domingo, 22 de abril de 2012

Benedetto Caetani (Livro de Sonetos)


Benedetto Caetani, é o nome literário de Renato Sakate, de Botucatu/SP

O Cego Oriente

Distante paisagem, meu cego oriente
procuro teu ar nos cortantes lábios,
vendo meu soldo a favor de teus gládios
e busco meu abrigo ao sabor do vento.

Tira-me deste inconseqüente páreo,
tira-me deste previsto acidente!
Luto contra a rendição decadente
e a indução que enche meu cálice diário.

Mas perduro entre as grades deste templo
nas dores inúteis de meu salário,
nas obras miseráveis que sustento

para fugir deste parco cenário
onde reina o servo-mor do dinheiro,
onde vem do amor um mal necessário.

O Bem, o Mal e o Impasse

Suave paisagem de meus sonhos lindos
em ti selei o meu destino ideal
em ti sonhei ser verdadeiro o irreal
e assim guardei o que era lindo em mim.

Ah! Infortúnio que me tem por leal
sob o seu manto encerrei meus vestígios
sob o seu mando vesti-me em silício
e assim paguei, porque não quis ser mau.

Mas quando o céu estiver sob a terra
e a minha ruína fundar teu palácio,
o meu suplício em ti será duas férias.

Porque não quis o que seria tão fácil,
temi teu suor e a nossa própria guerra...
Busquei a paz e encontrei só, impasse.

Soneto da Desventura

Ah, desventura que me traz ventura...
O olhar castanho, tal mercúrio em ouro,
é esta razão que se desnuda em louros
neste meu fel que turva a mente impura.

Ah, negro véu de meus instintos loucos!
Já sinto dores onde havia ternura,
pressinto viés onde prescindia a cura
E nada enxergo... E nada sei, nada ouço.

Parta de mim, flor inocente e bela!
Teu doce caule me deprime a tarde
e o teu perfume me desfoca a tela!

Mas sei tão bem que tudo vêm desta arte
que, numa vez, faz chover aquarelas
e noutras tantas me faz doer de enfarte.

Soneto da Esperança

Como amar-te, mulher que não existe?
Como seguir teus passos? Não há sombra...
És qual mar que se afoga, um cais sem onda
Um bramido funesto, um berço triste.

Como amar-te, donzela de meus sonhos?
Como saber o que achas? Sem palpites...
Sou qual vivaz bandeira sem limites
Um trôpego ladrão, um vão risonho.

Ademais, como sofro por manter-te
em sonhos meus, só meus! Sonhos idosos...
E como dói sofrer por não sofrer.

Vê que sou andarilho em trilhos novos
Vê que sou alambrado a ti, mulher...
Lê... Pois se num dia a vi, a perdi noutro.

O arredio e os ufanos

Detentor das sabedorias do mundo
tudo sabe, do seu universo o inverso
Quantas letras, se caberão em meu verso
(que também é cego e de resto é mudo).

No palácio do desconforto imerso
cheiro o cinza e vejo o cinzeiro imundo
nado em poças de água salobra, é absurdo
que as pessoas sintam mais prazer que adverso.

Mas voltando a falar do Pai celeste,
das antigas lendas do Oriente Médio,
me recordo em cada sorriso humano

quanto o Sol, que desponta quente ao leste,
nos remiu no colo paterno o assédio
que reclama e clama o arredio e os ufanos.

Quem o coração te move

Pavio que explode e implode. Explode... e implode...
Este amor frio aos teus olhos quase queima
Não! Não consigo negar o que teima
em me voltar e partir de trégua e ódio.

Sofro distante, demais quando um imã
se faz em nossas almas e, nessa ordem,
não posso tê-la... então que me discordem
que encerra a dama os ais tal como rima...

E as repetidas palavras se anulam
nesta semente que a si mesma come
e se alimenta aumentando a sua gula.

Mas até quando, se isto me consome
os teus olhares que hoje me desnudam...
Se não sou Quem o coração te move?!

Nos olhos que vêem dentro

Bem sinto que nas horas mais escuras
tão claro quanto o véu e os teus ideais
se nesta vida pálida são irreais
na túnica dos sonhos que me curas...

Unidas nossas almas não têm de ais
o tanto que em distância, em desventuras
nos forçam novamente à esta aventura:
amor nos teus e meus encontros diários.

Se Deus nos tornou gêmeos no momento
da vida, se as feridas desferidas
são breves, que infinito sentimento!

Ah! Te amo tanto adocicada vida
alegre sou nos olhos que vêem dentro
tão dentro que não há medo, se é vivida!

Nesta nau de palha

Eterno quis de algo que não mais terno
tal brilho lúcido ante a vil morada...
Ah que pensei, que imortal namorada!
Que nem Moraes ousaria de pôr termo.

Tanto que a amava fora demorada
a dança trêmula como se inverno
fosse o verão, o outono e as três primaveras
últimas; qual pastagem devorada.

Mas se de culpas levo meu cesto oco
também de amores a inspiração falha
e de tormentos o coração troco...

Ah se não fosse Aquele que me calha
se não fosse Este a me salvar, tampouco
valeria a chama nesta nau de palha.

Oferendas

A humanidade se mantém repleta
de meias verdades, de melancolias...
A frondosa árvore onde se colhia
hoje é matéria póstuma e incompleta!

Quantos Davids se tornaram Golias?
E quando os véus ocultaram mazelas?
Parte extinguiu-se à luz, funesta cela,
numa negra era tal como se lia...

E na pesada tarefa terrena
(onde o machado é a vil palavra viva)
sobrevivemos por entre estas sendas?

Mas vencer como, se a voz nunca é ouvida,
se o nosso sangue é usado em oferendas...
Se a nossa carne nos transforma em Midas?

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=18&x=23&y=5

Nenhum comentário: