domingo, 15 de abril de 2012

Vicência Jaguaribe (Onde Está a Margarida?)


Tarde do domingo. Uma tarde agradável, ventilada e clara. A ida à missa dominical. A chegada antecipada, para que a Margaridinha, filha única, tivesse oportunidade de encontrar-se com outras crianças e brincar um pouco. Ela tinha feito amizade com algumas garotas de sua idade cujos pais frequentavam a mesma igreja. E todas as semanas o casal fazia questão de dar à filha aquele momento de prazer. Eles sentavam-se nos bancos de cimento que ficavam no espaço cercado pelas grades que circundavam a igreja. Os pais das outras meninas iam chegando e sentavam-se com eles para vigiar os folguedos das filhas. Naquela tarde, brincavam de roda, cantando “A Margarida”. A pequena Margarida, a única que tinha esse nome — homenagem à avó paterna —, estava no centro da roda. As outras pegavam na barra de seu vestido largo — que parecia ter sido feito para aquela brincadeira — e formavam uma roda, fora da qual outra menina cantava e dançava. E seu canto se alternava com o das garotas da roda.

As garotas tiveram tempo de cantar “A Margarida” duas vezes somente. O sino da igreja anunciou o início da missa e elas se aproximaram dos pais.

A igreja era uma construção grande e larga. Os bancos, confortáveis, espalhavam-se estrategicamente por todos os cantos, formando ângulos com o altar principal, de modo que, de onde estavam sentados, todos os fiéis tinham a visão completa da celebração.

O padre iniciou o ritual católico da Missa, e todos se recolheram em oração. As crianças tentavam imitar os adultos, mas distraíam-se. Olhavam para as pessoas ao redor, conversavam com o irmão ou o amiguinho sentado ao lado, coçavam-se, bocejavam... De vez em quando, o pai ou a mãe lançavam-lhes um olhar ameaçador, e elas voltavam a comportar-se. A Margaridinha encostou-se na mãe e ameaçou dormir, quando o padre deu início à leitura do Evangelho.

— Margarida, escuta. O Padre vai falar das crianças. Vai ler uma história muito bonita.

A menina abriu os olhos, empertigou-se e ouviu direitinho o Evangelho de Marcos. Quando o Padre anunciou a saudação dos fiéis, ela, vendo algumas amiguinhas na porta da igreja, disse à mãe que ia ficar com elas. O pai acompanhou-a com os olhos e viu quando ela desceu os degraus.

As três, enfadadas com a missa comprida demais, não tornaram a entrar na igreja. Sentaram-se em um dos bancos de cimento e ficaram conversando.

Com a bênção final, os fiéis foram se retirando devagar. Os pais da Margarida olharam-se e interrogaram-se mudamente. O olhar que um devolveu ao outro parecia dizer, com preocupação, Eu pensei que você sabia onde ela estava! Apressaram o passo e encontraram as duas meninas que o pai vira a filha abraçando.

— Vocês viram a Margarida?

— Ela não estava com vocês!?

— Um homem veio e levou ela — respondeu uma das meninas, meio amedrontada com o semblante de preocupação do pai da amiguinha.

— Que homem, meu Deus? Como era esse homem?

A dona da banca de bombom aproximou-se.

— Eu vi quando ele levou a menina. Pensei que era alguém da família. Ela foi com ele sem problema.

Já uma aglomeração cercava os pais da menina. Um senhor descreveu alguns traços do desconhecido: moreno, estatura mediana, camisa vermelha. Infelizmente, não lhe vira as feições. Alguém sugeriu aos pais irem imediatamente à delegacia. Nesses casos, quanto mais cedo se começava a busca, mais chances se tinha de evitar uma tragédia.

A mãe chorava e tremia. Uma conhecida que fora de carro à igreja ofereceu-se para levá-los à delegacia. O pai não conseguia raciocinar. Em sua cabeça ecoava, todo o tempo, sem intervalo, os primeiros versos da cantiga de roda que a filha cantara antes da missa: Onde está a Margarida, / Ô lê, ô lê, ô lá / Onde está a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Meu Deus, onde estaria a sua Margarida naquele momento? Onde estaria a sua menininha?

Diante do delegado, não teve condições de falar. Nem ele, nem a mulher. Foi a dona do carro que registrou a queixa. Imediatamente, o delegado acionou soldados e investigadores, e a busca começou. O bairro todo já tomara conhecimento do que acontecera. Os jornais foram informados, e os carros de reportagem já se encaminhavam à igreja e à casa dos pais da menina.

Na cabeça do pai, ainda ecoavam os versos da cantiga de roda, impedindo-o de raciocinar para tentar ajudar na busca: Ela está em seu castelo / Ô lê, ô lê, ô lá / Ela está em seu castelo / Ô lê, seus cavalheiros. O único castelo que ele pudera erguer para protegê-la fora o castelo do seu amor e dos seus cuidados. Mas não havia sido suficiente, e ele sentia-se culpado. Não tinha coragem de olhar para a esposa, em estado de choque. O médico do posto de saúde fora chamado. Sabia que ele iria querer dopar os dois. Mas ele não tomaria nenhuma droga. Queria enfrentar tudo bem acordado. Não dissera a ninguém, mas não tinha esperança de que encontrassem a filha com vida. Como ele queria que essa sua impressão não se confirmasse! Que ela estivesse errada, meu Deus! Mas sabia — eram tantos os casos de violência contra crianças! — que não adiantava enganar-se. Como ele gostaria de ver a filha mais uma vez, de abraçá-la, de dizer que a amava mais do que a qualquer outra pessoa no mundo!

O médico chegou e fez os dois tomaram um calmante. A mãe continuou sob o efeito do remédio até o dia seguinte, mas ele, o pai, estava de pé logo depois da meia noite. Quando as buscas recomeçaram, ele achou que tinha condições de ajudar, e seguiu um dos grupos. À tarde, o corpo da criança, com evidências de estupro, foi encontrado em um bairro vizinho. O pai tomou conhecimento da tragédia e dirigiu-se a casa. Queria estar com a mulher quando ela recebesse a notícia. Os versos finais da cantiga de roda, que ecoaram por todo o seu corpo, pareciam ironizar a sua dor: Apareceu a Margarida / Ô lê, ô lê, ô lá / Apareceu a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Sim, ela aparecera, mas não como deveria ter aparecido. Menos ainda como ele queria que ela aparecesse.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos de Outono" - Edição Especial 2012 - Abril de 2012.

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