quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Casimiro de Brito (Poesias Escolhidas)

A PAZ

Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz limpa dos frutos, oque me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?

Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda
do meu exílio, Perdoa-me se não te peço
a paz.
apenas pergunto: - O que me darias
em troca se te pedisse? O Sol? A Sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes? Um campo de batalha
para nele gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranqüila,
no centro do coração?

Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza. Falo de mim,
entrego-te o meu destino. E a morte vivo
Só de pergumtar-te: - O que me darias
se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero construída
com as matérias vivas da liberdade?
===

LIVRO DAS QUEDAS

Se o mundo não tivesse palavras
a palavra do mar, com toda a sua paixão,
bastava. Não lhe falta
nada: nem o enigma nem
a obsessão. Entregue ao seu ofício
de grande hospitaleiro
o mar é um animal que se refaz
em cada momento.
O amor também. Um mar
de poucas palavras.

UM CORPO UM PAÍS

primeira biografia

 Frente ao mar
meu corpo ardente e nu de marinheiro pelo sangue.
Fervem-me nas veias
um milhão de ondas em repouso
Em meus olhos cativos e saudosos
— imagem da minha solidão imensa —
o abraço que me une a ti
                                      ó mar
deus pagão de olhar luminoso e belo!

 Recebe ó mar este afluente silencioso
que para ti corre
     e contigo se confunde:
o líquido cantão canto a quem me ligo
pelo drama de não ser só teu.

 PORTUGAL

(campo de concentração)

 Ocupado país ocupado e seco
  pelas unhas do sono
    e da usura
  pelo espinhento abandono
    da terra
pelas grades agressivas da Espanha
   e do mar
  sempre em volta

                           (a caminho da Europa)

 Transparente país despovoado
ao sol deitado

    Transparente país por fazer

    Entre paredes deixado
a apodrecer

LIBERDADE

 Como se de asas de tratasse
invoco teu nome liberdade.

 Procuro nos teus seios de lava
palavras nuas à beira da morte.

 Âncoras de sol,
frutos indistintos que prometam
um porto com a forma do corpo.

DA PEQUENA MORTE

 Alimento a tua pele silenciosa
enquanto renovas a paz do meu sangue
a morte o sismo a transparente crueldade
onde naufragamos agora

o pão e o sol e o canto inventamos

 A noite convoca o arco distendido
a ponte reconstruída dos corpos

Alimento com minha armas vagarosas
âncoras de sangue do mar libertas
a luz que nos unes até aos ossos até
ao núcleo em que terra e fogo desfazem
no corpo a pequena visitação da morte

 ESPAÇO CRUEL
 Neste espaço cruel
onde me perco onde encontro
neste espaço cruel onde o deserto
nos dá por companhia os próprios ossos
e a morte reflete a nudez de quem
no amor viajado contempla
de frente o sol

 Neste espaço cruel onde dos ossos somos deserto a própria companhia
e nos perdemos se nos
encontramos

 Neste espaço cruel
a morte nos domina e a morte
dominamos

DISSOLUÇÃO DO CORPO

Que mais tens para vender (estátua
De pequena estatura) além
Do pó? O que tens de comum com a morte
De teus irmãos? Viveste
Em caves sem lenha, bebeste
O vinho da ira, a neve
Do exílio — mas canta! Nem só pelo pão
Vive o homem; nem só de
Música. Também a posse mineral do silêncio
Te alimenta — a sombra venerável
Do sangue. Assim se destilam
Medo & cólera — bússolas esculpidas
Nas praias desertas
Do corpo. Ajustam-se
Os elementos cruciais
Da guerrilha; a explosão
Do sono; a vertigem colectiva desse fogo
Em oceanos de usura roubado, em ácidas matérias
 Silenciado— cinza pobre, arestas de cristal
Num corpo indissoluto. Armas
Sem lirismo
As tuas! Lâminas nuas
À beira da morte ah mas eu já não sei
Se vida ou morte existe — sílabas
Aguçadas no fermento quotidiano! Cantas —
Canto para limpar o tempo mínimo
Da estátua mais feminina, espátula
Sem repouso. Denuncias a memória
Dos tempos — desenvolves a fórmula
De onde se desprendem o júbilo, frutos luminosos e sal
Fresco
Por lacónicos materiais violentado. Águas
Sentadas
De povos, nações e línguas. Armas
Do vento as tuas — árida
Ariadna…

Fontes:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/068-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/portugal/casimiro_de_brito.html

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