Formatação por J. Feldman com imagens obtidas na internet |
COMÉRCIO
comprar tempo
em barras
– como ouro
ou sabão –
e estocá-lo
nos armazéns
da cobiça
instituir
o próspero
comércio
da eternidade
e abrir as
portas
para nova
e concorrida
profissão:
ladrão
de tempo
PUNHOS
o tempo tem punhos
de renda
e toda a cerimônia dos
carrascos
na mão direita três
punhais:
ponteiros de metal
cravados
na pele fria de cada
hora que vai
PÊNDULO
o braço do pêndulo
nunca se agita
apenas acena sem
ênfase
em compasso de
despedida
MARGARIDA
na margarida
do relógio
desfolho
uma a uma
as pétalas do dia
nesse jogo
de sal e saibro
toda pétala
a mais é
vida a menos
e toda flor
malmequer
FIDELIDADE
só a pedra é fiel
a sim mesma:
a lesma {e seus
coleios}
a lesma {e sua
gosma}
de molusco} é
sempre
o avesso do que
se supõe
mas a pedra ¿não
será ela
mesma uma forma
dura de lesma?
ANATOMIAS
anatomia de coisas
desnudar
o pássaro de vidro
e ver em seu lado
oculto
o outro lado
de seu vulto
dissecar
vozes
sombras descalças
e perquirir
a substância
escassa que principia
na polpa
branca do dia
flagrar a ânsia
do relógio
e a cadência
dessa máquina
humana
fotografar
a permanência
da chama
anatomia do gesto
dobrar a esquina
de mim mesmo
olhar pra trás
e ainda
enxergar
o resto de
meu gesto
tonto
PÁSSARO DE VIDRO (2)
quanto mais escancaras
teu íntimo de vidro
quanto mais descortinas
o avesso dos sentidos
mais o que revelas
deixas escondido
PÁSSARO DE VIDRO (3)
o pássaro é cego
e cego é quem
se agita
em seu espaço
ambíguo
esse espaço
de incessante
tarde nua
onde o vôo
risca um traço
branco
de vidro no vidro
ANJO MURITIBANO
sim, uma vez
vi um anjo
nada dos anjos
católicos
gabriéis
armados e vingativos
nada dos anjos
de Rilke
alemães terríveis
meu anjo
sem asa
e sem palavra
não foi visto num castelo
em Duíno
mas numa casa
chã e rasa
em Muritiba
era um anjo
pequenino
morto morto
placidamente morto
estava numa
caixa de sapatos
SÁBADO
cavalos burros
jumentos
na rua:
é dia de feira
no paralelepípedo
a pata do quadrúpede
acende uma centelha
CANÇÃO DE MÁRIO E FERNANDO
estética e angústia
traços-de-união
entre dois orpheus
desencontrados
um sem biografia
o outro sem história
arte longa curta vida
— e ambos viraram
sílabas
sombras fugidias
sobre as águas
do Tejo ou do Sena:
a vida escrevivida
vale a pena?
orpheus na sala
de espelhos
divididos
multiplicados
ai tortuosa
aritmética da alma
1 é número múltiplo
CÃMERA
How you die is the most
important thing you ever do.
Thimoty Leary
uns preferem
a morte discreta
asséptica
sem vexame
outros apostam
no alvoroço:
enxame
de câmeras até
o osso do nada
thimothy leary
guru
lisérgico não quis
o analgésico
do silêncio
morreu em show
cibernético
câmera aberta
para o olho
poente
ESFINGES
Alguns, prudentes, não falam com estranhos.
Outros, muito práticos, dizem apenas o necessário
Para o bom andamento dos negócios.
Alguns, calmos e sérios, fecham portas e janelas.
Outros, afoitos, ou filhos de um deus sem-terra,
Oferecem biscoitos, talvez flores, e longa prosa.
De todos, quem sorri com mais dentes de ouro?
quem finge? quem vê no espelho sua própria esfinge?
Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/carlos_machado.html
comprar tempo
em barras
– como ouro
ou sabão –
e estocá-lo
nos armazéns
da cobiça
instituir
o próspero
comércio
da eternidade
e abrir as
portas
para nova
e concorrida
profissão:
ladrão
de tempo
PUNHOS
o tempo tem punhos
de renda
e toda a cerimônia dos
carrascos
na mão direita três
punhais:
ponteiros de metal
cravados
na pele fria de cada
hora que vai
PÊNDULO
o braço do pêndulo
nunca se agita
apenas acena sem
ênfase
em compasso de
despedida
MARGARIDA
na margarida
do relógio
desfolho
uma a uma
as pétalas do dia
nesse jogo
de sal e saibro
toda pétala
a mais é
vida a menos
e toda flor
malmequer
FIDELIDADE
só a pedra é fiel
a sim mesma:
a lesma {e seus
coleios}
a lesma {e sua
gosma}
de molusco} é
sempre
o avesso do que
se supõe
mas a pedra ¿não
será ela
mesma uma forma
dura de lesma?
ANATOMIAS
anatomia de coisas
desnudar
o pássaro de vidro
e ver em seu lado
oculto
o outro lado
de seu vulto
dissecar
vozes
sombras descalças
e perquirir
a substância
escassa que principia
na polpa
branca do dia
flagrar a ânsia
do relógio
e a cadência
dessa máquina
humana
fotografar
a permanência
da chama
anatomia do gesto
dobrar a esquina
de mim mesmo
olhar pra trás
e ainda
enxergar
o resto de
meu gesto
tonto
PÁSSARO DE VIDRO (2)
quanto mais escancaras
teu íntimo de vidro
quanto mais descortinas
o avesso dos sentidos
mais o que revelas
deixas escondido
PÁSSARO DE VIDRO (3)
o pássaro é cego
e cego é quem
se agita
em seu espaço
ambíguo
esse espaço
de incessante
tarde nua
onde o vôo
risca um traço
branco
de vidro no vidro
ANJO MURITIBANO
sim, uma vez
vi um anjo
nada dos anjos
católicos
gabriéis
armados e vingativos
nada dos anjos
de Rilke
alemães terríveis
meu anjo
sem asa
e sem palavra
não foi visto num castelo
em Duíno
mas numa casa
chã e rasa
em Muritiba
era um anjo
pequenino
morto morto
placidamente morto
estava numa
caixa de sapatos
SÁBADO
cavalos burros
jumentos
na rua:
é dia de feira
no paralelepípedo
a pata do quadrúpede
acende uma centelha
CANÇÃO DE MÁRIO E FERNANDO
estética e angústia
traços-de-união
entre dois orpheus
desencontrados
um sem biografia
o outro sem história
arte longa curta vida
— e ambos viraram
sílabas
sombras fugidias
sobre as águas
do Tejo ou do Sena:
a vida escrevivida
vale a pena?
orpheus na sala
de espelhos
divididos
multiplicados
ai tortuosa
aritmética da alma
1 é número múltiplo
CÃMERA
How you die is the most
important thing you ever do.
Thimoty Leary
uns preferem
a morte discreta
asséptica
sem vexame
outros apostam
no alvoroço:
enxame
de câmeras até
o osso do nada
thimothy leary
guru
lisérgico não quis
o analgésico
do silêncio
morreu em show
cibernético
câmera aberta
para o olho
poente
ESFINGES
Alguns, prudentes, não falam com estranhos.
Outros, muito práticos, dizem apenas o necessário
Para o bom andamento dos negócios.
Alguns, calmos e sérios, fecham portas e janelas.
Outros, afoitos, ou filhos de um deus sem-terra,
Oferecem biscoitos, talvez flores, e longa prosa.
De todos, quem sorri com mais dentes de ouro?
quem finge? quem vê no espelho sua própria esfinge?
Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/carlos_machado.html
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