domingo, 26 de julho de 2015

Folclore da África (Ossain ou Ossanha)




         Marly Rondan Pinto
Ossanha

Ossanha. Orixá das Ervas…
Guarda as folhas na cabaça.
Muitos segredos preservas.
Pões sucos na minha taça…

Orixá das folhas, ervas:
Alecrim, Boldo e Cidrão.
Proteje nossas reservas.
Livra a Terra da agressão.

É o Orixá da cor verde.
Ossanha habita a floresta.
Quem não a conhece perde…
Da Natureza essa Festa!

Senhor - Senhora das folhas,
Comanda as ervas sagradas.
Tira com elixir as falhas…

Elixir que dá vigor.
Protege nossa saúde.
Ossanha cura esta dor!

Ossain, o senhor das folhas

Ossain recebera de Olodumaré o segredo das folhas.
Ele sabia que algumas delas traziam a calma ou o vigor.
Outras, a sorte, as glórias, as honras, ou, ainda, a miséria, as doenças e os acidentes.
Os outros orixás não tinham poder sobre nenhuma planta.
Eles dependiam de Ossain para manter a saúde ou para o sucesso de suas iniciativas.
Xangô, cujo temperamento é impaciente, guerreiro e imperioso, irritado com esta desvantagem, usou de um ardil para tentar usurpar de Ossain a propriedade das folhas.
Falou do plano à sua esposa Iansã, a senhora dos ventos.
Explicou-lhe que, em certos dias, Ossain pendurava, num galho de lroko, uma cabaça contendo suas folhas mais poderosas.
"Desencadeie uma tempestade bem forte num desses dias", disse-lhe Xangô.
Iansã aceitou a missão com muito gosto.
O vento soprou a grandes rajadas, levando o telhado das casas, arrancando as árvores, quebrando tudo por onde passava e, o fim desejado, soltando a cabaça do galho onde estava pendurada.
A cabaça rolou para longe e todas as folhas voaram.
Os orixás se apoderaram de todas.
Cada um tomou-se dono de algumas delas, mas Ossain permaneceu senhor do segredo de suas virtudes e das palavras que devem ser pronunciadas para provocar sua ação.
E, assim, continuou a reinar sobre as plantas, como senhor absoluto.
Graças ao poder (axé) que possui sobre elas.
–––––––––-

Ossain é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas. A sua importância é fundamental, pois nenhuma cerimônia pode ser feita sem a sua presença, sendo ele o detentor do àse ( o poder ), imprescindível até mesmo aos próprios deuses.
O nome das plantas, a sua utilização e as palavras (ofo), cuja força desperta seus poderes, são os elementos mais secretos do ritual no culto aos deuses iorubás.
O símbolo de Ossain é uma haste de ferro, tendo, na extremidade superior, um pássaro em ferro forjado; esta mesma haste é cercada por seis outras dirigidas em leque para o alto.
Uma história de Ifá nos ensina como “o pássaro é a representação do poder de Ossain. É o seu mensageiro que vai a toda parte, volta e se empoleira sobre a cabeça de Ossain para lhe fazer o seu relato”. Esse simbolismo do pássaro é bem conhecido das feiticeiras, aquelas freqüentemente chamada Elýe, “proprietárias do pássaro-poder”.
A colheita das folhas deve ser feita com extremo cuidado, sempre em lugar selvagem, onde as plantas crescem livremente. Aquelas cultivadas nos jardins devem ser desprezadas porque Ossain vive na floresta, em companhia de Àrònì, um anãozinho, comparável ao saci-pererê, que tem uma única perna e, segundo se diz no Brasil, fuma permanentemente um cachimbo feito de casca de caracol enfiado num talo oco cheio de suas folhas favoritas. Por causa dessa união com Àrònì, Ossain é saudado com a seguinte frase: “Holá! Proprietário-de-uma-única-perna-que-come-o-proprietário-de-duas-pernas!” alusão às oferendas de galos e pombos que possuem duas patas, feitas a Ossain Àrònì, que possui apenas uma perna.
Os Olóòsanyìn, adeptos de Ossain, são também chamados Oníìsègùn, curandeiros, em virtude de suas atividades no domínio das plantas medicinais. Quando eles vão colher as plantas para seus trabalhos, devem faze-lo em estado de pureza, abstendo-se de relações sexuais na noite precedente, e indo à floresta, durante a madrugada, sem dirigir palavra a ninguém. Além disso, devem ter cuidado em deixar no chão uma oferenda em dinheiro, logo que cheguem ao local da colheita.
Ossain está estreitamente ligado a Orunmilá, o senhor das adivinhações. Estas relações, hoje cordiais e de franca colaboração, atravessaram no passado períodos de rivalidade. Algumas lendas refletem as lutas pela primazia e pelo prestígio entre os adivinhos babalaôs e os curandeiros onixegum. Como essas histórias são transmitidas através das gerações pelos babalaôs, não é de estranhar que tendam a glorificar mais Orunmilá, e em conseqüência eles mesmos, do que Ossain e os curandeiros.
Segundo uma lenda recolhida por Bernard Maupoil, “quando Orunmilá veio ao mundo, pediu um escravo para lavrar seu campo; compraram-lhe um no mercado; era Ossain. Na hora de começar seu trabalho, Ossain percebeu que ia cortar esta erva, pois é muito útil”. A segunda curava dores de cabeça. Recusou-se também a destruí-la. A terceira suprimia as cólicas.” Na verdade”, disse ele, não posso arrancar ervas tão necessárias.” Orunmilá, tomando conhecimento da conduta de seu escravo, demonstrou desejo de ver essas ervas, que ele se recusava a cortar e que tinha grande valor, pois contribuíam para manter o corpo em boa saúde. Decidiu, então, que Ossain ficaria perto dele para explicar-lhe as virtudes das plantas, das folhas e das ervas, mantendo-o sempre ao seu lado na hora das consultas”.
Uma outra história de Ifá nos diz que,se é Ossain que conhece o uso medicinal das plantas, é, entretanto, a Orunmilá que cabe o mérito de haver conferido nomes a essas mesmas plantas. Os poderes de cada planta de cada estão em estreita ligação com o seu nome e são despertados por palavras obrigatoriamente pronunciadas no momento de seu uso. Essas palavras são indicadas pelos adivinhos aos curandeiros, fato este que dá aos primeiros uma posição de supremacia sobre os segundos.
Essa superioridade é afirmada numa outra lenda, onde “Oferenda”, filho de Orunmilá, compete com “Remédio”, filho de Ossain. Graças a um artifício imaginado por Orunmilá, seu filho “Oferenda” é declarado vencedor de “Remédio” para mostrar que o poder dos babalaôs é superior ao dos curandeiros. Os babalaôs afirmam assim que, sem o poder liberador da palavra, as plantas não exerceriam a ação curativa que possuem em estado potencial.
Ossain é originário de Irão, atualmente na Nigéria, perto da fronteira com o ex-Daomé. Ele não fez parte dos dezesseis companheiros de Odùduà, quando de sua chegada a Ifé. O papel de curandeiro é assumido aí por Elésje.
Na África, os curandeiros, chamados Olóòsanyìn, não entram em transe de possessão. Eles adquirem a ciência do uso das plantas após uma longa aprendizagem.

Ossain no Novo Mundo
No Brasil, as pessoas dedicadas a Ossain usam colares de contas verdes e brancas. Sábado é o dia consagrado a ele e as oferendas que lhe são feitas compõem-se de bodes, galos e pombos. Seu iaôs, ao contrário daqueles de África, entram em transe, mas nem sempre possuem conhecimento profundo sobre as virtudes das plantas. Quando eles dançam, trazem nas mãos o mesmo símbolo de ferro forjado, cuja descrição já foi feita anteriormente. O ritmo dos cantos e das danças de Ossain é particularmente rápido, saltitante e ofegante. Saúda-se o deus das folhas e das ervas gritando-se: ” Ewé Ô! ” (“Oh! As folhas!”).

Arquétipo
O arquétipo de Ossain é o das pessoas de caráter equilibrado, capazes de controlar seus sentimentos e emoções. Daquelas que não deixam suas simpatias e antipatias intervirem nas suas decisões ou influenciarem as suas opiniões sobre pessoas e acontecimentos. É o arquétipo dos indivíduos cuja extraordinária reserva de energia criadora e resistência passiva ajuda-os a atingir os objetivos que fixaram. Daqueles que não tem uma concepção estreita e um sentido convencional da moral e da justiça. Enfim, daquelas pessoas cujos julgamentos sobre os homens e as coisas são menos fundados sobre as noções de bem e de mal do que sobre as de eficiência.

Fonte:
Pierre Fatumbí Verger. Lendas Africanas dos Orixás.
Pierre Fatumbí Verger. Orixás.

Trova 270 - Dorothy Jansson Moretti (Sorocaba/SP)


Folclore Indígena Brasileiro : Tribo Umutina (Como Surgiram as Doenças)



Os índios Umutinas explicam o surgimento das doenças como uma solução para evitar a superpopulação das aldeias. Naqueles dias antigos, os velhos não morriam de coisa alguma, nem ficavam doentes, nem perdiam os dentes. Como tinham todos os dentes na boca e um apetite de leão, comiam o dia todo sem produzir nada, tirando o alimento até das crianças.
Certa feita, três homens decidiram encontrar uma solução para o problema (sem se darem conta de que um dia eles também seriam tratados como um problema). Foram, então, fazer uma visita à Lua, que entre os índios é homem e se chama Hári.
– Que solução você tem para que não acabe faltando comida para todos? – disse um dos três futuros velhos.
Hári, que era também um feiticeiro, coçou a cabeça e disse:
– Infelizmente não posso ajudar. Procurem Mini.
Mini era o Sol. Os três índios foram para a casa dele. Depois de muito caminhar, chegaram, afinal, ao seu destino.
– Bom dia, Mini. Dê-nos o veneno mais forte que tiver em seu herbanário.
O Sol ergueu as sobrancelhas.
– Veneno para quê?
– Queremos um veneno para acabar com os velhos da nossa aldeia.
– Vocês estão loucos?
– Não, não estamos. É preciso fazer isso ou nossa aldeia inteira morrerá de fome.
Então o Sol reconsiderou e trouxe da sua sala de moléstias uma flecha mágica. Junto com ela vinham várias doenças.
Os índios escutaram atentamente e pareceram satisfeitos.
– Mas, cuidado – alertou o Sol. – Só atirem a flecha depois de se esconderem atrás de uma árvore, pois ela costuma voltar para atingir o seu arremessador.
Como sempre acontece, o aviso fatal entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Tudo quanto eles pensavam era em dar um jeito nos velhos da tribo.
Os três índios andaram e andaram até chegarem, enfim, à aldeia.
– Vamos experimentar esta flecha de uma vez! – disse um dos três.
Após tomar do arco, o arqueiro fez pontaria em um velho que estava sentado embaixo de uma árvore desde o raiar do dia comendo mandioca e milho verde.
Antes de suspender o arco, o arqueiro escolheu uma doença.
Então a flecha não tardou a voar direto no velho. Ela varou o ventre dele e retornou na direção do arqueiro, que só não foi atingido porque lembrou, no último instante, do aviso do Sol.
Os três ficaram escondidos para ver o efeito da seta. Em menos de meio minuto, o velho começou a se sentir mal e acabou morrendo. E assim os três índios saíram escondidos pela aldeia, dando flechadas nos velhos.
Então, certo dia, outro índio resolveu pedir emprestada a flecha mágica para caçar animais.
Na pressa, os três índios esqueceram de avisar a ele sobre o vai e volta da flecha, e o caçador partiu alegremente, sem desconfiar do perigo.
No mesmo dia meteu-se na selva e procurou a melhor caça que pôde.
– Tem de ser um bicho daqueles! – disse a si mesmo, enquanto espreitava.
Não demorou muito e surgiu um veado enorme, maior do que um cavalo. O índio assestou a flecha e soltou a corda. A seta foi até o veado, cumpriu com o seu papel de abatê-lo e retornou até o arqueiro. Como este estava desavisado da volta, em vez de esconder-se atrás de uma árvore, ficou parado no mesmo lugar, recebendo a flechada da volta bem no meio do peito.

Fonte:
Franchini, Ademilson S. As 100 melhores lendas do folclore brasileiro. Porto Alegre/RS: L&PM, 2011.

Os Umutina viviam antigamente na margem direita do rio Paraguai, aproximadamente entre os rios Sepotuba e Bugres. Sua área de domínio, entretanto, estendia-se desde aquelas paragens até o rio Cuiabá. Com a chegada dos não-índios os Umutina deixaram a região do Sepotuba e migraram mais para o norte, passando a viver às margens do rio Bugres, por eles denominado Helatinó-pó-pare, afluente do alto Paraguai.Estão distribuídos em duas aldeias, uma de nome ‘Umutina’, onde vivia a maioria de sua população (420 indivíduos), e a outra, mais recente, é chamada de ‘Balotiponé’, onde moram as outras 25 pessoas, divididas em cinco famílias [dados de 2009]. As aldeias estão localizadas na Terra Indígena Umutina, em uma área de 28.120 hectares homologada em 1989, nos municípios de Barra do Bugres e Alto Paraguai, entre os rios Paraguai e Bugres, em Mato Grosso. A TI está situada em uma faixa de transição da Amazônia e do Cerrado, sendo que este último compreende a maior parte do território.
Eram chamados de Barbados por possuírem ralas barbas, que consideravam sinal de orgulho.
No início do século XX foram descritos como indígenas agressivos e violentos por impedirem pela força, a invasão de seu território tribal, invadido pelos homens brancos.
A pacificação definitiva deu-se em 1911, com o contato realizado pelo Coronel Rondon entre os rios Paraguai e Bugres, que determinou ao Governo do Estado que demarcasse aquelas terras como posse dos Umutina. Apesar disso, o grupo continuou a ser exterminado por parte dos extrativistas da região e também pelas as doenças como a gripe, o sarampo, a tuberculose e a bronco-pneumonia.
A atividade principal do povo Umutina era a agricultura e consistia principalmente do plantio de milho e da mandioca. A pesca era realizada com arco e flecha e as mulheres preparavam os peixes com mingau e pimenta. As caçadas e a coleta de mel, frutos, cogumelos, resinas e ervas medicinal complementavam subsistência do grupo. Hoje, dedicam-se a criação de gado, ao trabalho nas fazendas da região, a venda do pescado e aos projetos agrícolas da FUNAI.
Segundo Harald Schultz os relacionamentos entre os umutinas eram monógamos. Os pais decidiam o futuro esposo de suas filhas e o dia do casamento, quando era realizada uma cerimônia em que o casal pintava o corpo inteiramente de urucu.

domingo, 12 de julho de 2015

Folclore Indígena Brasileiro: Tribo Krahó (Koioeré, o machado cantante)



Os índios krahós, do rio Tocantins, possuíam outrora um machado mágico chamado koieré. Sua lâmina era feita de pedra, em formato de âncora, e ele era usado tanto na guerra quanto nas cerimônias religiosas da tribo.
Os krahós viviam em guerra com seus vizinhos. O seu maior desafeto eram os krolkametrás, uma tribo rival.
Certa feita, as duas tribos estavam se enfrentando, quando uma flechada certeira abateu o portador do machado cantante. O valente guerreiro krahó caiu para um lado, e o machado, para o outro.
Como um raio, o matador correu e apoderou-se da arma.
– Agora o koieré pertence aos krolkametrás! – urrou ele, brandindo no ar o machado.
Finda a matança, todos voltaram satisfeitos para as suas casas, cada lado levando os inimigos mortos para serem assados nas grelhas.
Mas quem ia feliz mesmo era o novo portador do koieré, que era casado com uma bela índia. Antes mesmo de chegar em casa, decidiu que, agora que se tornara um personagem importante da aldeia, deveria arrumar coisa ainda melhor do que a sua bela índia.
Não demorou muito, apareceu uma candidata, e o índio se mudou para a oca dela. Na pressa, porém, acabou esquecendo o machado dependurado em cima da sua rede.
Durante a noite, a índia abandonada escutou por entre os intervalos dos seus soluços o machado falar-lhe:
– Mamãe, vamos passear!
Índias são muito maternais. Por algum motivo, o machado passara a chamá-la de mamãe, e bastara isso para ela ficar enternecida com o objeto.
Tomando-o nos braços, ela saiu porta afora para passear.
Durante a noite inteira a índia enjeitada embrenhou-se pelas matas, enquanto o machado lhe ensinava todas as canções de amor e de guerra dos krahós.
Logo, toda a aldeia ficou sabendo do caso, e a notícia se espalhou, chegando à aldeia dos krahós. Então, o irmão do primitivo dono do machado decidiu recuperá-lo.
A esta altura, o novo dono já havia retomado o objeto e foi com raiva que recebeu a visita do emissário.
– De forma alguma o restituirei! – bradou ele.
Mas o cacique da tribo disse que havia regras que o obrigavam a restituir o objeto aos inimigos.
– Anhangá e maldição! – rosnou o novo dono. – Pois saibam que só o restituirei àquele que me vencer na corrida de toras!
Corrida de toras era uma competição que os índios disputavam tendo atravessada às costas uma tora de madeira de cerca de um metro de comprimento.
– Quem me vencer poderá não só levar de volta o machado como me matar e comer a carne do meu corpo! – disse o desafiante, seguríssimo.
O emissário retornou aos krahós e repetiu ao pretendente o desafio.
– Corrida de toras nenhuma! – disse este. – Vamos reaver o koieré à força!
Então os krahós armaram-se de flechas e porretes e rumaram para a aldeia dos krolkametrás, prontos para mais uma bela dança das flechas. Quando chegaram à divisa da aldeia inimiga, foram lançados ao ar os brados de guerra das duas tribos valorosas, e as flechas assoviaram de novo, para valer. Mas quem mais trabalhou foi, como sempre, o machado mágico, que não parou de cantar um segundo enquanto levava adiante a sua obra guerreira de ceifar vidas, desta vez as dos krahós, seus antigos donos.
A certa altura, porém, o novo dono do machado viu-se cercado por algumas dezenas de adversários e não teve alternativa senão correr com machado e tudo. Não sabemos que espécie de canção o machado entoou na fuga, mas o fato é que, ao enfiar o pé num buraco de tatu, o krolkametrá foi ao chão e perdeu, além do machado, a própria vida, estraçalhado pelas lanças adversárias.
E foi assim que o koieré voltou à tribo dos índios krahós.

Fonte: Franchini, Ademilson S. As 100 melhores lendas do folclore brasileiro. Porto Alegre/RS: L&PM, 2011.

Folclore Sem Fronteiras (Finlândia)



A PROMESSA CUMPRIDA EM PARTE

     Luohi viu chegar magicamente o ferreiro Ilmarinen a sua casa e quase não se surpreendeu quando soube que se tratava dele. Ordenou imediatamente que lhe preparassem a melhor acomodação e até fez com que a sua bela filha virgem se adornasse com as melhores galas, para ser depois mostrada a Ilmarinen e oferecida como recompensa em troca do sampo ansiado.
     À vista da preciosa criatura Ilmarinen foi procurando por Pohjola o lugar onde realizar o seu trabalho e pôs-se a trabalhar febrilmente na construção daquela forja, primeiro, e na realização do sampo pedido, depois. Ilmarinen demorou três dias em preparar a forja e três dias em forjar o moinho de tampa suntuosa, que era moinho de farinha por um lado, moinho de sal por outro e moinho de moenda pelo terceiro. No seu primeiro trabalho, o sampo moeu uma medida para ser comida, outra medida para ser vendida e uma terceira para ser guardada.
     Entregue o moinho a Luohi, esta guardou-o no lugar mais recôndito da sua casa. Foi nessa altura, cumprida o seu parte, que Ilmarinen reclamou aquela virgem prometida, mas ela negou-se a acompanhá-lo, porque não estava disposta a ser sua esposa. Ilmarinen abateu-se, sem forças para nada, até tal ponto que a mãe da virgem, a anciã Luohi, se compadeceu da sua tristeza e o enviou numa barca de regresso para o sul, envolvido na força mágica de um vento que ela convocou para que fosse transportado sem perigo em três singraduras até à sua ansiada Kalevala. Lá, na margem, esperava-o o velho e ele disse que o sampo tinha sido construído e entregue a Luohi, segundo se tinha acordado, mas também fez saber que a donzela prometida não cumpriu a sua parte do pacto e que ele, Ilmarinen, tanto como Vainamoinen, tinham sido duplamente burlados pela virgem de Pohjola.

LEMMINKÄINEM, O AMANTE

     Ahti Lemminkäinen nasceu em Kauko e foi um jovem tímido até que pescou uma tenca e esta, para salvar a sua vida, prometeu ensinar-lhe a palavra encantada que o tornaria no homem mais amado pelas mulheres. Mas não havia tal palavra, era necessário comer o peixe para conseguir esse encanto e Ahti comeu-a. Certamente, em breve Ahti começou a ser querido por todos, especialmente pelas mulheres, como o demonstra a sua primeira aventura com Kylliki, a preciosa jovem de famosa beleza que rapta e apaixona; mas Ahti Lemminkäinen pensa que a sua mulher não lhe guardou a devida ausência e vai para Pohjola, pretendendo desta vez a filha de Louhi e tendo que cumprir uma dura prova para conseguí-la: a captura do alce de Hiisi, caça que lhe custaria a vida nas águas do rio Tuoni, assassinado pela vingança de um velho que tinha humilhado.
     Ahti caiu no reino da morte, no reino de Tuoni e Tuonetar, no meio do horror e o sofrimento. Desaparecido Ahti, a sua mãe inicia a penosa procura do filho perdido, submergindo-se nas águas, cruzando as terras do norte, perguntando à Lua e, por fim, ouvindo o que o Sol lhe contava, que Ahti tinha sido arrastado para o Tuoni. A mãe pediu a Ilmarinen que forjasse um ancinho de cem braças para tirar o seu filho do fundo do rio; com ele resgatou o seu amado filho e, com o seu amor, devolveu-lhe a vida.
     Voltaram para casa, mas Kylliki tinha-se ido embora para sempre. Então Ahti partiu de novo para Pohjola, esta vez irado por não ter sido convidado às faustosas celebrações da casamento da filha de Louhi com Ilmarinen. Chegado ao norte, Ahti Lemmikäinen vai provocar o Filho do Norte, o anfitrião, desafiando-o para um duelo à morte, no qual vence Ahti, mas a satisfação pela sua vitória é breve, porque tem que fugir, dado que todos os homens de Pohjola, ao saber que o seu chefe morreu pelas mãos de Ahti, se lançam na sua perseguição.
     Durante três anos refugiou-se na Ilha das Mulheres, sendo amado por todas e amando quase todas, mas chegou a hora de voltar para junto da sua mãe e não houve mais remédio que abandonar tão doce refúgio. Quando conseguiu chegar às suas terras, viu só destruição e cinzas mas o que via não era tudo; também pôde ver, pouco tempo depois, a sua doce mãe, escondida entre as ruínas, sempre à espera do seu regresso, convencida de que ele voltaria junto da ela outra vez, sabendo que ainda restava muito que fazer ao filho, o alegre herói Ahti Lemminkäinen.

VAINAMOINEM E A ILMARINEN

     Vainamoinen construía um barco e estava a ponto de terminá-lo, mas faltavam-lhe três palavras mágicas para terminar de lhe dar forma; não havia maneira de recordar como eram e Vainamoinen desesperava-se, pensando que era uma tarefa impossível, até que se aproximou um pastor e lhe disse que o gigante Antero Vipunen sabia tudo o que ele necessitava de saber. Vainamoinen foi a Ilmarinen, para que o ferreiro lhe forjasse o equipamento de ferro que devia levar para chegar até a morada de Antero Vipunen; então soube, por boca do ferreiro, que Antero tinha morrido há muitos anos. Mas nem isso parou o Vainamoinen, que, equipado com a armadura que lhe permitia atravessar as agulhas das mulheres, as espadas dos homens e os machados dos heróis, chegou ao lugar onde jazia Vipunen com a sua magia.
     Meteu a sua maça na garganta do gigante e ordenou-lhe erguer-se. Vipunen levantou-se imediatamente, com a boca imobilizada pela maça de Vainamoinen. Aproveitando a surpresa, o velho saltou para a sua garganta e meteu-se no seu ventre, montando dentro dele uma forja para atormentar Antero, comendo as suas entranhas e batendo no seu corpo. Assim até que conseguiu que o gigante lhe ensinasse toda a sua imensa sabedoria.
     Quando conseguiu o seu propósito, o imperturbável Vainamoinen voltou para casa e terminou o seu barco. Com ele queria navegar para o norte, para pedir de novo a mão daquela virgem que não podia esquecer.
     Terminado de construir o seu navio, Vainamoinen botou-o no mar e foi feliz a caminho de Pohjola, mas a virgem Anniki aproximou-se dele para lhe perguntar a razão da sua viagem. Vainamoinen mentiu uma e outra vez, provocando a dúvida em Anniki, que o ameaçou com uma tremenda tempestade se Vainamoinen não dizia imediatamente a verdade.
     O velho confessou e a virgem foi a correr a dizer a Ilmarinen que o velho tinha decidido ir sozinho à procura da virgem de Pohjola. Ilmarinen preparou-se para ir à procura do velho e conseguiu alcançá-lo, após três dias de corrida no seu trenó.

O PACTO DOS DOIS AMIGOS

     Após acordar que já não haveria mais lutas pela virgem de Pohjola e fartos de serem inúteis rivais por esse difícil amor, Vainamoinen e Ilmarinen decidem seguir por separado o seu caminho para Pohjola, este por terra, aquele por mar, à procura daquela virgem tão bela e tão desejável como esquiva, sempre prometida como recompensa ao velho e ao ferreiro e nunca recebida. Mas agora vão fazendo com que ela diga, de uma vez por todas, por qual dos dois se decide a escorregadiça donzela.
     A escolha é rápida desta vez, pois a virgem prefere Ilmarinen, por que não é um velho como Vainamoinen, embora antes o tivesse rejeitado de um modo tão definitivo. Mas Louhies uma velha retorcida e soberba, que agora quer tornar tudo mais difícil ao bom ferreiro, propondo-lhe novas provas a cada momento.
     Ilmarinen vê-se obrigado a decifrar os complexos (e absurdos) problemas propostos mas a velha não conta com a cumplicidade antagonista da sua própria filha, da virgem sem nome que tantas páginas da história do Kalevala encheu . Com ela a seu lado, a vitória é segura e o casamento vai celebrar-se com todas as honras.
     Só ficam de fora Vainamoinen, pela sua tristeza, e Lemminkäinen, que não foi convidado, o que vai ser motivo da sua ira e do início daquele duelo à morte com o Filho do Norte que já relatamos antes. Mas com o casamento não vai chegar a felicidade por muito tempo ao apaixonado Ilmarinen: a sua esposa, a sua bela e ansiada esposa, é uma mulher malvada e a cruel brincadeira que faz ao bom escravo Kullervo, ao dar-lhe uma pedra como única comida, faz que este ponha em marcha a sua vingança (mágica, com certeza) com a cumplicidade do lobo e do urso, matando quem o humilhara.
     É a desolação para Ilmarinen, ao ver morta a sua amada Kullervo, já antes atraiçoado pelo seu irmão Untamo, que a tinha vendido como escrava, e agora castigado pelo destino, ao saber que a virgem com quem se deitou é a sua própria irmã. Kullervo, ainda mais enfurecido, mata o seu irmão Untamo, mas esta morte também não lhe serve de consolo, e só descansará quando se tire a vida com a sua própria espada.

O DESESPERO DE ILMARINEN

     O ferreiro pensou que poderia encontrar consolo numa nova esposa que ele próprio forjasse à imagem da desaparecida e pôs-se a trabalhar incansavelmente na sua forja, até que conseguiu a mais bela mulher nunca construída em ouro e prata; mas fria era a sua companhia, muda a sua presença, inútil a sua existência.
     Ilmarinen quis oferecer a mulher de ouro e prata a Vainamoinen, mas ele não a quis e recomendou a Ilmarinen que a voltasse a fundir, pois ninguém se devia deixar deslumbrar pelo ouro ou pela prata. Ilmarinen compreendeu que devia procurar uma nova esposa de carne e osso e pensou em Pohjola, noutra filha de Louhi que lhe recordasse a sua perdida mulher. Mas nada conseguiu de Louhi e teve que raptar a sua segunda filha. Também o rapto não serviu de muito, pois na primeira noite já se deitou ela com um desconhecido.
     Ilmarinen, ao despertar, viu a cena e quase que a matou, mas a sua espada negou-se a terminar com a vida daquela vaidosa e o desgraçado Ilmarinen contentou-se com ordenar que a infiel raptada fosse converter-se em solitária gaivota, condenada a viver sobre um penhasco, entre as frias águas do mar. Mais sozinho do que nunca, o ferreiro seguiu o seu interrompido caminho para o lar.
     No caminho saiu-lhe o velho Vainamoinen e juntos propuseram-se resgatar de Pohjola aquele sampo construído para conseguir a pretendida felicidade e que tão tristes frutos tinha deparado a ambos. Construíram um navio poderoso, forjaram uma espada vencedora e partiram à procura do sampo mágico, colhendo pelo caminho o retirado herói Lemminkäinen, que se somou à expedição, feliz de poder voltar a lutar contra a gente de Pohjola, da qual tão penosas recordações guardava a sua memória.