"ALVÍSSARA"
Ele falava em torres
ela pensava em nuvens.
Ele cruzava rios
dificeís, altiplanos,
os sábios pensamentos.
Ela, sirgo e cetim
fiava as camisinhas
limiar da promessa
do menino do sim.
Nos dias tão azuis
a fonte deslumbrada
jorrava luminosa
o excesso claro - riso
desfalecendo em brisa -
morrer, morrer de amor.
" DENTRO DA VIOLETA "
A minúscula ninfa
divaga na piscina:
tênue gota de orvalho.
Eis que chora e descora
a inútil flor dos anos,
de haste assaz quebradiça.
Lança mão da própria
voz que ágil se ilude:
coisas da juventude.
Sente uma dor antiga,
morrerá, se não a der
perdível, na cantiga.
Desventurada lua
se esgarça pela várzea.
Cruéis pressentimentos!
Pardais madrugadores
entrecortam de vôo
o queixoso negrume.
Surge outro novo dia,
quem sabe? traz na fronte
sonhos mais displicentes.
" MODINHA "
O que a boca sugere
e o espelho revela não
é o rosto dela
não é sua emoção.
Esse volteio alado
o riso alcantilado não
é roteiro dela
não é seu timbre usado.
Essa flor no cabelo
o exato poema não
é ornato dela
não é sua canção.
O coração girando
rondós contraditórios
os olhos diluídos
em breu ressentidíssimo.
Esse é o jeito dela
esse é o verso dela.
- Que recato mineiro!
Lágrimazinha dela.
“JOÃO SEBASTIÃO”
João Sebastião
É cruzamento da linha.
Adeus verões, perfil humano,
monólitos, élitros, verdores.
A dinamite do concreto aqui
se realiza.
Bach pulveriza
todo contato terra.
Polifonicamente o órgão mói
todo humano cuidado:
aquilo que exulta e aquilo que dói.
Cuidado!
Sob o sopro ardente do arcanjo
Deixamos sem reticência o qualquer pó
para a nudez maior da claridade.
CARNAVAL
O caminhão do trio elétrico
teve que vir da Bahia
para animar as arquibancadas de aço.
Brilha
Cometa
anúncio de cigarro intergalático.
Os corações espectadores.
Frenesi, pula o trio
sob a chuva
na avenida
vazia à espera da escola
que corta
rio de luz
a massa do público paralisado
na sombra.
Turistas de nós mesmos.
Mas ainda há ainda tem
O Bloco do Barril da Rua Estela
estrela proletária do Jardim Botânico
sambando à beira das inacessíveis moradas.
LIBERDADE
Passo pelo fio
de pérolas do Rossio:
não quero comprar flores
quero ver o rio.
AMOR TIRANO
Invejável clausura
Tem o fauno da fonte
da Avenida da Liberdade.
Não sabe o que é saudade:
ele dura.
PROJETO
Sim, iremos para a América do Sul
para as quadras de tênis vazias
para os parques de diversão silenciosos
movidos pelos anúncios luminosos.
UMA DOR
1.
O vento soprava árvores da esquerda.
Ao fundo, o menino tocava o violão
preso no ombro, como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.
2.
Acordar é fechar as pálpebras.
Nossos olhos só escrevem
por cima, muito por cima.
E quando abrimos as janelas
É só o vento que está ali.
Existe uma dor
solta no mundo.
E eu quero deixar meu emprego, meus cabelos
minha família
para ir atrás dela
bicho com fome.
AMAROAMAR
Montemuro, serra,
vai, coração, erra,
esfacela-te em mágoa
nostálgica de Mozart
no antiqüíssimo quarto
de outra alta paixão
para aumentar a sede
de Deus, e seu falcão.
preza ao céu conceder-te
uma alforria leve
a resvalar na sorte
desta que se quis pura
desta que se quis casta
e cada vez mais se afasta
da seráfica altura.
Pode ser que no escuro
se rompa a trasmontana
porta do puro amor
aorta que me leva
— sangue derramadíssimo —
ao horto felicíssimo
onde um bater de pálpebra
uma treva minúscula
seja morrer: cidade
da afinal claridade.
COMPASSO DE NERVAL
Porque sempre princesa desterrada
a viúva, a quebradiça, a desolada
a esperar a mão que me levante
e me leve e me liberte e me incorpore
a uma feudal jurisdição
onde amada, eu seja sujigada
a pesadas correntes de paixão
que liguem e me larguem
que generosamente domestiquem
minha arredia vontade de fundir-me
num amplo levantamento acompanhado —
ave ditosa que só voe no compasso
da certeza do solo do seu dono.
HIPÓTESE DE MAIO
Sobre a mesa o relógio
anuncia meu tempo
que se desfaz em crivo
de aflito pensamento.
De que jardins me evado
de que amores provenho
de que enredo impreciso
se armara o que estou sendo
entre meus dicionários
fragmentos de retratos
os rútilos canários
enfunadas cortinas.
Os amigos inquietos
o silêncio a aumentar
concêntrico, severo
em torno das conversas
além da ausência,
além dos constantes afetos.
Resíduos de passeios
em paisagens alheias
empinham-se em gavetas —
cartas de amor nos seus
macios envelopes
risadas e conchinhas
a voz que fala sempre
no fundo da sonata
diletantes poemas
todos concordemente
citando o coração
ladeado de flores
zéfiros sorridentes
(e os sabia chorosos).
As gavetas estufam
o que nelas se havia
adquire vida própria
um sitiado encanto
e expulsa da memória
de que participava
com escassa competência
eu, que leve o lembrava.
O conteúdo humano
desse ditoso espólio
palpita, e entretanto
— semicerrados olhos
agitar de cambraia —
invencível o sono
se engolfa na dolência.
Sono maior que o escuro
a corromper a luz
diuturna nostalgia
de um sonho, não sei mais
ao certo o que seria.
Coágulo sombrio
adensando-se em zona
fechada, onde me perco
neste mês-de-maria
pensando o que seria
de mim, no dissolvido
rumor que me povoa
sem conduzir à fala
da sempre poesia
sem revelar o muito
de amar que pretendia
antes de antes, não sei
ao certo o que seria.
Mas bem que perfazia
um circuito profundo
onde a primeira imagem
(início e ata finda)
que ainda se reflete
é a da jovem correndo
pela campina, soltos
cabelos, e as glicínias
a descer pelos ombros
prendendo-se na boca
primavera garrida
pelo azul florentino.
Na mão direita tinha
uma roseira viva
juritis entoavam
campestres ladainhas
e pela transparência
de sua carnação
via-se-lhe o coração
com um só nome gravado
a rubro, fulcro infenso.
Corria na campina
fantástica, e ainda
posso lembrar que em fuga
amava sempre, e ria.
Fontes:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/072-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/lelia_coelho_frota.html
Ele falava em torres
ela pensava em nuvens.
Ele cruzava rios
dificeís, altiplanos,
os sábios pensamentos.
Ela, sirgo e cetim
fiava as camisinhas
limiar da promessa
do menino do sim.
Nos dias tão azuis
a fonte deslumbrada
jorrava luminosa
o excesso claro - riso
desfalecendo em brisa -
morrer, morrer de amor.
" DENTRO DA VIOLETA "
A minúscula ninfa
divaga na piscina:
tênue gota de orvalho.
Eis que chora e descora
a inútil flor dos anos,
de haste assaz quebradiça.
Lança mão da própria
voz que ágil se ilude:
coisas da juventude.
Sente uma dor antiga,
morrerá, se não a der
perdível, na cantiga.
Desventurada lua
se esgarça pela várzea.
Cruéis pressentimentos!
Pardais madrugadores
entrecortam de vôo
o queixoso negrume.
Surge outro novo dia,
quem sabe? traz na fronte
sonhos mais displicentes.
" MODINHA "
O que a boca sugere
e o espelho revela não
é o rosto dela
não é sua emoção.
Esse volteio alado
o riso alcantilado não
é roteiro dela
não é seu timbre usado.
Essa flor no cabelo
o exato poema não
é ornato dela
não é sua canção.
O coração girando
rondós contraditórios
os olhos diluídos
em breu ressentidíssimo.
Esse é o jeito dela
esse é o verso dela.
- Que recato mineiro!
Lágrimazinha dela.
“JOÃO SEBASTIÃO”
João Sebastião
É cruzamento da linha.
Adeus verões, perfil humano,
monólitos, élitros, verdores.
A dinamite do concreto aqui
se realiza.
Bach pulveriza
todo contato terra.
Polifonicamente o órgão mói
todo humano cuidado:
aquilo que exulta e aquilo que dói.
Cuidado!
Sob o sopro ardente do arcanjo
Deixamos sem reticência o qualquer pó
para a nudez maior da claridade.
CARNAVAL
O caminhão do trio elétrico
teve que vir da Bahia
para animar as arquibancadas de aço.
Brilha
Cometa
anúncio de cigarro intergalático.
Os corações espectadores.
Frenesi, pula o trio
sob a chuva
na avenida
vazia à espera da escola
que corta
rio de luz
a massa do público paralisado
na sombra.
Turistas de nós mesmos.
Mas ainda há ainda tem
O Bloco do Barril da Rua Estela
estrela proletária do Jardim Botânico
sambando à beira das inacessíveis moradas.
LIBERDADE
Passo pelo fio
de pérolas do Rossio:
não quero comprar flores
quero ver o rio.
AMOR TIRANO
Invejável clausura
Tem o fauno da fonte
da Avenida da Liberdade.
Não sabe o que é saudade:
ele dura.
PROJETO
Sim, iremos para a América do Sul
para as quadras de tênis vazias
para os parques de diversão silenciosos
movidos pelos anúncios luminosos.
UMA DOR
1.
O vento soprava árvores da esquerda.
Ao fundo, o menino tocava o violão
preso no ombro, como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.
2.
Acordar é fechar as pálpebras.
Nossos olhos só escrevem
por cima, muito por cima.
E quando abrimos as janelas
É só o vento que está ali.
Existe uma dor
solta no mundo.
E eu quero deixar meu emprego, meus cabelos
minha família
para ir atrás dela
bicho com fome.
AMAROAMAR
Montemuro, serra,
vai, coração, erra,
esfacela-te em mágoa
nostálgica de Mozart
no antiqüíssimo quarto
de outra alta paixão
para aumentar a sede
de Deus, e seu falcão.
preza ao céu conceder-te
uma alforria leve
a resvalar na sorte
desta que se quis pura
desta que se quis casta
e cada vez mais se afasta
da seráfica altura.
Pode ser que no escuro
se rompa a trasmontana
porta do puro amor
aorta que me leva
— sangue derramadíssimo —
ao horto felicíssimo
onde um bater de pálpebra
uma treva minúscula
seja morrer: cidade
da afinal claridade.
COMPASSO DE NERVAL
Porque sempre princesa desterrada
a viúva, a quebradiça, a desolada
a esperar a mão que me levante
e me leve e me liberte e me incorpore
a uma feudal jurisdição
onde amada, eu seja sujigada
a pesadas correntes de paixão
que liguem e me larguem
que generosamente domestiquem
minha arredia vontade de fundir-me
num amplo levantamento acompanhado —
ave ditosa que só voe no compasso
da certeza do solo do seu dono.
HIPÓTESE DE MAIO
Sobre a mesa o relógio
anuncia meu tempo
que se desfaz em crivo
de aflito pensamento.
De que jardins me evado
de que amores provenho
de que enredo impreciso
se armara o que estou sendo
entre meus dicionários
fragmentos de retratos
os rútilos canários
enfunadas cortinas.
Os amigos inquietos
o silêncio a aumentar
concêntrico, severo
em torno das conversas
além da ausência,
além dos constantes afetos.
Resíduos de passeios
em paisagens alheias
empinham-se em gavetas —
cartas de amor nos seus
macios envelopes
risadas e conchinhas
a voz que fala sempre
no fundo da sonata
diletantes poemas
todos concordemente
citando o coração
ladeado de flores
zéfiros sorridentes
(e os sabia chorosos).
As gavetas estufam
o que nelas se havia
adquire vida própria
um sitiado encanto
e expulsa da memória
de que participava
com escassa competência
eu, que leve o lembrava.
O conteúdo humano
desse ditoso espólio
palpita, e entretanto
— semicerrados olhos
agitar de cambraia —
invencível o sono
se engolfa na dolência.
Sono maior que o escuro
a corromper a luz
diuturna nostalgia
de um sonho, não sei mais
ao certo o que seria.
Coágulo sombrio
adensando-se em zona
fechada, onde me perco
neste mês-de-maria
pensando o que seria
de mim, no dissolvido
rumor que me povoa
sem conduzir à fala
da sempre poesia
sem revelar o muito
de amar que pretendia
antes de antes, não sei
ao certo o que seria.
Mas bem que perfazia
um circuito profundo
onde a primeira imagem
(início e ata finda)
que ainda se reflete
é a da jovem correndo
pela campina, soltos
cabelos, e as glicínias
a descer pelos ombros
prendendo-se na boca
primavera garrida
pelo azul florentino.
Na mão direita tinha
uma roseira viva
juritis entoavam
campestres ladainhas
e pela transparência
de sua carnação
via-se-lhe o coração
com um só nome gravado
a rubro, fulcro infenso.
Corria na campina
fantástica, e ainda
posso lembrar que em fuga
amava sempre, e ria.
Fontes:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/072-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/lelia_coelho_frota.html
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