quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 12

Benedita de Melo 
(Vicença/ PE, 1906 – Rio de Janeiro, 1991)

" CONFUSÃO "

Pretendeste deixar-me... Que loucura!
Acaso pode a luz deixar o dia ?. . .
E o ser deixar a forma, poderia? . . .
E pode o fel deixar sua amargura? . . .

Vivemos separados, de mistura,
o meu ser no teu ser em harmonia...
Se tu me abandonasses, criatura,
de ti, em ti, já nada restaria.

Não me deixaste a mim, deixaste a casa.
Temo-nos desenhados na alma em brasa.
Somos um coração íntegro e nu.

Não podias deixar-me... que no mundo,
de tal sorte contigo me confundo,
que nem sei se eu sou eu, ou se eu sou tu.

" MUITO OBRIGADA "

Muito obrigada pelo bem de outrora
que me faz recordar-te no presente,
muito obrigada pelo mal de agora
que me ensinou a amar-te tanto, ausente..

Muito obrigada porque de hora em hora
mentiste um pouco mais, sinceramente;
porque sabes mentir para quem chora,
porque mentindo me fizeste crente.

Muito obrigada pela falsidade
que me veio acordar o instinto inerte
contra os espinhos da infidelidade. . .

Muito obrigada porque posso ver-te
dentro do negro mundo da saudade
que eu não teria nunca, sem perder-te.

" VERGONHA "

- "Menina!" -- disse alguém, no grande instante
em que era dividido em dois um ser. . .
E essa palavra, pelo mundo avante,
foi o meu Santo orgulho de viver...

Ser menina. Ser moça. Ser constante.
Ser caráter. Ser honra. Ser dever.
Por mais tropeços que encontrasse adiante,
nunca me entristeci de ser mulher.

Mas veio o amor. Veio a traição ferina
e todo o orgulho meu de ser menina,
roubou-o a sorte malfadada a crua.

E veio a dor. E veio a mágoa, o tédio...
E a vergonha escaldante e sem remédio
de ter sido mulher para ser tua.
–––––––––––


Benedito Nogueira Tapeti
(Benedito Francisco Nogueira Tapeti)
(Oeiras/PI, 30 dezembro 1890 – Oeiras/PI, 18 janeiro1918)

" CAMONEANO "


Eu sei, Senhora, que vos não mereço
e que, por vossa graça e formosura,
vós podeis cobiçar mais alto preço
do que minha afeição simples e pura.

Mas se eu vivo por vós, e não me esqueço
de toda a vossa angélica doçura,
é porque, no desterro em que padeço,
somente em vos lembrar tenho ventura.

Meu destino, por serdes vós quem sois,
põe tamanha distancia entre nós dois,
que me mata a esperança e a paz de outrora.

Mercê, porém, de vós, de vosso nome,
e gozo a dor que aos poucos me consome;
tanto me apraz sofrer por vós, Senhora.
–––––––––––––––


Benjamim Silva
(Cachoeiro do Itapemirim/ES, 20 julho 1886 – Rio de Janeiro, 10 junho 1954)

" ROMPIMENTO "


Entre nós dois está tudo acabado.
Está tudo acabado entre nós dois:
tu partirás agora para um lado,
para outro lado eu partirei depois.

Que desse nosso amor desventurado
a que um destino mau se contrapôs,
nada fique que o faça relembrado
que tudo, enfim, desapareça, pois!

As nossas camas, da última à primeira;
as flores a os retratos que guardamos;
queimemos tudo numa só fogueira!

Destruídas todas as recordações,
só nos resta - de tudo que trocamos
queimar também os nossos corações!
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Bento Ernesto Junior
(Itapecerica/MG, 25 agosto 1866 – São João Del Rey/MG, 9 janeiro 1943)

" SONETO "


A vida, meu amor, que hoje passamos
só pode ser com lágrimas descrita,
tão grande a dor que o peito nos habita,
tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
os olhos, sob o peso da desdita,
que tudo que ante nos vive a palpita,
tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
nasce de havermos nos amado tanto!

Porém, embora, a amar tanto soframos,
cada vez mais, amada, nos queremos,
cada vez mais, querida, nos amamos.
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Bernardo de Oliveira
(Irmão do poeta Alberto de Oliveira)
(Saquarema/RJ, 1861 – 1943)

" ESTRELA MATUTINA "


Negros olhos belíssimos, rasgados,
como os das águias, vivos, penetrantes,
na paz - serenos, meigos, - mas, irados,
podem fundir rochedos e diamantes.

Também negros cabelos ondeantes;
boca pequena, lábios nacarados;
alvos dentes; de mármore talhados
os braços são, e os seios, ofegantes.

E o corpo inteiro; as faces purpurinas.
É uma formosa matutina estrela,
fulgurando entre as névoas matutinas.

E' uma deusa de Rubens sobre a tela,
tem a morte e o amor sob as retinas . . .
E eu tenho a vida nos olhares dela!
––––––––––––––––-


Bonfim Sobrinho
(José da Silva Bonfim Sobrinho)
(Fortaleza/CE, 19 março 1875 – 22 junho 1900).

" NOIVADO FÚNEBRE "


Negra tristeza meu semblante encova
ó noiva amada, lírio meu fanado.
Por que não vamos na mudez da cova
em círios celebrar nosso noivado?

Nos sete palmos desse leito amado,
ao frio bom de uma volúpia nova
há de embalar o nosso amor gelado
o coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos gélidos, inermes,
em demorados e famintos beijos
serão depois roídos pelos vermes...

E do leito final que nos encerra
em plantas brotarão nossos desejos
e o nosso amor, em flores, sobre a terra.
Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

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