quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite)


Segundo espetáculo do Teatro Cacilda Becker, a estréia da obra-prima do autor norte-americano Eugene O'Neill, inédita no Brasil, cria intensa expectativa na elite cultural brasileira e o espetáculo transforma-se em um grande acontecimento.

A montagem deveria inaugurar as atividades do Teatro Cacilda Becker - TCB, mas a companhia é obrigada a estrear com texto de autor nacional, obedecendo a uma lei de 1953 que exigia das novas companhias dramáticas que encenassem peças de dramaturgos brasileiros em seus primeiros espetáculos. Mesmo assim, enquanto prepara O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna, a equipe ensaia Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a peça à qual a companhia dedica o maior período de elaboração em toda a sua trajetória. 

O texto encarna o gosto de uma geração que descende do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, e que se afina com o teatro europeu, valorizando a obra literária como expressão cultural e histórica. Nesse teatro, a qualidade da direção está em ser imperceptível: seu desafio é materializar em cena a expressão do sentido humano e poético do texto. Eugene O'Neill é um dos autores mais cultuados daquele momento e, o teatro, a manifestação artística mais propícia a aglutinar jornalistas, intelectuais e artistas em um acontecimento social. 

A peça conta a história da família do ator James Tyrone, que desperdiçou seu talento, repetindo-se no papel do Conde de Monte Cristo, está reunida em sua casa de campo, durante o verão, quando as temporadas teatrais são suspensas. Mary Tyrone, sua esposa, acaba de voltar de um período de cura e todos esperam que ela evite recaídas no uso de morfina, da qual se tornara dependente devido ao tratamento ministrado por um mau médico depois do parto de um dos filhos. A avareza de James Tyrone sacrifica também James Tyrone Jr. e Edmund Tyrone, alter-ego de Eugene O'Neill. Ao longo de um dia, todas as tensões e ressentimentos da família emergem e, quando a noite chega, Mary já está mergulhada em seu delírio, por não suportar a realidade, especialmente a doença do caçula Edmund, cuja tuberculose acaba de ser diagnosticada. 

Os críticos, são unânimes em exaltar o mérito e a honestidade do empreendimento, o desempenho dos atores, a intimidade do diretor Ziembinski com o estilo psicológico, que lhe permite criar uma ampla variedade de climas. "A Companhia Cacilda Becker, pelo valor dos seus elementos, é provavelmente a primeira do teatro brasileiro atual. Queremos dizer com isso que nenhum, entre os nossos jovens conjuntos, possui igual experiência, igual número de primeiras figuras. Este espetáculo vale também por demonstrar que os seus diretores sabem compreender a responsabilidade que lhes pesa sobre os ombros, ao escolher, para estréia em São Paulo, um texto de enorme valor e de interpretação dificílima".1 Ao mesmo tempo, as críticas mostram pouco entusiasmo no que diz respeito ao resultado. Cacilda Becker, que aos 37 anos interpreta uma mulher de 54, Mary Tyrone, tem um de seus momentos de maior brilho. Mas até mesmo em relação ao seu desempenho e ao de Walmor Chagas há discordância. Enquanto alguns consideram que a atriz realiza uma de suas melhores interpretações, outros afirmam que ela parece menos convincente que nas atuações anteriores e atribuem o problema ao monocórdio da voz, embora todos reconheçam que ela tem emoção e força. "Cacilda Becker é Mary Tyrone. A sua maneira de encarar e resolver a personagem não se assemelha à de Florence Eldridge, criadora original do papel em Nova York. Cacilda, levada pelo seu temperamento, é menos sonhadora, menos fora da realidade, mais atuante, mais incisiva, mais presente, mais de carne e osso, mais afirmativa e dramá¬tica. O resultado, entretanto, a quantidade final de emoção, se assim ios dizer, é igual, elevadíssima em ambos os casos - exceto na cena final, a da 'loucura de Ofélia', como a classifica cruelmente James Tyrone Jr., que se presta melhor à linha desenvolvida por Florence Eldridge. Em suma, uma grande criação dramática da nossa maior atriz".2 Paulo Francis escreve que em determinada cena há um movimento de cabeça da atriz que "vale mais do que meia hora de conversa de O'Neill".3 A Associação Brasileira de Críticos Teatrais - ABCT, considera Cacilda Becker a melhor atriz daquele ano e Ziembinski o melhor diretor.

O espetáculo não obtém, no entanto, o êxito esperado. A temporada é interrompida ao fim de cinco semanas. A historiadora Maria Inez Barros de Almeida avalia sua importância histórica: "Na verdade, não se realizando o desejado êxito, realizou-se uma aventura artística que valeu por si mesma. As gerações da época sabiam que algo de muito intenso tinha sido tentado. O espetáculo preservou-se na memória dos contemporâneos como um ponto de referência, mesmo que tenha sido para negá-lo como obra plena".4

Notas

1. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 124.

2. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 122.

3. FRANCIS, Paulo. In: ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987, p. 28.

4 ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987. p. 30.

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