quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Santos Dumont (O Que Eu Vi, o Que Nós Veremos) Parte 5

Melhorado pelas necessidades e exigências da guerra, o aeroplano — desviado dos fins destruidores — provará o seu incalculável valor como instrumento dos objetivos úteis da raça humana. No momento atual é bem possível que qualquer dos atuais grandes aparelhos possa fazer viagens de Nova York a Valparaíso, ou de Washington ao Rio de Janeiro. Um ponto de abastecimento de combustível poderia ser facilmente instalado em cada 600 milhas de percurso.
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A principal dificuldade para a navegação aérea está no progresso precário dos motores. Francamente, o motor atual ainda não atingiu o que deveria ser. O aeroplano em si desenvolveu-se mais rapidamente que o motor.

Penso, entretanto, que, em breve, o motor do aeroplano se aperfeiçoará a tal ponto que não terá maiores imperfeições que os dos melhores e mais perfeitos automóveis, hoje fabricados.

Atualmente, um motor de aeroplano precisa ser relativamente leve e, ao mesmo tempo, resistente a grande trabalho contínuo.

Já o aço tem sido melhorado e tornado mais resistente por processos especiais; ninguém sabe até que ponto poderíamos continuar a melhora-lo ainda. Se inventores como Edison, Tesla, Henry Wise Wood, Spery, e Curtis, etc., dedicassem sua energia a este assunto, estou convencido que em pouco tempo teríamos um motor perfeitamente satisfatório.

Outra dificuldade, que se apresenta à navegação aérea, é a de localizar-se o aeroplano. É agora impossível o uso do sextante nos ares.

Creio que um horizonte artificial, produzido por meio de um espelho, mantido em posição horizontal por um giroscópio, resolverá este problema. Com a aplicação do giroscópio os cientistas têm conseguido resultados maravilhosos. Não somente um aeroplano pode ser hoje mantido em equilíbrio, por meio de um giroscópio, como um grande vapor.
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Com o motor aperfeiçoado e meios precisos de guiar seu curso, o aeroplano está certamente predestinado a figurar como um dos fatores mais importantes no desenvolvimento do comércio e na aproximação das nações que se acham separadas pelas grandes distâncias.

Os países onde faltaram as boas estradas de rodagem foram, creio, os primeiros a adotar as estradas de ferro.
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Nos países novos da América do Sul, não há abundância de estradas de ferro.

Há cidades a tal altitude que a estrada de ferro dificilmente as poderia atingir, e é a essas cidades que o aeroplano levará a civilização e o progresso.
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Prevejo uma época em que se farão carreira regulares de aeroplano, entre cidades sul-americanas, e também não me surpreenderá se em poucos anos houver linhas de aeroplanos funcionando entre as cidades dos Estados Unidos e a América do Sul.
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Além das vantagens provenientes da aproximação dos países sul-americanos entre si e com os Estados Unidos, há ainda um ponto para o qual chamo vossa atenção. Todos os países europeus são velhos inimigos e aqui no Novo Mundo devemos ser todos amigos. Devemos estar habilitados a intimidar qualquer potência européia que pretenda guerra contra um de nós, não pelos canhões, dos quais temos tão pequeno número, mas sim pela força da nossa união. No caso de uma guerra contra uma potência européia nem os Estados Unidos, nem, tampouco, qualquer dos maiores países sul-americanos, nas atuais condições, poderia convenientemente proteger suas extensas costas. Seria irrealizável a proteção das costas brasileira e argentina por uma esquadra.

Unicamente uma esquadra de grandes aeroplanos, voado a 200 quilômetros por hora, poderia patrulhar estas longas costas... Aeroplanos de reconhecimento poderão descobrir a aproximação da esquadra hostil e prevenir os seus navios de guerra para a luta.
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Estarei eu falando de coisas irrealizáveis?

Lembrai-vos de que há dez anos ninguém me tomou a sério. Agora temos ocasião de observar o que tem feito o aeroplano na Europa, fazendo reconhecimentos, dirigindo batalhas, movimento de tropas, atacando o inimigo e defendendo as costas.
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A falta de comunicação nos antigos tempos foi a origem básica de uma Europa desunida e em guerra.

Esperemos que a navegação aérea traga a união permanente e a amizade entre as Américas.
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Aqui acabo de expor, em resumo, o que eu disse na minha conferência de Washington, e não tenho razão de desdizer-me. Pelo contrário, cada vez mais, creio maior e mais próximo o futuro da navegação aérea. As revistas especiais que recebo falam constantemente do problema da travessia do Atlântico. Podemos pois dizer que a idéia está no "ar"; é pois uma questão talvez de meses e, então, saberemos que um aeroplano partido do Novo Mundo foi ter ao Velho em talvez um dia! Colombo para fazer a viagem em sentido inverso levou 70. Saberemos também que 3 ou 4 audaciosos que pilotavam essa máquina, sofreram muito do frio, da chuva, etc., porém, cara leitor, tenhamos um pouco de paciência; em breve existirão transatlânticos aéreos com quartos de dormir, salão e também, o que é muito importante, governados automaticamente por giroscópios e acionados por vários motores com um grande excedente de força, para o fim de, em caso de avaria em um deles, serem os outros bastante poderosos para manter o vôo do aparelho.

Um pouco de paciência!

Quem ler o n.º 1 de "Je sais tout", 1905, verá que em meu artigo publicado nesse número eu dizia: "La guerre de l'avenir se fera au moyen de croiseurs aériens rapides se tenant à d'inaccessibles hauteurs, et bombardant à leur guise les forts, les armées et les vaisseaux". Este artigo foi ridicularizado por alguns militares.

Haverá hoje, talvez, quem ridicularize minhas predições sobre o futuro comercial dos aeroplanos. Quem viver, porém, verá.
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Esta minha conferência de Washington foi bem aceita e eu creio que uma das provas está em me ter o Aero Club da América, logo após ela, convidado para representa-lo no Congresso Pan-Americano de Aeronáutica, que se ia reunir no Chile. Aceitei esta honra e parti disposto a tudo encontrar no Chile: tinha conhecido em Paris a sociedade chilena e a sabia a mais amável do mundo; tinha ouvido falar nas belezas naturais do Chile, ia pois vê-las. Ia ver os Andes, ia ver muita coisa, tudo, menos aeroplanos. Era a minha expectativa. Faça, pois, o leitor idéia do meu espanto quando logo ao meu desembarque e em uma festa que organizaram em minha homenagem, voaram mais de 12 aparelhos e os mesmos aparelhos com aviadores diferentes!! Chegando a Santiago fui visitar o campo de aviação do exército, esplendidamente bem escolhido. À minha vista, os oficiais aviadores voavam e pousavam com a maior perícia. O meu espanto ainda foi maior quando me mostraram as usinas de construção, propriedade do exército e que são contíguas ao campo!!

Parecia que eu estava de novo nos arrabaldes de Paris!! Um dos oficiais presentes, com a maior naturalidade do mundo, convida-me para voarmos até Valparaíso, que se achava a 150 quilômetros e, para ir lá, era necessário passar por cima de parte dos Andes; aceito, e hora e meia depois lá estávamos!

O trabalho, a perícia, a capacidade e o sucesso destes nossos amigos do Pacífico só é excedida pela sua modéstia, pois é verdade, não perderam momento de me pedir conselhos, ora sobre hidroaviões; quando nas usinas, sobre material, madeiras nacionais, possibilidades de aperfeiçoamentos, etc. Querem aperfeiçoar-se e deram-me a honra de acreditar-me um especialista na arte.

De lá passei à Argentina, onde de novo encontrei um grande entusiasmo pela aeronáutica e também um grande resultado obtido; aí, porém, a aviação é muito facilitada pela topografia do país. Não sei o número de pilotos que há ali, mas é o que há de mais comum encontrar moços da alta sociedade que tem carta de piloto.
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Devo aqui fazer um elogio aos nossos amigos do Prata que, podendo encontrar facilmente um bom terreno para aeródromo, a 10 minutos de Buenos Aires, o foram escolher a algumas horas da cidade, para o terem ótimo, obrigando os oficiais e discípulos a lá viver e estar de pé ao nascer do sol, que é a hora das aulas!

Lá vi também um curso para oficiais observadores!
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Houve, entre os aeronautas argentinos e chilenos, uma rivalidade esportiva, em que se empenhavam para ver quem primeiro atravessaria os Andes. Era uma prova difícil, de cuja realização muitas honras viriam para a aeronáutica sul-americana.

Dois argentinos, os Srs. Bradley e Zuloaga, conseguiram fazer essa travessia.

Partidário que sempre fui da aproximação do Brasil e da Argentina e, seguro de interpretar os sentimentos dos meus patrícios, saudei-os em nome dos brasileiros, por ocasião da sua chegada a Buenos Aires, vindos do Chile pelo caminho dos ares.

Desse discurso aqui transcrevo algumas frases em homenagem a esse arrojado empreendimento daqueles dois filhos do povo amigo:

Bradley, Zuloaga:

Yo os saludo:

Para vosotros, que ayer fruisteis saludados por los condores, mi saludo es insignificante.
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Hoy, al cruzar los mares, pensamos en Colon... Mañana, los navegantes del espacio, al cruzar los Andes, recordaran los nombres de San Martin, Bradley y Zuloaga y diran: "Por aquí, dos veces, los argentinos passaron los primeros".
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En su "leyenda de los Siglos" Victor Hugo dice: "Car, devant un héros, la mort est la moins forte."

Vosotros habeis probado que el poeta tenia razon. Bravo!

Yo puedo assegurar os que veinte millones de corazones brasileños os han aplaudido.

Grande interesse, pois, no Chile e Argentina; nos Estados Unidos esse interesse chega quase ao delírio.

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Depois de ter visto o interesse extraordinário que tomam pela aeronáutica todos os países que percorri, e vendo o desprezo absoluto com que a encaravam entre nós, falou mais alto que minha timidez o meu patriotismo revoltado e, por duas vezes, me dirigi ao Sr. Presidente da República.

Há dois anos, fiz ver a S. Exa. o perigo que havia em não termos, nem no Exército, nem na Marinha, um corpo de aviadores. Há um ano, escrevi uma crítica e apresentei um exemplo a S. Exa.

Nestas notas, eu assim dizia: Leio que o governo vai, de novo, tomar posse do Campo dos Afonsos, onde será instalada a Escola Central de Aviação do Exército, e que a Marinha vai transportar para a Ilha do Governador a sua escola.

continua…

Fonte:
Universidade da Amazônia
NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Belém – Pará
www.nead.unama.br

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