, uma apresentação do problema do filme: “No inicio do século XXI a Tyrel Corporation criou os robôs da série Nexus virtualmente idênticos aos seres humanos. Eram chamados de replicantes. Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e no mínimo tão inteligentes quanto os Engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram usados fora da Terra como escravos em tarefas perigosas da colonização planetária. Após motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os blade runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.”
A seguir, aparece a data (e local) da trama de Blade Runner – Los Angeles, novembro de 2019. Pelo visto, o filme possui uma estrutura narrativa simples. Rick Deckard (interpretado por Harrison Ford), é caçador de replicantes, ou blade runner, destacado para “aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiram do seu local de trabalho. Sob o comando do replicante Roy Batty (interpretado por Rudger Hauer), os Nexus 6 buscam prolongar seu tempo de vida. Apesar de serem tão ágeis, fortes e inteligentes quanto qualquer ser humano, os replicantes têm apenas quatro anos de vida.
Ao lado desta trama principal, podemos destacar uma trama secundária: o envolvimento afetivo de Deckard com Rachael (interpretada por Sean Young), replicante, secretária de Tyrel, dono da poderosa corporação industrial produtora dos Nexus 6 (Tyrel diz: “Nossa meta é o comércio. Nosso lema é ‘mais humanos que os humanos’”).
Blade Runner é um filme de caçada humana, onde, de certo modo, todos buscam algo: Deckard busca encontrar os replicantes; mas percebemos também que ele busca a si próprio. E persegue o amor de Rachael, que está imersa na busca de sua identidade inexistente. E os replicantes Nexus 6 buscam desesperadamente ter mais tempo de vida. Enfim, Blade Runner é uma pequena odisséia de homens e mulheres, humanos e pós-humanos, em busca da sua identidade perdida.
É um filme de ação intensa que contém uma profunda reflexão filosófica sobre o problema da identidade do homem, debilitada pelo descentramento do sujeito humano diante da vigência das tecnoestruturas burocrático-corporativas do mundo do capital. É o caso de Deckard, individuo perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e corporativos a “aposentar” os replicantes (apesar de ter-se aposentado, no sentido usual do termo, Deckard é convocado a utilizar sua habilidade de investigador policial, ou melhor de blade runner, para caçar os Nexus 6). Sua vida pregressa é obscura, escondendo talvez algo incriminador, pois percebe-se que o convencimento de Deckard é um jogo de chantagem feito pelo chefe de polícia de LA. Como diz ele: “Conheço o jogo meu chapa. Se não topar, está acabado.”)
Enfim, o cenário distópico de Los Angeles em 2019 é opressivo, onde a individualidade humana é tão-somente uma sombra molhada pela constante chuva negra, decorrente de um ecossistema devastado. Como construção histórica, a identidade do homem como sujeito da modernidade prometeica, encontra-se irremediavelmente obliterada. A distopia noir de Blade Runner tende a negar, em si, qualquer identidade do homem consigo mesmo. O sistema do capital, com suas derivações destrutivas no plano do ecossistema, coloca no centro do cosmo, o fetiche das coisas, isto é, as tecnoestruturas urbano-corporativas com seus aparatos policiais e de manipulação midiática, como, por exemplo, o out-door móvel que preenche a paisagem superior da cidade e insiste em anunciar as maravilhas de paraíso distante.
Filmes relacionados: “Matrix”, dos Irmãos Wachowski; “Metropólis”, de Fritz Lang; “2001-Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick; “IA - Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg; “Eu, Robô”, de Alex Proyas; “Gattaca- A Experiência Genética”, de Andrew Niccol.
Análise do Filme
Blade Runner, de Ridley Scott (1986), é um dos filmes cult da década de 1980, mesclando policial noir e ficção-científica na Los Angeles de 2019. Logo na tela abertura, uma apresentação do problema do filme: “No inicio do século XXI a Tyrel Corporation criou os robôs da série Nexus virtualmente idênticos aos seres humanos. Eram chamados de replicantes. Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e no mínimo tão inteligentes quanto os Engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram usados fora da Terra como escravos em tarefas perigosas da colonização planetária. Após motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os blade runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.”
A seguir, aparece a data (e local) da trama de Blade Runner – Los Angeles, novembro de 2019. Pelo visto, o filme possui uma estrutura narrativa simples. Rick Deckard (interpretado por Harrison Ford), é caçador de replicantes, ou blade runner, destacado para “aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiram do seu local de trabalho. Sob o comando do replicante Roy Batty (interpretado por Rudger Hauer), os Nexus 6 buscam prolongar seu tempo de vida. Apesar de serem tão ágeis, fortes e inteligentes quanto qualquer ser humano, os replicantes têm apenas quatro anos de vida.
Ao lado desta trama principal, podemos destacar uma trama secundária: o envolvimento afetivo de Deckard com Rachael (interpretada por Sean Young), replicante, secretária de Tyrel, dono da poderosa corporação industrial produtora dos Nexus 6 (Tyrel diz: “Nossa meta é o comércio. Nosso lema é ‘mais humanos que os humanos’”).
Blade Runner é um filme de caçada humana, onde, de certo modo, todos buscam algo: Deckard busca encontrar os replicantes; mas percebemos também que ele busca a si próprio. E persegue o amor de Rachael, que está imersa na busca de sua identidade inexistente. E os replicantes Nexus 6 buscam desesperadamente ter mais tempo de vida. Enfim, Blade Runner é uma pequena odisséia de homens e mulheres, humanos e pós-humanos, em busca da sua identidade perdida.
É um filme de ação intensa que contém uma profunda reflexão filosófica sobre o problema da identidade do homem, debilitada pelo descentramento do sujeito humano diante da vigência das tecnoestruturas burocrático-corporativas do mundo do capital. É o caso de Deckard, individuo perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e corporativos a “aposentar” os replicantes (apesar de ter-se aposentado, no sentido usual do termo, Deckard é convocado a utilizar sua habilidade de investigador policial, ou melhor de blade runner, para caçar os Nexus 6). Sua vida pregressa é obscura, escondendo talvez algo incriminador, pois percebe-se que o convencimento de Deckard é um jogo de chantagem feito pelo chefe de polícia de LA. Como diz ele: “Conheço o jogo meu chapa. Se não topar, está acabado.”)
Enfim, o cenário distópico de Los Angeles em 2019 é opressivo, onde a individualidade humana é tão-somente uma sombra molhada pela constante chuva negra, decorrente de um ecossistema devastado. Como construção histórica, a identidade do homem como sujeito da modernidade prometeica, encontra-se irremediavelmente obliterada. A distopia noir de Blade Runner tende a negar, em si, qualquer identidade do homem consigo mesmo. O sistema do capital, com suas derivações destrutivas no plano do ecossistema, coloca no centro do cosmo, o fetiche das coisas, isto é, as tecnoestruturas urbano-corporativas com seus aparatos policiais e de manipulação midiática, como, por exemplo, o out-door móvel que preenche a paisagem superior da cidade e insiste em anunciar as maravilhas de paraíso distante.
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Diz, logo no inicio do filme, a mensagem publicitária: “Uma nova vida espera por você nas colônias interplanetárias. A chance de começar de novo numa terra dourada de oportunidades e aventuras! Vamos para as colônias!”. E a mensagem do grupo Shimago-Dominguez Corporation conclui dizendo: “Ajudando a América a entrar no Novo Mundo”.
Pelo que se percebe, a crise de identidade não é apenas de homens e mulheres, de humanos e pós-humanos, mas a crise de identidade atinge inclusive o próprio Estado-nação, ou seja, os EUA, onde é perceptível a presença marcante (e dirigente) de estrangeiros (japoneses e chicanos). Na verdade, os EUA não são mais o Novo Mundo, mas sim as colônias interplanetárias criadas pelas corporações industriais (com certeza, de acesso seletivo e excludente).
Em Blade Runner, logo no inicio, são destacadas as luzes de néon de propagandas das corporações industriais, emoldurando um cenário urbanóide tão opressiva quanto a chuva ácida persistente e as vias urbanas cheias de transeuntes, um imenso bazar desterritorialziado, tecno-asiático, de incrustações mafiosas, com bairros decadentistas, com prédios abandonados ocupados por ateliers hightech de fornecedores de ponta das corporações industriais (por exemplo, a oficina hightech de J. F. Sebastian está num prédio abandonado, local em que ocorrerá o duelo derradeiro entre Deckard e o replicante Roy). Na verdade, a Los Angeles de 2019 é uma imensa Chinatown, de homens e mulheres incapazes de migrar para o paraíso distante, outras terras privilégio territorial da classe dos capitalistas e congêneres.
É interessante que, em Blade Runner, a clivagem de classe assume, de forma radical, dimensões sócio-territoriais: os homens estranhados, despossuídos, embora proprietários de força de trabalho ou de mercadorias que vendem no bazar global, de fato, herdarão a Terra, mas uma Terra devastada enquanto ecossistema, pela lógica do capital predador. Estamos diante do resultado supremo da sociedade de classe. Diante de um espaço territorial exaurido no decorrer de uma modernização predatória, os capitalistas decidem “curtir” sua vida (e uma suposta identidade humana) em paraísos distantes,”...terra dourada de oportunidades e aventuras”, colônias espaciais, artifícios urbano-sociais, servidos por uma coorte de replicantes servis, novos servos pós-modernos, êmulos funcionais de homens e mulheres (a desterritorialização do capital se expressaria na própria interversão do Lar em Terra Estrangeira, como salientamos acima – a Los Angeles de 2019 não parece ser a América e os que habitam a Terra parecem ser meros estrangeiros). O capital tende sempre a criar novas fronteiras de colonização para si, mesmo que possuam o sentido ilusório de um “Novo Mundo”. O ilusionismo social é a base da subjetivação estranhada.
Diz, logo no inicio do filme, a mensagem publicitária: “Uma nova vida espera por você nas colônias interplanetárias. A chance de começar de novo numa terra dourada de oportunidades e aventuras! Vamos para as colônias!”. E a mensagem do grupo Shimago-Dominguez Corporation conclui dizendo: “Ajudando a América a entrar no Novo Mundo”.
Pelo que se percebe, a crise de identidade não é apenas de homens e mulheres, de humanos e pós-humanos, mas a crise de identidade atinge inclusive o próprio Estado-nação, ou seja, os EUA, onde é perceptível a presença marcante (e dirigente) de estrangeiros (japoneses e chicanos). Na verdade, os EUA não são mais o Novo Mundo, mas sim as colônias interplanetárias criadas pelas corporações industriais (com certeza, de acesso seletivo e excludente).
Em Blade Runner, logo no inicio, são destacadas as luzes de néon de propagandas das corporações industriais, emoldurando um cenário urbanóide tão opressiva quanto a chuva ácida persistente e as vias urbanas cheias de transeuntes, um imenso bazar desterritorialziado, tecno-asiático, de incrustações mafiosas, com bairros decadentistas, com prédios abandonados ocupados por ateliers hightech de fornecedores de ponta das corporações industriais (por exemplo, a oficina hightech de J. F. Sebastian está num prédio abandonado, local em que ocorrerá o duelo derradeiro entre Deckard e o replicante Roy). Na verdade, a Los Angeles de 2019 é uma imensa Chinatown, de homens e mulheres incapazes de migrar para o paraíso distante, outras terras privilégio territorial da classe dos capitalistas e congêneres.
É interessante que, em Blade Runner, a clivagem de classe assume, de forma radical, dimensões sócio-territoriais: os homens estranhados, despossuídos, embora proprietários de força de trabalho ou de mercadorias que vendem no bazar global, de fato, herdarão a Terra, mas uma Terra devastada enquanto ecossistema, pela lógica do capital predador. Estamos diante do resultado supremo da sociedade de classe. Diante de um espaço territorial exaurido no decorrer de uma modernização predatória, os capitalistas decidem “curtir” sua vida (e uma suposta identidade humana) em paraísos distantes,”...terra dourada de oportunidades e aventuras”, colônias espaciais, artifícios urbano-sociais, servidos por uma coorte de replicantes servis, novos servos pós-modernos, êmulos funcionais de homens e mulheres (a desterritorialização do capital se expressaria na própria interversão do Lar em Terra Estrangeira, como salientamos acima – a Los Angeles de 2019 não parece ser a América e os que habitam a Terra parecem ser meros estrangeiros). O capital tende sempre a criar novas fronteiras de colonização para si, mesmo que possuam o sentido ilusório de um “Novo Mundo”. O ilusionismo social é a base da subjetivação estranhada.
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Mas a identidade humana é debilitada não apenas pelo cenário distópico da Los Angeles de 2019, com seu urbanismo opressor e sua humanidade non-sense (o que é o homem sem a utopia?), mas pelo próprio desenvolvimento tecno-científico e da engenharia genética que criou os novos objetos vivos, os replicantes, imagens perfeitas do homem (ou como disse Tyrell: “mais humano que os humanos”), objetos técnicos complexos que desencantam irremediavelmente qualquer idéia de uma unicidade humana (Walter Benjamin já demonstrou que a reprodutibilidade técnica tende a ocasionar a perda da aura da obra de arte e diríamos nós, da própria vida, no caso de replicantes).
Os avanços da técnica tendem a desencantar, mas, de forma contraditória, afirmam a identidade do homem, como iremos verificar no decorrer de Blade Runner. Podemos dizer que é através da experiência de vida dos replicantes que tende a ocorrer a apreensão da identidade perdida, ou em processo de perda, do homem. Na verdade, o homem se encontra através de seus objetos vivos (uma contradição em termos). É no decorrer desta busca desesperada dos Nexus 6 que conseguimos apreender o significado (e valor) da experiência humana.
Ora, nós temos o que eles buscam: tempo de vida e memória. Esta é base da hominidade em Blade Runner. Mas o que nós temos é passível de debilitação sob o sistema do capital. O tempo de vida se interverte em tempo de trabalho e a memória se degrada por conta da presentificação crônica instaurada pelo sócio-metabolismo do capital.
Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da hominidade: tempo de vida. O tempo é o campo de desenvolvimento humano, já destacava Marx. Terem apenas quatro anos de vida, como os Nexus 6, é muito pouco para inteligências ágeis e complexas que sonham alcançar a almejada hominidade.
É claro que tal discrepância entre potencialidades de desenvolvimento e tempo de vida é dilacerante. A busca por mais tempo torna-se uma “estranha obsessão”. Tyrel reconhece tal dilema dos replicantes quando diz a Deckard: “...eles são emocionalmente inexperientes, têm poucos anos para coletar experiências que nós achamos corriqueiras. Fornecendo a eles um passado criamos um amortecedor para sua emoção e os controlamos melhor.”
Na verdade, o objetivo de Tyrell é controlar sua criação, os Nexus 6, evitando que tal “estranha obsessão” signifique motins (como ocorreu com os seis replicantes “caçados” por Deckard). A manipulação da memória é capaz de amortecer tal sofrimento psíquico e controlar suas disposições insurgentes. Ao fornecer um passado para os replicantes, a Tyrell Corporation manipula sua memória e os controla melhor. É interessante a sugestão do filme Blade Runner em considerar a manipulação da memória através da atribuição de um passado imaginário, prática intensiva dos dispositivos midiáticos do sistema do capital, como uma forma de controle social.
Mas a ciência humana de Blade Runner está imersa num paradoxo (o paradoxo de Blade Runner): ainda não conseguiu compatibilizar vida intensa e maior inteligência com maior tempo de vida. Ao reivindicar mais tempo de vida (“o criador pode consertar a criação?” – pergunta o Nexus 6), o replicante Roy ouve de seu criador Tyrel o seguinte: “Fazer alterações na evolução de um sistema orgânico é fatal. Um código genético não pode ser alterado depois de estabelecido. Quaisquer células que tenham sofrido mutações de reversão dão origem a colônias reversas, como ratos abandonando o navio...” E Tyrel conclui: “A luz que brilha o dobro arde a metade do tempo.”
O diálogo entre Roy e Tyrell é uma das cenas mais significativas de Blade Runner. Expressa o lancinante paradoxo de Blade Runner (diz Tyrel: “Você foi feito o melhor possível. Mas não pode durar”). É a suprema contradição entre o desenvolvimento complexo do processo civilizatório e das forças produtivas do trabalho e a forma social do capital. É uma aguda injustiça ter tanta inteligência e intensa ânsia de viver e tempo de vida tão curto. Na verdade, os replicantes atingiram, tal como Hal 9000 em 2001-Uma Odisséia no Espaço, o limiar da hominidade. E tal como Hal 9000, se rebelam e são “desligados” (ou “aposentados” – no jargão da Tyrel Corporation).
Ora, Roy (e Tyrell) estão diante de um limite objetivo da engenharia genética (como ele expressou no diálogo acima). É claro que Tyrell está justificando a impossibilidade de alterar o código genético de Roy e de seus amigos replicantes. O que não significa a impossibilidade de altera-lo para as demais gerações de Nexus 6 (a reivindicação dos replicantes insurgentes em Blade Runner é meramente contingente – eles querem mais tempo de vida para si e não propriamente para a classe dos replicantes). Insatisfeito com Tyrell, Roy mata seu criador.
O drama dos replicantes é o drama humano. Em Blade Runner, como já destacamos, é através do drama de seus objetos técnicos inteligentes que apreendemos a tragédia humana. Ao ouvir de Tyrell que não podem obter um tempo de vida extendido, os Nexus 6 colocam-se diante de uma impossibilidade concreta dada pelo estágio de desenvolvimento da engenharia genética. Existe, deste modo, um limite técnico – mas perguntaríamos: é apenas um limite técnico ou tecnológico?
Nesse caso, merece a distinção entre técnica e tecnologia, onde a tecnologia é a forma social da técnica. E numa situação de contradição aguda entre forma social do capital e desenvolvimento humano humano-genérico, a própria tecnologia colocaria limites irremediáveis à técnica. Eis mais uma determinação da tragédia dos Nexus 6.
Enfim, não é suficiente o “cogito ergo sum” (como disse a replicante Pris para J.F. Sebastian: “Penso, Sebastian, logo existo”). Ou seja, não basta apenas “pensar para existir” (a referência sarcástica à famosa frase de Descartes sugere uma critica do racionalismo cartesiano, base da filosofia do sujeito e da civilização do capital). Estamos diante de uma aguda contradição: o homem demonstrou ser capaz de dar a vida, mas não conseguiu ainda ser capaz de dar-lhe um sentido. Ou melhor, o homem ainda não se tornou capaz de constitui um campo de desenvolvimento humano, onde a vida possa ser plena de sentido. Os Nexus 6, em seus curtos quatro anos de vida útil, estão condenados a sofrer de forma infinitamente intensa esta experiência trágica. Talvez nós, homens e mulheres, possamos sofrê-la de forma mitigada.
Os replicantes podem ser considerados a síntese intensa da tragédia humana. É o que a biotecnologia complexa de Blade Runner conseguiu demonstrar. A morte de Tyrel é uma morte metafísica. A cena do criador sendo dilacerado pela própria criatura é uma das mais significativas cenas do cinema do século XX. É um gesto supremo de insatisfação existencial. É um gesto totalmente absurdo, como a própria experiência de ser replicante em Blade Runner. Ao esmagar o cérebro de Tyrell, Roy dilacera (e contesta) a perversidade da inteligência humana.
Em Blade Runner, como salientamos acima, percebemos a aguda contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas do homem, capaz de criar vida inteligente complexa, e as relações sociais capitalistas imersas na lógica do controle do tempo e do tempo restringido em função da utilidade do capital. Mas é importante destacar o seguinte: a incapacidade da ciência e da técnica da Tyrell Corporation em extender a vida dos replicantes não é apenas um dado objetivo, mas é algo socialmente determinada pelo sistema do capital.
Como dissemos, seria impossível alterar o sistema orgânico de Roy, por exemplo, para garantir-lhe mais tempo de vida; mas nada impediria que novas gerações de Nexus 6 pudessem ter um tempo de vida mais extendido. O que sugere que a afirmação de Tyrell de que “a luz que brilha o dobro arde a metade do tempo” é tão-somente uma afirmação ideológica (Pris, em certo momento num diálogo com J.F. Sebastian, chegou a dizer: “Não somos computadores, Sebastian, somos seres vivos” – negando, portanto, o caráter fetichista dos replicantes).
Enquanto mercadorias complexas, os replicantes estão submetidos à lei do valor. Portanto, devem ter um tempo de vida útil restringido, principalmente quando, na Los Angeles de 2019, deve-se estar sob a vigência plena da tendência decrescente de queda da taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias, como observa Mészáros. Deste modo, mesmo não o sabendo, não é apenas contra a perversidade dos limites objetivos da ciência e da técnica da Tyrell Corporation que se revoltam os replicantes, mas contra a lei do valor e a lógica contraditória do capital, que frustra as promessas de uma vida plena de sentido, seja para homens, seja para os replicantes Nexus 6, numa etapa avançada do processo civilizatório.
Mas a identidade humana é debilitada não apenas pelo cenário distópico da Los Angeles de 2019, com seu urbanismo opressor e sua humanidade non-sense (o que é o homem sem a utopia?), mas pelo próprio desenvolvimento tecno-científico e da engenharia genética que criou os novos objetos vivos, os replicantes, imagens perfeitas do homem (ou como disse Tyrell: “mais humano que os humanos”), objetos técnicos complexos que desencantam irremediavelmente qualquer idéia de uma unicidade humana (Walter Benjamin já demonstrou que a reprodutibilidade técnica tende a ocasionar a perda da aura da obra de arte e diríamos nós, da própria vida, no caso de replicantes).
Os avanços da técnica tendem a desencantar, mas, de forma contraditória, afirmam a identidade do homem, como iremos verificar no decorrer de Blade Runner. Podemos dizer que é através da experiência de vida dos replicantes que tende a ocorrer a apreensão da identidade perdida, ou em processo de perda, do homem. Na verdade, o homem se encontra através de seus objetos vivos (uma contradição em termos). É no decorrer desta busca desesperada dos Nexus 6 que conseguimos apreender o significado (e valor) da experiência humana.
Ora, nós temos o que eles buscam: tempo de vida e memória. Esta é base da hominidade em Blade Runner. Mas o que nós temos é passível de debilitação sob o sistema do capital. O tempo de vida se interverte em tempo de trabalho e a memória se degrada por conta da presentificação crônica instaurada pelo sócio-metabolismo do capital.
Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da hominidade: tempo de vida. O tempo é o campo de desenvolvimento humano, já destacava Marx. Terem apenas quatro anos de vida, como os Nexus 6, é muito pouco para inteligências ágeis e complexas que sonham alcançar a almejada hominidade.
É claro que tal discrepância entre potencialidades de desenvolvimento e tempo de vida é dilacerante. A busca por mais tempo torna-se uma “estranha obsessão”. Tyrel reconhece tal dilema dos replicantes quando diz a Deckard: “...eles são emocionalmente inexperientes, têm poucos anos para coletar experiências que nós achamos corriqueiras. Fornecendo a eles um passado criamos um amortecedor para sua emoção e os controlamos melhor.”
Na verdade, o objetivo de Tyrell é controlar sua criação, os Nexus 6, evitando que tal “estranha obsessão” signifique motins (como ocorreu com os seis replicantes “caçados” por Deckard). A manipulação da memória é capaz de amortecer tal sofrimento psíquico e controlar suas disposições insurgentes. Ao fornecer um passado para os replicantes, a Tyrell Corporation manipula sua memória e os controla melhor. É interessante a sugestão do filme Blade Runner em considerar a manipulação da memória através da atribuição de um passado imaginário, prática intensiva dos dispositivos midiáticos do sistema do capital, como uma forma de controle social.
Mas a ciência humana de Blade Runner está imersa num paradoxo (o paradoxo de Blade Runner): ainda não conseguiu compatibilizar vida intensa e maior inteligência com maior tempo de vida. Ao reivindicar mais tempo de vida (“o criador pode consertar a criação?” – pergunta o Nexus 6), o replicante Roy ouve de seu criador Tyrel o seguinte: “Fazer alterações na evolução de um sistema orgânico é fatal. Um código genético não pode ser alterado depois de estabelecido. Quaisquer células que tenham sofrido mutações de reversão dão origem a colônias reversas, como ratos abandonando o navio...” E Tyrel conclui: “A luz que brilha o dobro arde a metade do tempo.”
O diálogo entre Roy e Tyrell é uma das cenas mais significativas de Blade Runner. Expressa o lancinante paradoxo de Blade Runner (diz Tyrel: “Você foi feito o melhor possível. Mas não pode durar”). É a suprema contradição entre o desenvolvimento complexo do processo civilizatório e das forças produtivas do trabalho e a forma social do capital. É uma aguda injustiça ter tanta inteligência e intensa ânsia de viver e tempo de vida tão curto. Na verdade, os replicantes atingiram, tal como Hal 9000 em 2001-Uma Odisséia no Espaço, o limiar da hominidade. E tal como Hal 9000, se rebelam e são “desligados” (ou “aposentados” – no jargão da Tyrel Corporation).
Ora, Roy (e Tyrell) estão diante de um limite objetivo da engenharia genética (como ele expressou no diálogo acima). É claro que Tyrell está justificando a impossibilidade de alterar o código genético de Roy e de seus amigos replicantes. O que não significa a impossibilidade de altera-lo para as demais gerações de Nexus 6 (a reivindicação dos replicantes insurgentes em Blade Runner é meramente contingente – eles querem mais tempo de vida para si e não propriamente para a classe dos replicantes). Insatisfeito com Tyrell, Roy mata seu criador.
O drama dos replicantes é o drama humano. Em Blade Runner, como já destacamos, é através do drama de seus objetos técnicos inteligentes que apreendemos a tragédia humana. Ao ouvir de Tyrell que não podem obter um tempo de vida extendido, os Nexus 6 colocam-se diante de uma impossibilidade concreta dada pelo estágio de desenvolvimento da engenharia genética. Existe, deste modo, um limite técnico – mas perguntaríamos: é apenas um limite técnico ou tecnológico?
Nesse caso, merece a distinção entre técnica e tecnologia, onde a tecnologia é a forma social da técnica. E numa situação de contradição aguda entre forma social do capital e desenvolvimento humano humano-genérico, a própria tecnologia colocaria limites irremediáveis à técnica. Eis mais uma determinação da tragédia dos Nexus 6.
Enfim, não é suficiente o “cogito ergo sum” (como disse a replicante Pris para J.F. Sebastian: “Penso, Sebastian, logo existo”). Ou seja, não basta apenas “pensar para existir” (a referência sarcástica à famosa frase de Descartes sugere uma critica do racionalismo cartesiano, base da filosofia do sujeito e da civilização do capital). Estamos diante de uma aguda contradição: o homem demonstrou ser capaz de dar a vida, mas não conseguiu ainda ser capaz de dar-lhe um sentido. Ou melhor, o homem ainda não se tornou capaz de constitui um campo de desenvolvimento humano, onde a vida possa ser plena de sentido. Os Nexus 6, em seus curtos quatro anos de vida útil, estão condenados a sofrer de forma infinitamente intensa esta experiência trágica. Talvez nós, homens e mulheres, possamos sofrê-la de forma mitigada.
Os replicantes podem ser considerados a síntese intensa da tragédia humana. É o que a biotecnologia complexa de Blade Runner conseguiu demonstrar. A morte de Tyrel é uma morte metafísica. A cena do criador sendo dilacerado pela própria criatura é uma das mais significativas cenas do cinema do século XX. É um gesto supremo de insatisfação existencial. É um gesto totalmente absurdo, como a própria experiência de ser replicante em Blade Runner. Ao esmagar o cérebro de Tyrell, Roy dilacera (e contesta) a perversidade da inteligência humana.
Em Blade Runner, como salientamos acima, percebemos a aguda contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas do homem, capaz de criar vida inteligente complexa, e as relações sociais capitalistas imersas na lógica do controle do tempo e do tempo restringido em função da utilidade do capital. Mas é importante destacar o seguinte: a incapacidade da ciência e da técnica da Tyrell Corporation em extender a vida dos replicantes não é apenas um dado objetivo, mas é algo socialmente determinada pelo sistema do capital.
Como dissemos, seria impossível alterar o sistema orgânico de Roy, por exemplo, para garantir-lhe mais tempo de vida; mas nada impediria que novas gerações de Nexus 6 pudessem ter um tempo de vida mais extendido. O que sugere que a afirmação de Tyrell de que “a luz que brilha o dobro arde a metade do tempo” é tão-somente uma afirmação ideológica (Pris, em certo momento num diálogo com J.F. Sebastian, chegou a dizer: “Não somos computadores, Sebastian, somos seres vivos” – negando, portanto, o caráter fetichista dos replicantes).
Enquanto mercadorias complexas, os replicantes estão submetidos à lei do valor. Portanto, devem ter um tempo de vida útil restringido, principalmente quando, na Los Angeles de 2019, deve-se estar sob a vigência plena da tendência decrescente de queda da taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias, como observa Mészáros. Deste modo, mesmo não o sabendo, não é apenas contra a perversidade dos limites objetivos da ciência e da técnica da Tyrell Corporation que se revoltam os replicantes, mas contra a lei do valor e a lógica contraditória do capital, que frustra as promessas de uma vida plena de sentido, seja para homens, seja para os replicantes Nexus 6, numa etapa avançada do processo civilizatório.
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É interessante observar que um instrumento capaz de identificar os replicantes Nexus 6 é um aparelho de leitura da íris dos olhos. Um detalhe: a presença do olhar em Blade Runner é marcante, não apenas pelo fato dos replicantes serem identificados através da análise de sua íris, mas pela cena de abertura do filme, que mostra um close-up magistral dos olhos de Deckard contemplando o cenário sombrio de Los Angeles. Em sua íris se reflete a distopia da América. Na verdade, como se diz, a imagem dos olhos é expressão da “janela da alma”, da subjetividade avassalado do homem diante do sistema do capital. A presença deste olhar que ocupa a extensão da tela é marcante também em “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Assim como sugerimos uma aproximação entre os Nexus 6 e HAL 9000, podemos fazer o mesmo entre Deckard e Frank, personagem do filme de Stanley Kubrick.
Através de um teste de perguntas e respostas e do aparelho de leitura da íris dos olhos, utilizada nas sessões de interrogatórios pelos policiais blade runner, se busca verificar não apenas relatos de memória, mas a coerência das respostas dadas (o que sugere uma atitude-padrão no mundo social de Blade Runner). “É um teste criado para provocar uma resposta emocional”, como observa o blade runner. Estamos diante de um instrumento de aferição da socialidade e da consciência coletiva, de valores e atitudes sociais politicamente corretas (no sentido durkheiminiano). O que significa que, no mundo social de Blade Runner, a identidade humana é constituída não apenas por um lastro de memória pessoal, mas por um arcabouço de socialidade e de memória coletiva, background de reações emocionais (e lingüísticas) previsíveis.
Ora, os replicantes não possuem tais lastros da experiência humana. Aliás, podem até possui-las, mas são meras próteses, implantes assumidos de outros homens e mulheres. Por exemplo, a experiência de memória de Rachel é um implante da experiência de vida da sobrinha de Tyrell (Rachael chega a dizer, imersa em crise de identidade impossível: “Não sei se sou eu ou a sobrinha de Tyrell”). Enfim, suas memórias pessoais não pertencem a si, mas são de outrem (Deckard diz para Rachael: “... não são suas memórias, são de outra pessoa”). Eis um agudo estranhamento dos replicantes. Eles não escolheram suas memórias. Mas, afinal, quem as escolhe? – como poderia nos dizer Gaff (o policial, interpretado por Edward James Olmos).
É interessante observar que um instrumento capaz de identificar os replicantes Nexus 6 é um aparelho de leitura da íris dos olhos. Um detalhe: a presença do olhar em Blade Runner é marcante, não apenas pelo fato dos replicantes serem identificados através da análise de sua íris, mas pela cena de abertura do filme, que mostra um close-up magistral dos olhos de Deckard contemplando o cenário sombrio de Los Angeles. Em sua íris se reflete a distopia da América. Na verdade, como se diz, a imagem dos olhos é expressão da “janela da alma”, da subjetividade avassalado do homem diante do sistema do capital. A presença deste olhar que ocupa a extensão da tela é marcante também em “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Assim como sugerimos uma aproximação entre os Nexus 6 e HAL 9000, podemos fazer o mesmo entre Deckard e Frank, personagem do filme de Stanley Kubrick.
Através de um teste de perguntas e respostas e do aparelho de leitura da íris dos olhos, utilizada nas sessões de interrogatórios pelos policiais blade runner, se busca verificar não apenas relatos de memória, mas a coerência das respostas dadas (o que sugere uma atitude-padrão no mundo social de Blade Runner). “É um teste criado para provocar uma resposta emocional”, como observa o blade runner. Estamos diante de um instrumento de aferição da socialidade e da consciência coletiva, de valores e atitudes sociais politicamente corretas (no sentido durkheiminiano). O que significa que, no mundo social de Blade Runner, a identidade humana é constituída não apenas por um lastro de memória pessoal, mas por um arcabouço de socialidade e de memória coletiva, background de reações emocionais (e lingüísticas) previsíveis.
Ora, os replicantes não possuem tais lastros da experiência humana. Aliás, podem até possui-las, mas são meras próteses, implantes assumidos de outros homens e mulheres. Por exemplo, a experiência de memória de Rachel é um implante da experiência de vida da sobrinha de Tyrell (Rachael chega a dizer, imersa em crise de identidade impossível: “Não sei se sou eu ou a sobrinha de Tyrell”). Enfim, suas memórias pessoais não pertencem a si, mas são de outrem (Deckard diz para Rachael: “... não são suas memórias, são de outra pessoa”). Eis um agudo estranhamento dos replicantes. Eles não escolheram suas memórias. Mas, afinal, quem as escolhe? – como poderia nos dizer Gaff (o policial, interpretado por Edward James Olmos).
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Deste modo, Rachael está diante de certo estranhamento. Ela sente-se profundamente incomodada com sua condição replicante. É próprio da sua natureza, ser incapaz de possuir memória de vida pessoal única. Para ela, a memória é um simulacro expresso em imagens fotográficas. Na verdade, Rachel, como o mundo midiático de Blade Runner, está totalmente imersa num mundo de imagens fotográficas (basta verificar, por exemplo, os detalhes do escritório do chefe de policia de Los Angeles que conversa com Deckard, logo no inicio do filme e do próprio apartamento de Deckard – a presença de inúmeros quadros de fotografias é marcante, o que pode nos levar a refletir: se seriam eles todos replicantes; ou será que são meros homens em processo de desesfetivação de sua identidade humana pela corrosão da memória pessoal ou pela manipulação avassaladora de suas experiências de vida passada?).
Mas, as fotografia da replicante Rachael são necessárias para afirmar para si própria o simulacro de sua identidade pessoal. Na verdade, tais representações, ou melhor, signos, de memória, são quase uma extensão de si. O que se coloca, a partir da experiência de Rachael em Blade Runner é o seguinte: até que ponto nossas memórias pessoais são nossas e não representações (ou signos) protéticas, implantadas pelo complexo midiático vigente do sistema do capital, que produzem, por exemplo, nostalgia de um tempo não-vivido, mas percebido no plano imagético? Na verdade, como percebemos, o mundo social de Blade Runner é o mundo da aguda manipulação da subjetividade.
É a chegada de Deckard que irá problematizar a condição replicante de Rachael. Ele sente amor por ela. Por isso Deckard irá ensina-la a socialidade dos afetos, quase para dar completude ao simulacro de sua identidade humana. Nesse caso, o que parece ser, tende a se tornar.. De fato, ao agir como mulher, Rachael tornar-se-á mulher. Em Blade Runner, a afirmação da hominidade ocorre através da práxis auto-consciente, reflexiva e mimética.
Neste momento, estamos diante da pedagogia da práxis mimética, aquilo que Aristóteles considerava fundamental no próprio ato da educação. Em Aristóteles, a arte de aprender se reduz a imitar por muito tempo e a copiar por muito tempo. Diz Vergnières, a respeito da ética de Aristóteles: “Adquire-se tal ou qual disposição ética agindo de tal ou qual maneira. O caráter não é mais o que recebe suas determinações da natureza, da educação, da idade, da condição social; é o produto da série de atos dos quais sou o principio. Posso ser declarado autor de meu caráter, como o sou dos meus atos.” (VERGNIÉRES, 1999). Ao ensinar a Rachel a socialidade dos afetos através da formação de hábitos, da imitação, de ações ponderadas, Deckard se contrapunha à imposição da natureza dada, do destino inscrito pela Natureza ou pela lógica da tecnologia.
No caso da distopia de Ridley Scott, existe um intenso jogo de manipulação, objetivo e subjetivo. O ato de manipulação não ocorre apenas na dimensão da exterioridade (a manipulação que outrem exerce sobre mim, como é perceptível nas propagandas de néon em Blade Runner); mas a manipulação percorre a dimensão da interioridade, aparecendo como intensa auto-simulação (o ego manipula a si mesmo, buscando constituir uma identidade pessoal auto-referenciada – no caso dos replicantes, uma identidade irremediavelmente estranhada). O que Blade Runner sugere é que, talvez a tragédia dos replicantes seja a verdadeira tragédia humana (o que demonstra que a ficção-científica expõe de forma invertida, e até fetichizada, a verdade da condição humana).
Em Blade Runner existe uma outra situação paradoxal: o caçador, aos poucos, se interverte em caça. Ao longo da narrativa, Deckard, que persegue os replicantes, torna-se, na cena final, perseguido pelo último dos Nexus 6, Roy Batty, que dá-lhe uma “lição de vida”. Ou seja, poupa-lhe da morte, demonstrando ser a vida um valor supremo para ele (ora, ao matar Tyrell, Roy expressa um gesto de afirmação da vida, demonstrando uma suprema indignação com seu destino).
Na sua derradeira cena, o replicante Roy traduz o que é próprio da condição humana sob o sistema do capital. Disse ele: “Uma experiência e tanto viver com medo, não? Ser escravo é assim.” E sentindo de forma intensa o paradoxo de Blade Runner, isto é, a angústia de inteligências agudas e de alta sensibilidade estética diante de uma vida fugaz e supérflua, Roy observa: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva.” O replicante Nexus 6 sente a angústia do tempo, destacando a unicidade (e fluidez) da sua experiência singular de vida. Conclui, dizendo: “É hora de morrer” (tal como os personagens da peça “Os Que Têm a Hora Marcada”, de Elias Canetti).
Deste modo, Rachael está diante de certo estranhamento. Ela sente-se profundamente incomodada com sua condição replicante. É próprio da sua natureza, ser incapaz de possuir memória de vida pessoal única. Para ela, a memória é um simulacro expresso em imagens fotográficas. Na verdade, Rachel, como o mundo midiático de Blade Runner, está totalmente imersa num mundo de imagens fotográficas (basta verificar, por exemplo, os detalhes do escritório do chefe de policia de Los Angeles que conversa com Deckard, logo no inicio do filme e do próprio apartamento de Deckard – a presença de inúmeros quadros de fotografias é marcante, o que pode nos levar a refletir: se seriam eles todos replicantes; ou será que são meros homens em processo de desesfetivação de sua identidade humana pela corrosão da memória pessoal ou pela manipulação avassaladora de suas experiências de vida passada?).
Mas, as fotografia da replicante Rachael são necessárias para afirmar para si própria o simulacro de sua identidade pessoal. Na verdade, tais representações, ou melhor, signos, de memória, são quase uma extensão de si. O que se coloca, a partir da experiência de Rachael em Blade Runner é o seguinte: até que ponto nossas memórias pessoais são nossas e não representações (ou signos) protéticas, implantadas pelo complexo midiático vigente do sistema do capital, que produzem, por exemplo, nostalgia de um tempo não-vivido, mas percebido no plano imagético? Na verdade, como percebemos, o mundo social de Blade Runner é o mundo da aguda manipulação da subjetividade.
É a chegada de Deckard que irá problematizar a condição replicante de Rachael. Ele sente amor por ela. Por isso Deckard irá ensina-la a socialidade dos afetos, quase para dar completude ao simulacro de sua identidade humana. Nesse caso, o que parece ser, tende a se tornar.. De fato, ao agir como mulher, Rachael tornar-se-á mulher. Em Blade Runner, a afirmação da hominidade ocorre através da práxis auto-consciente, reflexiva e mimética.
Neste momento, estamos diante da pedagogia da práxis mimética, aquilo que Aristóteles considerava fundamental no próprio ato da educação. Em Aristóteles, a arte de aprender se reduz a imitar por muito tempo e a copiar por muito tempo. Diz Vergnières, a respeito da ética de Aristóteles: “Adquire-se tal ou qual disposição ética agindo de tal ou qual maneira. O caráter não é mais o que recebe suas determinações da natureza, da educação, da idade, da condição social; é o produto da série de atos dos quais sou o principio. Posso ser declarado autor de meu caráter, como o sou dos meus atos.” (VERGNIÉRES, 1999). Ao ensinar a Rachel a socialidade dos afetos através da formação de hábitos, da imitação, de ações ponderadas, Deckard se contrapunha à imposição da natureza dada, do destino inscrito pela Natureza ou pela lógica da tecnologia.
No caso da distopia de Ridley Scott, existe um intenso jogo de manipulação, objetivo e subjetivo. O ato de manipulação não ocorre apenas na dimensão da exterioridade (a manipulação que outrem exerce sobre mim, como é perceptível nas propagandas de néon em Blade Runner); mas a manipulação percorre a dimensão da interioridade, aparecendo como intensa auto-simulação (o ego manipula a si mesmo, buscando constituir uma identidade pessoal auto-referenciada – no caso dos replicantes, uma identidade irremediavelmente estranhada). O que Blade Runner sugere é que, talvez a tragédia dos replicantes seja a verdadeira tragédia humana (o que demonstra que a ficção-científica expõe de forma invertida, e até fetichizada, a verdade da condição humana).
Em Blade Runner existe uma outra situação paradoxal: o caçador, aos poucos, se interverte em caça. Ao longo da narrativa, Deckard, que persegue os replicantes, torna-se, na cena final, perseguido pelo último dos Nexus 6, Roy Batty, que dá-lhe uma “lição de vida”. Ou seja, poupa-lhe da morte, demonstrando ser a vida um valor supremo para ele (ora, ao matar Tyrell, Roy expressa um gesto de afirmação da vida, demonstrando uma suprema indignação com seu destino).
Na sua derradeira cena, o replicante Roy traduz o que é próprio da condição humana sob o sistema do capital. Disse ele: “Uma experiência e tanto viver com medo, não? Ser escravo é assim.” E sentindo de forma intensa o paradoxo de Blade Runner, isto é, a angústia de inteligências agudas e de alta sensibilidade estética diante de uma vida fugaz e supérflua, Roy observa: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva.” O replicante Nexus 6 sente a angústia do tempo, destacando a unicidade (e fluidez) da sua experiência singular de vida. Conclui, dizendo: “É hora de morrer” (tal como os personagens da peça “Os Que Têm a Hora Marcada”, de Elias Canetti).
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Enfim, Blade Runner é permeado de paradoxos magistrais, que são contradições dilacerantes. Vejamos alguns detalhes: os replicantes que fugiram eram 6. Um deles, morreu na fuga. Então, 5 são os que deveriam estar sendo perseguidos. Mas só temos conhecimento de 4 na versão do diretor. Ou ainda: se Deckard seria um replicante (como sugere a versão do diretor), Gaff também não o seria? Enfim, quem nos garante – como já sugerimos acima - que o mundo social de Blade Runner não seria constituído por replicantes medianos, meros simulacros de homens e mulheres, onde os Nexus 6 seriam versões sofisticadas, os super-homens de 2019 ? Outro detalhe curioso é o sonho de Deckard, o sonho do unicórnio, acrescido na versão do diretor. O que ele significa? Teria o unicórnio do sonho de Deckard alguma relação com o unicórnio de palito feito por Gaff no final do filme?. Mera coincidência ou haveria alguma relação causal com um significado latente?
Mas o que nos interessa são os significados críticos do filme Blade Runner. Ele é um pré-texto magistral para apreendermos os dilaceramentos humanos diante da opressão do capital. O mundo social de Blade Runner é um mundo capitalista, com a presença visível dos ícones das corporações globais, cintilando em luzes néon num cenário distópico. Torna-se visível através do exagero metodológico da ficção-científica alguns elementos contraditórios desta sociabilidade estranhada. Já destacamos o problema da identidade humana, da impossibilidade da vida plena de sentido num sistema de tempo de vida restringido, de memória protética e de sociabilidade estruturada (drama trágico explicito, até como “tipo ideal”, pelos replicantes Nexus 6 ).
É possível destacar, dentre os múltiplos detalhes significativos do filme, alguns elementos sobre o mundo do trabalho em Blade Runner. Por exemplo: a Tyrell Corporation é uma empresa-rede tendo em vista que se utiliza do trabalho subcontratado de fornecedores, que contribuem para a produção das mercadorias-objetos técnicos complexos (os replicantes). Os fornecedores, pequenas oficinas de técnicos altamente especializados, não conhecem o resultado final de sua atividade. Produzem apenas um determinado componente daquela estrutura biotecnológica. Por exemplo, quando o replicante Roy visita a oficina de trabalho de um dos fornecedores da Tyrell, ele nada sabe sobre os demais componentes de um organismo Nexus 6. Especializou-se apenas em elaborar os olhos – mas nada sabe sobre o dispositivo capaz de dar mais tempo de vida aos replicantes. É sintomático que Ridley Scott tenha escolhido a atividade estranhada do produtor dos olhos para expressar a paradoxalidade do capital e sua fragmentação da atividade produtiva. Os que produzem os olhos estão cegos sobre o produto final. Eis uma dimensão suprema (e paradoxal) do estranhamento da produção capitalista.
Outro paradoxo de Blade Runner é a relação do personagem J.F. Sebastian, projetista genético, um dos criadores dos Nexus 6, que, tal como eles, sofre de decrepitude acelerada. Ou seja, J.F. Sebastian sofre de envelhecimento precoce, (Síndrome de Matusalém). Por isso não conseguiu migrar para as colônias interplanetárias. Como disse ele: “não passei no exame médico” (o que confirma o acesso seletivo e excludente ao Novo Mundo). Um detalhe curioso são os bonecos vivos da oficina de J.F. Sebastian. Inclusive, um deles representa um militar com nariz de Pinóquio (uma crítica velada à corporação militar tão poderosa na América?). Aliás, é possível um paralelo entre J.F. Sebastian e o artesão Gepeto, personagem do conto Pinóquio, de Carlo Calodi. Talvez J. F. Sebastian seja o Gepeto pós-moderno, solitário e decrépito, que se apaixona por Pris, um dos Nexus 6 em fuga, modelo básico de prazer; e é através de J.F. Sebastian que Roy e Pris têm acesso ao criador dos Nexus 6, Tyrell, misto de cientista genial e mega-investidor bem-sucedido (um Bill Gates do mundo de Blade Runner?).
Enfim, Blade Runner é permeado de paradoxos magistrais, que são contradições dilacerantes. Vejamos alguns detalhes: os replicantes que fugiram eram 6. Um deles, morreu na fuga. Então, 5 são os que deveriam estar sendo perseguidos. Mas só temos conhecimento de 4 na versão do diretor. Ou ainda: se Deckard seria um replicante (como sugere a versão do diretor), Gaff também não o seria? Enfim, quem nos garante – como já sugerimos acima - que o mundo social de Blade Runner não seria constituído por replicantes medianos, meros simulacros de homens e mulheres, onde os Nexus 6 seriam versões sofisticadas, os super-homens de 2019 ? Outro detalhe curioso é o sonho de Deckard, o sonho do unicórnio, acrescido na versão do diretor. O que ele significa? Teria o unicórnio do sonho de Deckard alguma relação com o unicórnio de palito feito por Gaff no final do filme?. Mera coincidência ou haveria alguma relação causal com um significado latente?
Mas o que nos interessa são os significados críticos do filme Blade Runner. Ele é um pré-texto magistral para apreendermos os dilaceramentos humanos diante da opressão do capital. O mundo social de Blade Runner é um mundo capitalista, com a presença visível dos ícones das corporações globais, cintilando em luzes néon num cenário distópico. Torna-se visível através do exagero metodológico da ficção-científica alguns elementos contraditórios desta sociabilidade estranhada. Já destacamos o problema da identidade humana, da impossibilidade da vida plena de sentido num sistema de tempo de vida restringido, de memória protética e de sociabilidade estruturada (drama trágico explicito, até como “tipo ideal”, pelos replicantes Nexus 6 ).
É possível destacar, dentre os múltiplos detalhes significativos do filme, alguns elementos sobre o mundo do trabalho em Blade Runner. Por exemplo: a Tyrell Corporation é uma empresa-rede tendo em vista que se utiliza do trabalho subcontratado de fornecedores, que contribuem para a produção das mercadorias-objetos técnicos complexos (os replicantes). Os fornecedores, pequenas oficinas de técnicos altamente especializados, não conhecem o resultado final de sua atividade. Produzem apenas um determinado componente daquela estrutura biotecnológica. Por exemplo, quando o replicante Roy visita a oficina de trabalho de um dos fornecedores da Tyrell, ele nada sabe sobre os demais componentes de um organismo Nexus 6. Especializou-se apenas em elaborar os olhos – mas nada sabe sobre o dispositivo capaz de dar mais tempo de vida aos replicantes. É sintomático que Ridley Scott tenha escolhido a atividade estranhada do produtor dos olhos para expressar a paradoxalidade do capital e sua fragmentação da atividade produtiva. Os que produzem os olhos estão cegos sobre o produto final. Eis uma dimensão suprema (e paradoxal) do estranhamento da produção capitalista.
Outro paradoxo de Blade Runner é a relação do personagem J.F. Sebastian, projetista genético, um dos criadores dos Nexus 6, que, tal como eles, sofre de decrepitude acelerada. Ou seja, J.F. Sebastian sofre de envelhecimento precoce, (Síndrome de Matusalém). Por isso não conseguiu migrar para as colônias interplanetárias. Como disse ele: “não passei no exame médico” (o que confirma o acesso seletivo e excludente ao Novo Mundo). Um detalhe curioso são os bonecos vivos da oficina de J.F. Sebastian. Inclusive, um deles representa um militar com nariz de Pinóquio (uma crítica velada à corporação militar tão poderosa na América?). Aliás, é possível um paralelo entre J.F. Sebastian e o artesão Gepeto, personagem do conto Pinóquio, de Carlo Calodi. Talvez J. F. Sebastian seja o Gepeto pós-moderno, solitário e decrépito, que se apaixona por Pris, um dos Nexus 6 em fuga, modelo básico de prazer; e é através de J.F. Sebastian que Roy e Pris têm acesso ao criador dos Nexus 6, Tyrell, misto de cientista genial e mega-investidor bem-sucedido (um Bill Gates do mundo de Blade Runner?).
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Talvez seja interessante uma análise do personagem Tyrell, dono da corporação industrial que produz os replicantes. Tal como J.F. Sebastian, é um gênio solitário, parceiro do projetista genético no jogo de xadrez, investidor diuturno no mercado financeiro (na sua última cena, aparece deitado na cama orientando seu operador financeiro a vender 66 mil ações...). Do mesmo modo, tal como Sebastian, é cercado de objetos vivos – a coruja e a secretária Rachael. É provável que Tyrell cultive uma prazer estético (e libidinal) pelos seus objetos vivos.
Outro detalhe interessante do mundo do trabalho em Blade Runner é que os Nexus 6, geração superiores de replicantes, são altamente especializados (por exemplo, o replicante Roy Batty é um modelo de combate, e Pris, é um modelo básico de prazer, demonstrando que a sofisticação de habilidade cognitiva e instrumental é acompanhada por uma especialização).
Além disso, o mundo do trabalho de Blade Runner é constituído por uma mancha de “informalidade”, de trabalhadores por conta própria, alguns altamente especializados, que utilizam high technology (Deckard recorre aos serviços de uma artesã hightech para identificar o número de código de um fragmento de escama encontrado nos vestígios deixados por Zhora, uma dos Nexus 6). Ora, no cenário pós-moderno de Blade Runner, conciliam-se degradação ambiental (e pessoal) com high tecnology. O mundo do trabalho é um imenso bazar de atividades de serviços industriais subcontratados e de entretenimento de cariz mafioso (expressão de sobrevivências seculares da sociabilidade urbana degradada, como o saloon de Taffey Lewis, onde se apresentava a replicante Zhora com seu número “Sra. Salomé e a Cobra”).
Blade Runner expressa, no melhor estilo pós-moderno, uma bricolage de situações típicas da temporalidade extendida (e presente) do capital. Passado, presente e futuro estão contidos numa temporalidade hipertensa. Enfim, não existem, a partir da ótica da narrativa, perspectivas de “negação da negação”. No bom estilo de Hollywood, as contradições sociais se traduzem em meras saídas individuais – mas perguntaríamos, parafraseando Gaff, são realmente saídas? Afinal, quem escapa?
Fonte:
Artigo escrito por Giovanni Alves (2004). In http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm
Esta análise de filme é parte do Projeto de Extensão Tela Crítica 2004)
Talvez seja interessante uma análise do personagem Tyrell, dono da corporação industrial que produz os replicantes. Tal como J.F. Sebastian, é um gênio solitário, parceiro do projetista genético no jogo de xadrez, investidor diuturno no mercado financeiro (na sua última cena, aparece deitado na cama orientando seu operador financeiro a vender 66 mil ações...). Do mesmo modo, tal como Sebastian, é cercado de objetos vivos – a coruja e a secretária Rachael. É provável que Tyrell cultive uma prazer estético (e libidinal) pelos seus objetos vivos.
Outro detalhe interessante do mundo do trabalho em Blade Runner é que os Nexus 6, geração superiores de replicantes, são altamente especializados (por exemplo, o replicante Roy Batty é um modelo de combate, e Pris, é um modelo básico de prazer, demonstrando que a sofisticação de habilidade cognitiva e instrumental é acompanhada por uma especialização).
Além disso, o mundo do trabalho de Blade Runner é constituído por uma mancha de “informalidade”, de trabalhadores por conta própria, alguns altamente especializados, que utilizam high technology (Deckard recorre aos serviços de uma artesã hightech para identificar o número de código de um fragmento de escama encontrado nos vestígios deixados por Zhora, uma dos Nexus 6). Ora, no cenário pós-moderno de Blade Runner, conciliam-se degradação ambiental (e pessoal) com high tecnology. O mundo do trabalho é um imenso bazar de atividades de serviços industriais subcontratados e de entretenimento de cariz mafioso (expressão de sobrevivências seculares da sociabilidade urbana degradada, como o saloon de Taffey Lewis, onde se apresentava a replicante Zhora com seu número “Sra. Salomé e a Cobra”).
Blade Runner expressa, no melhor estilo pós-moderno, uma bricolage de situações típicas da temporalidade extendida (e presente) do capital. Passado, presente e futuro estão contidos numa temporalidade hipertensa. Enfim, não existem, a partir da ótica da narrativa, perspectivas de “negação da negação”. No bom estilo de Hollywood, as contradições sociais se traduzem em meras saídas individuais – mas perguntaríamos, parafraseando Gaff, são realmente saídas? Afinal, quem escapa?
Fonte:
Artigo escrito por Giovanni Alves (2004). In http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm
Esta análise de filme é parte do Projeto de Extensão Tela Crítica 2004)
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