sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ana Lucia Santana (A Morte na Literatura de Vampiros)


À primeira vista parece surpreendente que a recente onda de vampiros na literatura faça tanto sucesso e conquiste um número cada vez maior de adeptos. Algo que chama a atenção, porém, nesta leitura, é a questão da presença consistente do que se entende por sobrenatural.

O mundo contemporâneo avançou, sem dúvida, no campo das descobertas científicas, do avanço tecnológico, das explicações racionais, da sociedade esclarecida e asséptica; o Homem parece caminhar na direção de um universo semelhante ao previsto pelo escritor Aldous Huxley, em sua obra Admirável Mundo Novo, no qual não há mais lugar para a dor, o sofrimento e a morte, sanados e exilados da vida humana através de pílulas desenvolvidas para esse fim.

Deste cosmos humano foi expulso também o encantamento, mas não sem um alto preço a se pagar por esta exclusão. Todas as eras e civilizações conviveram sem problemas com mitos, lendas, histórias e ‘causos folclóricos’; pode-se dizer que nossa era é uma exceção a esta regra implícita. Isto, sem dúvida, abala o emocional do ser humano, pois um elemento fundamental de sua psique está sendo extirpado gradualmente, com a ajuda do entorpecimento provocado pelo consumismo desenfreado.

Porém, nenhuma conquista tecnológica substitui o encanto mítico, a presença de uma esfera que transcende a realidade e ajuda o Homem a trabalhar suas emoções e, principalmente, suas perdas. Vivemos em uma sociedade que tenta, a todo custo, eliminar até mesmo a presença da morte, inevitável na jornada humana, e passa a acreditar que é indestrutível, eterna e imortal, ignorando inclusive a própria História – testemunha de impérios e civilizações que desmoronaram e jazem sepultadas há milênios, vítimas da passagem implacável do tempo.

Mas o ser humano necessita de uma dose de fantasia na sua existência, como defende, entre outros, o Professor Antonio Cândido. Daí o inegável sucesso das novelas e tramas cinematográficas, assim como da literatura. Por esta razão, talvez não seja tão assombroso o impacto provocado pela saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, e de outra série que consta nas listas dos mais vendidos, A Morada da Noite, de P. C. Cast e Kristin Cast, entre outras obras que têm como protagonistas os ancestrais vampiros.

Embora ela encontre adeptos em todas as faixas etárias e gêneros, é inegável que a maior parte dos leitores é composta por adolescentes. Este público é o que se encontra mais imune à alienação desencadeada pelos mecanismos que regem a era pós-moderna e, portanto, o mais acessível às questões existenciais, tão bem trabalhadas por estas autoras em seus livros.

Temas como a vida humana, o seu valor, a eternidade, a existência em um outro plano, e a morte, vista principalmente como um fator de transformação, não de finitude, são discutidos amplamente nestas obras. É curioso perceber que nem mesmo o vampiro é visto como um ser indestrutível e imortal nesta literatura; apesar de, em famílias adeptas de um vampirismo mais ‘clean’, ou seja, vegetariano, como na série Crepúsculo, eles viverem até mesmo por centenas de anos, esta entidade sobrenatural jamais é descrita como um ser destinado à eternidade.

Se até mesmo um vampiro, como Edward, de Crepúsculo, se preocupa com o destino de sua alma, acreditando que está condenado por ter se transformado nesta criatura, o que há de errado com o ser humano, que, em muitos casos, nem mesmo acredita que em seu interior habita uma essência semelhante a esta? È uma das questões que o adolescente pode, mesmo inconscientemente, despertar em sua mente.

E quanto à morte, tão presente nestes livros, principalmente em A Breve Segunda Vida de Bree Tanner, de Meyer, e nos volumes que compõem a Morada da Noite? Nesta série esta imagem é onipresente, pois nem todos os novatos marcados pela deusa Nyx para serem futuros vampiros, passarão realmente pela transformação. Alguns deles não conseguem atravessar este limiar; mas, curioso, há vários tipos de morte, e nem todos os aspirantes a vamps morrem de verdade, e sim passam a viver em uma espécie de limbo, ou de semivida.

Na saga Morada da Noite os vampiros, ou seja, os que concretizaram a passagem, também não são definidos como seres imortais; alguns podem viver centenas de anos, outros encontram o fim da existência de forma precoce e violenta. Aqui, mais do que nos outros livros, é frisada a importância do livre-arbítrio concedido a cada ser, a escolha que pode determinar a luz ou as sombras, a redenção ou a destruição.

Questões como estas, e tantas outras presentes na literatura de vampiros, preenchem, pelo menos parcialmente, a carência do ser humano, que desconhece, hoje, o significado da vida e da morte, as implicações das decisões adotadas por cada um, os valores morais, a importância dos mitos e do sobrenatural na compreensão da própria trajetória humana.

É preciso, porém, um trabalho mais profundo em torno destes temas, por meio de educadores e outros pensadores, em um esforço interdisciplinar e inter-religioso, no sentido de orientar os leitores destes livros na compreensão do potencial oculto nas suas entrelinhas, com o objetivo de resgatar o encantamento de outras eras e a própria imagem da morte, em sua antiga face de fenômeno natural. Talvez, assim, o Homem consiga eliminar um mal maior, a violência, comum, principalmente, entre esses mesmos adolescentes.

Fonte:
Infoescola

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