segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Soares de Passos (À Morte do meu Amigo Licínio F. C. de Carvalho)

Morreste, amigo, partiste
Desta mansão passageira!
Bem depressa da carreira
Tocaste a meta fatal!
Com a folhagem dos bosques
Gelou-te o vento do outono,
E dormes o longo sono
Do teu leito sepulcral!

Já tua mão extremosa
Não aperta a mão do amigo
Que tantas vezes contigo
Em sonhos vãos delirou.
No seio da fria terra
Já não me escutas nem falas,
Contando lutos ou gaias
Do teu viver que passou.

Oh! quantas vezes, imersos
Nesses íntimos enleios
Que fazem um de dois seios,
Sentimos horas fugir!
Quantas, sonhando horizontes
De poesia, amor, ou glória,
Numa expansão transitória
Criamos longo porvir!

E morto jazes, ai! morto,
Sem poder de teus anelos
Realizar os sonhos belos,
Cruzar a vasta amplidão?
Morto sem ter dito ao mundo
A palavra augusta e santa
Que a turba ansiosa espanta,
E que é do génio o condão?

Morto à luz da tua aurora
Sem que à luz da tua sesta
Pudesses, na hora funesta,
Sorrir ao passado teu?
Morto, ai, morto sem ter ganho
Mais lágrimas de saudade,
Tão doces à soledade
Daquele que já morreu!

Deus! se a vida é campo ameno
Onde se vem colher flores,
Porque, do sol aos fulgores,
Não se hão-de as flores colher?
Se é deserto ingrato e rude,
Onde não brota uma fonte,
Porque há-de em nosso horizonte
A luz do dia nascer?

Mas dorme, descansa, amigo,
Que a vida é o deserto às vezes...
Estrada de mil reveses,
E de voragens fatais...
E que é o poeta? o viajante
Que fere os pés nos abrolhos,
Enquanto levanta os olhos
Às regiões divinais.

Ave estrangeira que passa
Neste clima proceloso,
Com seu canto mavioso
Levando as turbas d'após;
Mas que chora de saudade
Por sua pátria querida,
Té que afinal abatida
Cai sem alento e sem voz.

Descansa! no frio leito
De teu eterno repouso
Não te irá o sol formoso
Cada manhã despertar;
Mas também, da aurora à noite,
Não calcarás os espinhos
Que em teus agrestes caminhos
Verias da flor a par.

Lá não irão festejar-te
Ruidosos ecos do mundo,
Que dizem, no som profundo,
Qual é do génio o poder;
Mas também tuas coroas
Não regarás com teu pranto,
Nem a inveja em negro manto
Tua estrela há-de envolver.

Descansa! que digo! surge!
Ergue-te à luz, ó poeta,
E revoa aonde inquieta
Te levava a inspiração!
Sonhaste mundos brilhantes,
Sonhaste amor e poesia:
No país do eterno dia
Vai colher teu galardão!

Vai! das plagas do desterro
Eis-te afinal resgatado:
Procura regenerado
A pátria que te sorri!
Lá terás as harmonias
Que soltam milhões d'esferas,
E florentes primaveras
Quais não terias aqui.

Lá goza! lá, sacudido
Sobre a terra o térreo manto,
Desprende teu novo encanto
De novos sóis ao fulgor!
E, se lá pode chegar-te
Esta nota de saudade,
Escuta a voz da amizade
Entre os mil hinos do amor!

Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

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