sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Soares de Passos (Desengano)

Vejo-a ainda! ressurge a meus olhos
Como em tempos ditosos surgia,
E, qual anjo de casta poesia,
Desce às vezes num sonho d'amor;
Vejo-a ainda nos céus e na terra,
Nos encantos e risos da aurora,
E, se o dia nas ondas descora,
Das estrelas no meigo fulgor.

Era a luz que brilhava em minha alma,
Era o astro que em sombras luzira,
Era o fogo sagrado que a lira
Às doçuras d'amor acordou...
Tudo c findo; debalde nas trevas
Busco ainda seu facho luzente:
Foi apenas um astro cadente,
Meteoro fugaz que passou.

Pobre seio que ardente pulsaste
Embalado por falsas venturas,
O fanal que na terra procuras
Sobre a terra jamais acharás.
Não há seio que entenda no mundo
Esse ardor de teus vagos anelos;
Não há luz que em seus raios mais belos
Não te esconda uma sombra falaz.

Que te resta? um futuro vazio
D'ilustres que nutriu a esperança,
E um passado de triste lembrança
Como é triste a verdade sem véu...
Olvidar! olvidar! que ao presente,
Ai! só cabe o repouso do olvido.
Olvidar! e que em gelo sumido
Seja o fogo que em chamas ardeu!

Sonho belo, que esta alma iludiste,
Chama ardente nos céus ateada,
Voa, voa à celeste morada!
Lá nasceste, do mundo não és.
E tu, lira de lânguidas cordas,
Que de amor suspiraste em desleixo,
Vai, oh, vai! em silêncio te deixo...
Vai, oh, vai para sempre talvez!

Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

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