domingo, 22 de dezembro de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (O que é a inveja?)

A INVEJA é uma espécie de glutonaria generalizada. Uma ambição maldosa, ou como rotularam as pessoas boas, um “olho gordo” estupidamente ganancioso que nasceu por força da ignorância de cada um, que vicejou como ervas daninhas num jardim cheio de flores preciosas. É também um sentimento degradante e comum entre os seres tidos como “humanos.” Dependendo do grau que atinge cada criatura em particular, pode chegar e, de fato chega, a patamares insuportáveis. Grosso modo, a inveja é conhecida também como “COBIÇA.” 

Vem à tona quando se deseja ardentemente ter algo que a outra pessoa conquistou, como posses (casas, apartamentos, carros), ou status (um cargo numa empresa onde um amigo ou até mesmo um parente trabalha) e é satisfatoriamente remunerado com um polpudo salário. A inveja, em certas pessoas, pode destruir relacionamentos duradouros e inquebrantáveis.  A maldita aflora de um nada, ou seja, tanto pode vir à luz por conta de uma admiração, quanto de uma insatisfação por aquilo que o outro lutou de unhas e dentes. Dependendo do tamanho que o invejoso alimenta a sua inveja pelos desejos do alheio acaba virando uma doença incurável. 

Uma desgraça! No fim, a inveja se agiganta, predomina, cria raízes e se espalha como um câncer que se prolifera num corpo são e acaba atingindo até mesmo quem a sente. Tem gente que chega às raias do desespero e é capaz de matar, notadamente quando não consegue os objetivos almejados. Em doses pequenas, a inveja até serviria como motivação para qualquer ser pensante melhorar e alcançar seus propósitos. Porém, quando não controlada, leva quem a instiga dentro de si, a seguir por descaminhos escuros, ou pior, a encorajar sentimentos negativos, como ressentimentos e frustrações, e até prejudicar relacionamentos pessoais e profissionais. 

“A melhor maneira de lidar com a inveja é não ter inveja.”  Focar unicamente no desenvolvimento pessoal e apreciar o que possui, sem desejar abocanhar o que o próximo auspiciou com seus esforços. Cada pessoa tem a sua própria jornada e conquistas. A inveja poderia servir como motivação para se alcançar metas? Sim, Poderia. Quando canalizada de forma positiva, se transforma num impulso medonho para se galgar os píncaros e se chegar a eles. Existem mecanismos sem que a mente do invejoso assumido seja inteiramente dominada por suas teias implacáveis e malévolas.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes: Texto enviado pelo autor. 
Imagem:  https://mundopsicologos.com/quais-as-caracteristicas-de-uma-pessoa-invejosa

sábado, 21 de dezembro de 2024

Daniel Maurício (Poética) 82

 

José Feldman (O sol dentro de mim)

Texto construído tendo por base a trova de Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo/SP)

Se vejo o mundo às escuras,
embarco em meu sonho...e assim,
subo a escada e, nas alturas,
acendo um sol para mim!

Em uma manhã nublada, na pequena cidade de Luzemar, onde o céu parecia sempre um pouco mais cinza do que o desejado, um homem chamado Vicente caminhava pelas ruas, refletindo sobre a vida. Ele sempre fora um sonhador, alguém que via o mundo através de uma lente cheia de cores, mesmo quando tudo ao seu redor parecia desbotado. Vicente acreditava que, por trás das nuvens, havia sempre um sol esperando para brilhar.

Aquela manhã, como muitas outras, começou com uma sensação de opressão no peito. O dia estava triste, e os habitantes da cidade pareciam carregar um peso invisível. As crianças brincavam, mas suas risadas não tinham o mesmo brilho de antes. Os adultos passavam apressados, os rostos fechados e os olhos perdidos em suas preocupações. 

Vicente, porém, tinha um talento especial: ele conseguia transformar a escuridão em luz. E foi assim que, ao passar por uma escada que levava ao parque da cidade, decidiu que era hora de acender seu próprio sol.

Ele subiu os degraus com a determinação de quem sabe que há algo maior à sua espera. A escada, antiga e cheia de histórias, parecia resistir ao tempo. Cada passo era como uma pequena vitória contra a melancolia que o cercava. 

Chegando ao topo, Vicente olhou ao redor: o parque, mesmo sob o céu nublado, tinha uma beleza particular. As árvores dançavam suavemente ao vento e as flores, apesar da falta de sol, exalavam um perfume doce.

Vicente respirou fundo e fechou os olhos. Ele se lembrou da trova que costumava de sua mãe: “Se vejo o mundo às escuras, embarco em meu sonho... e assim, subo a escada e, nas alturas, acendo um sol para mim!” Essas palavras ressoaram em sua mente, como um mantra que o encorajava a buscar a luz dentro de si.

Decidido a espalhar essa luz, Vicente começou a cantar. A princípio, sua voz era suave, quase como um sussurro. Mas, à medida que se sentia mais à vontade, sua canção se transformou em um hino de alegria. 

Ele cantava sobre sonhos, sobre a beleza do mundo e sobre a esperança que sempre renasce, mesmo nas horas mais sombrias. A melodia flutuava pelo ar, como uma brisa leve, e aos poucos, começou a atrair a atenção dos passantes.

As pessoas pararam e começaram a olhar. Um a um, foram se juntando a Vicente. Algumas crianças, curiosas, se aproximaram e começaram a dançar. Os adultos, inicialmente hesitantes, não demoraram a se deixar levar pela música. A atmosfera pesada que envolvia Luzemar começou a dissipar-se. Os rostos, antes fechados, foram se iluminando, e os olhos ganharam um brilho que há muito não se via.

Vicente percebeu que havia acendido algo muito maior do que um simples sol. Ele havia reacendido a chama da comunidade. As pessoas começaram a compartilhar histórias, risadas e até mesmo suas preocupações. O parque, que antes parecia um lugar esquecido, transformou-se em um espaço de união.

Enquanto a tarde avançava, o céu nublado começou a se abrir. Raios de sol começaram a penetrar as nuvens, como se o próprio universo estivesse respondendo àquela explosão de alegria. Vicente, com um sorriso no rosto, olhou para cima e viu que, embora o mundo estivesse às escuras, havia sempre uma luz a ser encontrada, mesmo que fosse dentro de nós mesmos.

O dia que começou triste se transformou em uma celebração da vida. Vicente, com sua voz e seu sonho, acendeu um sol que não só iluminou seu coração, mas também trouxe calor e vida a todos ao seu redor. Naquele momento, ele percebeu que a verdadeira magia não estava em mudar o mundo, mas em inspirar outros a encontrar a luz que já existia dentro deles.

Ao final da tarde, enquanto o sol se punha no horizonte, Vicente desceu a escada com um novo propósito. Ele sabia que as nuvens poderiam voltar, que os dias sombrios fariam parte da vida. Mas, com a experiência daquela tarde, ele também aprendeu que, mesmo nas horas mais difíceis, sempre poderia subir a escada do sonho e acender um sol para si e para os outros.

E assim, entre risos e canções, Luzemar voltou a brilhar, não apenas com a luz do sol físico, mas com a luz da esperança e da união. Vicente, agora mais do que um sonhador, tornou-se um verdadeiro farol para sua comunidade, mostrando que, às vezes, tudo o que precisamos é de coragem para subir as escadas e acender nossos próprios sóis.

Fonte:s 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Arthur Thomaz (Filosofando com Cronos)


Durante minha habitual conversa com as plantas e animais, eis que, surpreendentemente, surge Cronos.

O que poderia trazer um Deus tão poderoso ao convívio de um simples mortal? 

Perguntei-me.

Antes que eu o saudasse foi logo dizendo que tinha lido meu livro e percebera muitas incertezas minhas sobre determinados temas. 

Como se movimentava incessantemente, cometi o equívoco em pedir para ele parar um pouco, a fim de que eu pudesse prescrutar seu olhar.

Sorrindo, me alertou que o tempo aos humanos só para com a morte.

Pedi-lhe, então, que continuasse a movimentar-se sem cessar.

Para me redimir da tolice comentei que a meu ver, ele era o maior dos deuses por ter existido desde os primórdios. 

Retrucou, mansamente, dizendo que os gregos erraram em afirmar que ele só começara a existir depois do Caos. Obviamente, o tempo também existira durante esse período.

Concordei e disse a ele que agradecia o fato de ter vindo sem a assustadora foice com que era retratado.

Ignorou meu comentário e prosseguiu dizendo que os mortais, desde o início, tentaram rotulá-lo, aplicando fórmulas e mensurando-o em século, ano, mês, dia, hora, minuto e até segundos, numa clara tentativa de imputar a ele o conceito de transitoriedade. Ou seja, impondo-me um início, meio e fim. 

Completou ele afirmando que ninguém aprisiona o tempo.

Com um tom debochado, disse que eu enumerasse a quantidade de filósofos e pensadores que tentaram defini-lo sem sucesso elaborando muitas fantasias a respeito.

Eu disse que algumas vezes também havia tentado infrutiferamente, materializá-lo. 

Riu e continuou contando que durante muito tempo no planeta Terra vagara sozinho, sem nenhuma forma de vida como companhia, o que o levou quase à loucura, e que hoje procura seres excêntricos para dialogar.

Tomei isso como um elogio e perguntei como ele se definia.

“Amigo, eu sou exatamente o seu pensamento a meu respeito, conceito este que só perdurará enquanto você viver”, respondeu-me, com muita convicção. 

Pedi que comentasse a expressão muito usada entre os humanos "até o fim dos tempos". Sorriu e classificou-a de esdrúxula. Não houve início nem haverá fim, os que tentam me conter ou modificar, passarão e eu continuarei .

Ainda havia mais algumas dúvidas, mas brincou citando outra frase muito utilizada "o tempo voa". Sorriu, envolveu-me em um abraço e partiu, prometendo voltar assim que tivesse um "tempinho".

Desapareceu com uma demorada gargalhada.

Passei mais alguns momentos com as plantas e levei muito tempo refletindo a respeito do que conversamos.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes: 
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Volume 2. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. Enviado pelo autor 
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Geraldo Pereira (Comadre Fulozinha)

Tenho me ocupado, ultimamente, em refletir a propósito do que se vem chamando qualidade de vida, sobretudo a respeito do esforço de certos setores em oferecer à criatura um desejado bem-estar, cuja expressão envolve a saúde física e a tranquilidade de espírito. Indago-me, especialmente, se a classe média, tão exigente com o consumo, sente-se melhor que a gente simples, a qual nos interiores do País, por exemplo, pode ter acesso ao mínimo necessário à sobrevivência e até que ponto se deve, realmente, intervir na vida de quem se sente em paz, acenando com bens materiais e outros ganhos próprios daqueles que Gilberto Dupas considera os “incluídos” ou mesmo os “ainda incluídos”. A televisão faz isso!

Cuido em observar os modos de vida dos que no dia-a-dia do existir humano não ostentam: os modestos ou os singelos. Não me refiro aos paupérrimos e aos miseráveis, aos “excluídos”, afinal. Ora, será que o Sr. Zezinho, lá de Chã de Cruz, tem uma qualidade de vida inferior aos habitantes urbanos, postos em moradias verticais e trancafiados o tempo todo? Creio que não! Tenho visto a sua satisfação d’alma em sair de casa e de bicicleta chegar ao condomínio da pequena burguesia, em Aldeia, atendendo um aqui e outro acolá, juntando essa féria extra ao que percebe por mês como salário! Não deixa de sorrir e de comentar com humor os fatos corriqueiros. Joga futebol e toma a sua caipirinha, de leve!

Ignoro os seus horizontes de futuro, mas nunca ouvi dele palavra que fosse assemelhada àquelas dos interesses dos meus convivas. Um carro novo ou uma bicicleta do último modelo, um equipamento de vídeo, uma viagem pra fora de seus domínios, mesmo que seja à Carpina. Não enjeita, porém, um piquenique a Natal, pelo passeio ou pela bagunça no ônibus de aluguel. Por certo, nunca ouviu falar nas excursões à Europa, para ver os museus de Paris e os parques de Londres. Vive assim, pra lá e pra cá, entre a Chã e o condomínio. 

Quase nunca vai a Vera Cruz ou a Tabatinga. Assistiu ao espetáculo do circo, porque a trupe instalou-se nas cercanias de sua casa e a entrada custava um real, nada mais.

Assim com a Dona Cecília, vizinha, quase, do Zezinho, que fez do terreiro de casa uma sementeira e vive do cultivo das flores, das orquídeas bem cuidadas e dos girassóis viçosos, de bromélias imunes ao Aedes aegypti e das avencas verdes e pendentes. Aprendeu tudo isso no colégio de freiras em que estudou e se vai a Garanhuns, vez ou outra, é para comprar novas mudas, diferentes, que se acrescentam ao seu jardim. Sustenta a família, mas já tem os filhos empregados, trabalhando para os que passam os finais de semana fazendo um churrasco com carne importada e tomando o whisky das bandas escocesas. Não suporta o inteiramente urbano e detesta, como expressou, a avenida Agamenon Magalhães.

Compare o leitor a vida dessa gente com a dos remediados pela sorte, entregues ao labor mal o sol desponta, voltando ou não voltando para almoçar e retomando jornadas, de trabalho e mais trabalho. Recepções e formalidades, no trajar e no tratar, cumprimentos forçados e vênias inúteis. Quando a semana finda, uma ida ao “shopping”, às compras ou a passeio, para admirar vitrines ou se empanturrar nas praças de alimentação. Mas, há os que se contaminam com os males da civilização, como aquela dedicada secretária dos afazeres domésticos. Máquina de lavar roupas e vídeo, conjunto estofado bem forrado e celular. Resultado, carnês e mais carnês a juros de mercado! Agiotas e assemelhados na porta!

E o Sr. Zezinho, quando disse que um computador poderia ser posto à sua disposição na portaria do conjunto habitacional, conformou-se com a justificativa de que a sua cultura seria esmagada.

Um homem crente nas coisas da natureza, cuja crença ultrapassa a flora e a fauna, para chegar às lendas, como a da “Comadre Fulozinha”, não pode e não deve ocupar-se de um teclado ou mexer num mouse! O que seria de Dona Cecília, com um banco de dados informatizado das plantas de seu quintal?

Entende-se que há limites que não podem e não devem ser transpostos e há horizontes diferentes para uns e para outros. Mas, compreende-se que muitos estão largados pela sociedade e é preciso integrar essa massa desprezada ao exercício mavioso da vida, do existir humano.
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Geraldo José Marques Pereira nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.

Fonte:
Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Célio Simões* (O nosso português de cada dia) “Pensando com meus botões”

Você já deve ter ouvido diversas frases envolvendo esta expressão, como por exemplo, quando está conjeturando alguma ação ou providência para evitar, remediar, solucionar ou encaminhar determinado assunto ou situação familiar preocupante. Como disse o artista popular, “de repente, eu estava aqui, refletindo, pensando com meus botões, quando reparei que estava só de bermuda e camiseta, sem nenhum botão”. O que foi que aconteceu? Parei de pensar…

Na prática não é bem assim, pois ninguém fica obliterado mentalmente, por falta de botões em sua indumentária. O festejado cantor e compositor Gilberto Gil tangenciou o tema na música “Cérebro Eletrônico”, cuja letra dá claro indício da associação de ideias que instintivamente é feita por quem pensa ou vê outrem pensando: “O cérebro eletrônico faz tudo/Faz quase tudo/Faz quase tudo/ Mas ele é mudo // O cérebro eletrônico comanda/ Manda e desmanda/ Ele é quem manda/ Mas ele não anda // Só eu posso pensar/ Se Deus existe/ Só eu posso chorar/ Quando estou triste/ Só eu cá com meus botões/ De carne e osso/ Eu falo e ouço. Hum…”

Sem eiva de dúvidas, “PENSAR COM MEUS BOTÕES”, no Brasil e em Portugal, significa um momento de introspecção, o ato de pensar consigo próprio, que envolve sentimentos da própria mente de quem pensa. Logicamente, os botões não pensam nem possuem a faculdade de aconselhar alguém, sendo essa figura de linguagem representativa do estado d’alma de cada qual, em determinado momento imerso em seus mais recônditos pensamentos. No dizer do genial ficcionista e escritor paraense Ildefonso Guimarães, saudoso membro da Academia Paraense de Letras, isso ocorre quando o indivíduo está entregue às suas próprias “cavaqueações”.

Sabemos assim que a expressão “PENSANDO COM MEUS BOTÕES” significa refletir, pensar sozinho. Ou seja, indica que você está raciocinando ou, o que não é raro ser constatado, falando consigo próprio até em locais públicos, se bem que atualmente a cena pode ser vista com frequência de vez que uns e outros andam falando em qualquer lugar, não propriamente consigo, mas com terceiros através dos inseparáveis celulares, escondido nas vestes para escapar das abordagens dos “amigos do alheio”. Mas afinal, de onde surgiu essa expressão? No território livre da Internet, encontramos algumas possíveis explicações, embora nem todas façam muito sentido.

Uma delas alude que “pensar com meus botões” significa que é a própria pessoa olhando para dentro de si, para finalmente escolher a solução que lhe parece acertada para determinado caso. Outra diz que “pensando com meus botões” originou-se do fato de que os botões servem para fechar e esconder a intimidade das pessoas, ou seja, o seu íntimo. Então, pensar com os botões seria pensar sozinho, sem expor ou compartilhar seus pensamentos com ninguém, sem submeter ao escrutínio alheio sua privacidade.

Por fim, uma explicação mais histórica diz que, antigamente, as roupas eram recheadas de botões. Desde que Catarina de Médici, nobre italiana que se tornou rainha consorte em França de 1547 até 1559, como esposa do rei Henrique II inventou a calcinha, o Século XVIII encontrou as mulheres usando suas peças íntimas ainda de algodão, fechadas lateralmente com muitos botões, sendo que em lugares remotos eles eram fabricados de ossos de animais, que graças ao tirocínio das modistas, evoluíram até os dias atuais para o sensual fio dental, agora encontrado em qualquer lugar onde exista um comércio de roupa feminina. Daí presumir-se que antigamente, estando elas sozinhas em seus aposentos, abrindo ou fechando os botões de seu vestuário mais íntimo, aproveitavam aquele momento para pensar, entregando-se às suas mais profundas, secretas e preciosas reflexões sobre suas vidas.
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(*) Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 05

 

José Feldman (O lamento da terra)

Texto construído tendo por base a trova de José Lucas de Barros (Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)

Viram cinza os verdes braços
de árvores tão bem formadas
e a terra morre aos pedaços
por onde vão as queimadas!

Na pequena cidade de Verdeluz, onde a natureza sempre foi a protagonista, o verde das árvores e o canto dos pássaros formavam uma sinfonia que encantava a todos. As colinas eram cobertas por florestas densas, e os rios serpenteavam alegremente, trazendo vida e frescor ao ambiente. No entanto, nos últimos anos, algo sombrio começou a se espalhar por aquelas terras outrora vibrantes.

Os moradores de Verdeluz, sempre em harmonia com a natureza, notaram que as árvores, antes exuberantes e saudáveis, começaram a perder seu brilho. “Viram cinza os verdes braços de árvores tão bem formadas”, murmuravam os mais velhos, enquanto as crianças, sem entender a profundidade da tristeza, brincavam entre os troncos que começavam a se tornar estéreis. A terra, que um dia parecia pulsar com vida, agora mostrava sinais de cansaço e desespero.

O responsável por essa transformação drástica era a prática das queimadas. A busca desenfreada por terras para cultivo e pastagem levou muitos a incendiar áreas florestais, sem considerar as consequências. As chamas consumiam tudo em seu caminho, deixando atrás de si uma paisagem desoladora, uma cicatriz permanente na terra que nutria a vida. 

“A terra morre aos pedaços por onde vão as queimadas”, pensava Ana, uma jovem ativista local que sempre se preocupou com o meio ambiente.

Ana cresceu em Verdeluz e tinha uma conexão profunda com a natureza. Desde criança, costumava passar horas explorando as florestas, aprendendo sobre plantas e animais, e sonhando em um dia se tornar uma defensora da Terra. Ao ver a devastação ao seu redor, ela sentiu que precisava agir. Com o apoio de alguns amigos, decidiu organizar uma campanha de conscientização sobre a preservação da floresta.

Com cartazes coloridos, encontros comunitários e palestras, Ana e seu grupo começaram a mobilizar a população. Eles contavam histórias sobre a importância das árvores, não apenas como provedores de madeira e sombra, mas como guardiãs de um ecossistema que sustentava a vida. A cada reunião, mais pessoas se juntavam à causa, unindo forças para tentar reverter o cenário trágico.

Certa tarde, enquanto caminhava pela floresta, Ana encontrou um velho sábio, conhecido por todos como o Guardião da Floresta. Ele estava sentado sob uma árvore imponente, cujos galhos pareciam tocar o céu. 

“Você trouxe um peso grande em seu coração, minha jovem”, ele disse, olhando nos olhos dela. 

Ana se sentou ao seu lado e desabafou sobre suas preocupações. “Sinto que estamos perdendo nossa casa. As queimadas estão destruindo tudo e ninguém parece se importar.”

O velho sorriu, mas havia tristeza em seu olhar. 

“A natureza sempre encontrará uma forma de se regenerar, mas precisamos cuidar dela com amor e respeito. As árvores têm uma sabedoria que muitas vezes ignoramos”, respondeu ele. “Viram cinza os verdes braços, mas se você reacender a esperança, pode fazer com que voltem a florescer.”

Inspirada pelas palavras do Guardião, Ana decidiu que era hora de agir de forma mais intensa. Com a ajuda da comunidade, organizaram um grande evento: o Festival da Reflorestação. Seria um dia de celebração, conscientização e, principalmente, plantio de árvores. O evento atraiu a atenção de muitos, e pessoas de várias partes da cidade se uniram à causa.

No dia do festival, a atmosfera era mágica. Músicos tocavam, crianças corriam com sorrisos iluminados, e os adultos se preparavam para plantar novas árvores. Ana sentiu que a esperança estava renascendo naquelas pequenas mãos que seguravam mudas de árvores. Ela viu ali uma nova geração disposta a lutar pelo que é certo.

Com cada árvore plantada, Ana sentiu que a conexão com a terra se fortalecia. As raízes que se entranhavam na terra eram como promessas de um futuro mais verde. “Juntos, podemos mudar o curso da história”, ela dizia para todos os que se reuniam ao seu redor. “Cada árvore que plantamos é um passo em direção à cura da nossa terra.”

Os meses se passaram, e o que começou como um pequeno movimento cresceu. As árvores plantadas começaram a brotar, e a vida retornou lentamente às áreas que haviam sido devastadas. As pessoas começaram a perceber a importância de cuidar da natureza, e a consciência coletiva despertou para a necessidade de preservar o que restava.

Certa manhã, ao acordar e olhar pela janela, Ana viu que a floresta estava mais vibrante do que nunca. As árvores, que antes pareciam tristes e cinzentas, agora exibiam uma nova folhagem, como se dançassem ao vento, agradecendo por terem sido resgatadas. 

“A terra não morre, ela se transforma”, pensou Ana, sentindo uma onda de gratidão.

O Guardião da Floresta apareceu novamente, e Ana correu até ele. 

“Olhe para o que conseguimos fazer!”, exclamou, cheia de alegria. 

O velho sorriu, seus olhos brilhando. “Vocês reacenderam a luz que havia se apagado. Mas lembre-se, a luta é contínua. A proteção da natureza é uma jornada, não um destino.”

E assim, em Verdeluz, a luta pela preservação se tornou uma parte da vida cotidiana. As queimadas diminuíram, e a floresta começou a se recuperar. A comunidade aprendeu que a beleza da natureza não é apenas um presente, mas uma responsabilidade. Pois onde a sombra cobre e embaça, ainda há esperança, e cada gesto de cuidado pode reacender a luz que ilumina a vida da Terra.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
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Ione Russo (Carona)

Eles se queriam muito. Naquele fim de semana resolveram sair para viajar, aproveitando para comemorar a data do nascimento dela.

Não tinham destino. O que importava era estarem juntos; logo, qualquer lugar servia.

Quando Miguel lhe disse que queria passar numa igreja, ela estranhou, pois isso não costumava ser um hábito do casal, embora tivessem formação católica.

Foram rindo e conversando, estrada afora, e, quando viram, tinham saído do Estado.

Ele insistia na tal igreja; queria agradecer a Deus por tanta felicidade e rezar pelo aniversário dela.

Já em Santa Catarina, almoçaram e seguiram viagem. Quando anoitecesse parariam para dormir. Enveredaram por uma cidade que se chama Gaspar, onde avistaram suntuosa escada que os levava a um santuário.

Naquele instante, o padre realizava um casamento e perguntava se o noivo aceitava a noiva como sua mulher, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, e coisa e tal.

Aproveitando a situação, Miguel foi logo dizendo que sim, que aceitava Maria como sua mulher; ato contínuo, o padre também fez a pergunta à noiva. Miguel apertou o braço dela, repetindo a mesma interrogação.

- Sim, respondeu ela, rindo da brincadeira.

Ele tirou uma caixinha do bolso e uma aliança linda foi colocada em seu dedo.

Também lhe foi entregue outro anel para ser posto no dedo dele. Maria não entendia como a surpresa se misturava com a coincidência, e ele explicava que não havia planejado tanto, mas que a sorte tinha ajudado.

Entre abraços e beijos, concretizaram o que já vinham pensando há muito tempo.

Maria e Miguel sempre contam que se casaram de carona.

Fontes: 
Alda Paulina Borges et al. Contos contemporâneos. (Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche). Porto Alegre/RS: AGE, 2016.
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Figueiredo Pimentel* (A velha feiticeira)

Tendo adoecido gravemente o lavrador Bernardo, foi preciso que alguém fosse à cidade procurar um remédio receitado pelo médico. Na única botica da vila não havia aquela droga, difícil e cara, que só se encontrava nas mais importantes drogarias.

Bernardo morava afastado da vila, e longe, muito longe da capital. Para se ir até lá, era mister atravessar extensa floresta, onde costumavam reunir-se vários salteadores, e povoada de animais ferozes.

Vendo que só o tal medicamento poderia salvar o pobre velho, seu filho Heitor, que tinha apenas quinze anos, resolveu buscá-lo.

Era cedo, escuro ainda, quando saiu de casa, em companhia do seu cachorro Leão – um animal fiel e dedicado.

Caminhou o dia inteiro, sem parar. Ia anoitecendo, mas ainda o dia não morrera de todo, quando avistou no meio da floresta uma pequena choupana. Resolvido a passar a noite aí, bateu à porta. Abriu-se uma janela, aparecendo uma velhinha, feia e magra, devendo ter mais de oitenta anos.

Pediu-lhe hospitalidade, e ela mandou-o entrar, recomendando primeiro:

— Amarre o seu cachorro, moço, que parece um animal muito bravo, e eu tenho medo de cães.

— Nada receie, minha velha, respondeu Heitor, porque Leão me obedece cegamente, e só ataca a quem me quiser fazer mal.

— Pode ser que seja verdade, replicou a velha, mas é que eu já fui mordida uma vez, e não o quero ser segunda. Amarre-o, senão ficará de fora.

— Mas é que eu também não tenho com que amarrá-lo.

— Isso não seja a dúvida. Basta que lhe passe ao pescoço um fio de cabelo meu...

A velhinha arrancou um fio branco, e deu-o ao moço, que se riu daquela corda de nova espécie.

Quando viu o cão amarrado, a dona da choupana mais que depressa atirou-se sobre Heitor. Ninguém diria ao ver aquela criatura já prestes a morrer, que tinha tanta força como qualquer ferreiro.

O mancebo, meio admirado, tentou lutar com ela, e sentindo-se fraquejar, chamou o auxílio do cachorro, bradando:

— Avança! Avança, meu Leão!...

— Engrossa bem, meu cabelão!... gritou a velha.

O fio de cabelo que prendia o animal engrossou àquelas palavras, tornando-se pesada e forte corrente de ferro.

Tendo subjugado Heitor, a feiticeira amarrou-o solidamente, encerrando-o num quarto a fim de engordá-lo e comê-lo mais tarde.
***

Passados três dias, vendo que Heitor não regressava, Lauro, seu irmão, segundo filho do velho Bernardo, planejou ir em busca do remédio, e ao mesmo tempo procurar saber o que sucedera ao outro.

Saiu de casa, levando por companheiro único um valente cachorro que possuía, e ao qual denominara Capitão.

Seguindo o mesmo trajeto de Heitor, foi parar na mesma choupana, onde a velhinha o recebeu como recebera o primeiro, recomendando que amarrasse o cão com o fio de cabelo.

Lauro, vendo-se ameaçado por ela, chamou em seu auxílio o fiel companheiro, que por mais de uma vez experimentara:

— Avança! avança! Capitão...

Do mesmo modo que procedera quando prendeu Heitor, a megera berrou:

— Engrossa, engrossa, cabelão!...

O pobre animal, ligado por uma corrente grossa, não pode desta vez socorrer seu amo.

A velha feiticeira prendeu Lauro num quartinho escuro, até que chegasse a sua vez de ser comido.
***

Só restava no sítio do bom e digno Bernardo sua mulher e seu terceiro filho Raul.

Não obstante ter somente onze anos, Raul era um menino animado e ousado. Quis ir buscar o medicamento receitado, que devia salvar o velho, e procurar os irmãos, e foi.

Pela madrugada saiu de casa, despediu-se de seus pais, e partiu resolutamente. Também ele chegou à cabana da velhinha, e pediu pousada naquela noite.

Ao ouvir a recomendação para prender o cachorro que levava, disse consigo mesmo:

— Para que quer esta mulher ver o meu fiel Plutão amarrado? Um fio de cabelo não é corda, e se ela na verdade tem tanto medo dos cães, como diz, dar-me-ia outra corda. Aqui há algum mistério.

Fingiu, todavia, que amarrava o animal, mas apenas pousou o cabelo no pescoço, sem dar nó.

A feiticeira, julgando o cão preso, segurou Raul pelo braço, e disse:

— Tu ainda és muito pequeno para eu estar com cerimônias. Vamos para o quarto escuro, até que chegue a vez de te comer ensopado.

— Não, minha velhinha, disse-lhe Raul, dando-lhe um sopapo.

A bruxa correu para pegá-lo, e o menino gritou:

— Avança! avança! Bom Plutão!

— Engrossa bem, meu cabelão!... bradou a velha.

 O cabelo transformou-se em uma corrente, mas como não se achava amarrado, caiu no chão.

O fiel cachorro de um salto atirou-se ao pescoço da velhinha, e estraçalhou-a.

Raul percorreu a cabana, e encontrou seus irmãos, bem como muitos outros viajantes, que haviam caído sob as garras da miserável feiticeira.

Soltou toda a gente, e ateou fogo à choupana.

Os presos, agradecidos, deram-lhe dinheiro, e os três irmãos tiveram tempo de ir à cidade e comprar a droga que salvou o velho Bernardo.
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*Alberto Figueiredo Pimentel nasceu e morreu em Macaé/RJ, 1869 — 1914 foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil e tradutor. Manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada Binóculo na Gazeta de Notícias. Publicou novelas, poesia, histórias infantis e contos. Um de seus grandes êxitos foi o romance O Aborto, estudo naturalista, publicado em 1893, e por mais de um século completamente esgotado. Como poeta, participou da primeira geração simbolista chegando a se corresponder com os franceses. Era amigo de Aluísio Azevedo, com quem trocou cartas, enquanto o autor de O Cortiço estava fora do país como diplomata. Poeta, romancista, escritor de literatura infantil, ganhou destaque e se perpetuou nos compêndios da literatura brasileira. A coluna Binóculo, assinada pelo autor na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, de 1907 até 1914, obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda, o que faz de Figueiredo Pimentel o primeiro cronista social da capital. Era ele quem tratava das novidades da moda, do bom gosto, do chique em voga em Paris e que deveria ser aqui aclimatado. Obras: Fototipias, poesia, 1893; Histórias da avozinha, conto - somente em 1952; Histórias da Carochinha; Livro mau, poesia, 1895; O aborto, 1893; O terror dos maridos, romance e novela, 1897; Suicida, romance e novela, 1895; Um canalha, romance e novela, 1895.

Fontes:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Biografia =https://pt.wikipedia.org/wiki/Figueiredo_Pimentel
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Aparecido Raimundo de Souza (Tudo embolado, junto e misturado)


 O HÉLIO BICUDO nessa sexta-feira, precisou cobrir a Mariza, a secretária e assistente da doutora Antonella, psiquiatra, que necessitou faltar em vista de sua filhinha de seis anos ser levada ao médico com certa urgência.  Na recepção, logo de cara chegou o Fidalgo Barata, que tinha certa urgência em pedir um favor meio às carreiras à Mariza ou se fosse possível, para a médica em pessoa. Porém, ao entrar e ver o rapaz, ficou meio desanimado. Apesar disso, tentou a sorte. Talvez o mancebo resolveria seu problema.

“Bom dia. A doutora pelo visto, não está na clínica?"

“Infelizmentenãoemquepossoajudar?"  (Infelizmente não em que posso ajudar?)

“E a senhorita Mariza?"

“Nessemomentoemqueosenhorperguntaemhoráriodealmoçoacaboudesairesóvoltarádentrodeumahora..." *1 

Hélio Bicudo tinha um problema sério na hora de se expressar. Por conta desse entrave, a sua voz criava problemas. Ele não sabia pausar as palavras e pior, ao se dirigir a alguém, fosse falando ou respondendo, o quadro se tornava um verdadeiro fiasco.

“Eu queria ver com a senhorita Mariza, se ela conseguiria me enviar via e-mail os resultados de meus exames feitos. E também o receituário que a doutora me receitou. Ela me deu o WhatsApp e também o e-mail, mas eu fiz a gentileza de enfiar em algum lugar que não lembro onde. O prezado poderia me passar por gentileza?"

Hélio Bicudo sorriu e balançou a cabeça afirmativamente.

“Perfeitamentecomoésuagraça?" (Perfeitamente como é sua graça?)

“Fidalgo...  Fidalgo Barata..."

Helio repetiu compassadamente.

“Claroaquioclientedadoutoratemcartabranca.qualquerpedidoéumaordem.lávaiantonellavalentinacomdoiselescristinadaconceiçãotudojuntoarrobapsiquiatrapontocompontobrlembrandoaoamigoqueaconceiçãoseescreveconceicaoousejasemacobrinhadependuradanacedilhaeoacentocircunflexoemribadoa." *2

“Poderia, por gentileza, falar tudo de novo?" 

“Certamenteaquioclientedadoutoratemcartabrancaqualquerpeddoéumaordemlávaiantonellavalentinacomdoiselescristinadaconceiçãotudojuntoarroubapsiquiatrapontocompontoblembrandoaoamigoqueaconceiçãoseescreveconceicaoousejasemacobrinhadependuradanacedilhaeoacentocircunflexoemribadoa." *3

“Como é que é? O amigo embolou tudo."

Helio Bicudo repetiu mais seis vezes, contudo, em nenhuma delas o Barata conseguiu se fazer entender. 

Soltando fogo pelas ventas, literalmente louco da vida, por pouco não mandou o cara plantar batatas. Achou melhor dar meia volta e cair fora. Foi o que realmente fez.
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NOTAS
*1= Nesse momento em que o senhor pergunta em horário de almoço acabou de sair e só voltará dentro de uma hora...

*2= Claro aqui o cliente da doutora tem carta branca. Qualquer pedido é uma ordem. Lá vai antonella valentina com dois eles cristina da conceição tudo junto arroba psiquiatra ponto com ponto br lembrando ao amigo que a conceição se escreve conceicao ou seja sem a cobrinha dependurada na cedilha e o acento circunflexo em riba do a.

*3= Certamente aqui o cliente da doutora tem carta branca. Qualquer pedido é uma ordem. Lá vai antonella valentina com dois eles cristina da conceição tudo junto arroba psiquiatra ponto com ponto br lembrando ao amigo que a conceição se escreve conceicao ou seja sem a cobrinha dependurada na cedilha e o acento circunflexo em riba do a.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fonte: Texto enviado pelo autor. 
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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Edy Soares* (Fragata da Poesia) 68

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* Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.

José Feldman* (Companheiros de Infortúnio)

Era uma fria manhã de dezembro quando o Professor Bruno, um ex-professor universitário de filosofia, acordou em um canto da calçada na cidade de Fênix, interior do Paraná, que antes considerava seu lar. O sol mal havia surgido, e a brisa gelada cortava o ar, lembrando-o de mais um dia de luta. Ao seu lado, um filhote de cachorro, que ele carinhosamente nomeara de Akira, se espreguiçava e se aconchegava em seu casaco velho. Akira não era um cão de raça pura; seu pai era um vira-lata cruzou com uma akita, e o resultado era um adorável, mas pouco convencional, companheiro.

A história de Bruno era uma das muitas tristes histórias que a cidade escondia sob sua fachada vibrante. Ele havia investido todas as suas economias em uma escola que prometia revolucionar a educação da região. Infelizmente, a escola faliu, levando consigo não apenas o sonho dele, mas também a sua família. Sua esposa, sem conseguir suportar a pressão financeira, e seus dois filhos, que cresceram em meio a dificuldades, decidiram deixá-lo. Bruno ficou sem nada, apenas com suas memórias e um sentimento profundo de perda.

Os anos passaram e, enquanto a cidade se enchia de luzes e decorações natalinas, Bruno e Akira sobreviviam nas ruas, buscando restos de comida nos restaurantes e se aquecendo juntos sob cobertores velhos. Ele mantinha sua dignidade; ele nunca pediu dinheiro. Em vez disso, usava seu tempo para observar as pessoas, refletindo sobre a vida e as escolhas que o levaram àquela situação. Akira, com seu olhar inocente e leal, era seu único conforto.

Na véspera de Natal, enquanto Bruno e Akira se aqueciam com o pouco que tinham, um jornalista chamado Lídio passava pela rua. Ele estava em busca de histórias humanas para compartilhar em uma reportagem especial sobre o espírito natalino. Ao ver a cena do professor idoso com seu cachorro, se aproximou, sentindo uma mistura de compaixão e curiosidade.

— Olá, senhor! — disse Lídio, oferecendo um sanduíche que havia comprado. — Quer comer algo?

Bruno, com um sorriso gentil, agradeceu e, em um gesto inesperado, pediu licença para dar o conteúdo do sanduíche a Akira, ficando apenas com o pão.

— Por que você faz isso? — indagou Lídio, intrigado.

— Akira é meu guarda-costas — respondeu Bruno, com um brilho nos olhos. — Quando me deito para dormir, preciso que ele esteja bem alimentado e alerta. Ele me protege enquanto eu descanso. 

Lídio ficou impressionado com a resposta. Ali estava um homem que, mesmo em meio ao sofrimento, ainda encontrava formas de cuidar e valorizar a amizade que tinha com seu cachorro. Bruno começou a contar sua história: suas esperanças, seus sonhos, e a dolorosa queda que o levou àquela vida. O jornalista, emocionado, escutava atentamente, sentindo que havia mais naquele homem do que as circunstâncias da vida haviam deixado à vista.

Movido pela história do professor e a pureza do amor entre ele e Akira, decidiu levá-los para passar o Natal em sua casa. 

Quando chegaram, a casa estava cheia de amigos jornalistas, todos prontos para celebrar. Lídio apresentou Bruno e Akira e, ao contar a história deles, a sala se encheu de emoção. As pessoas estavam tocadas, e as câmeras começaram a registrar aquele encontro inusitado.

A reportagem que Lídio criou trouxe a história de Bruno e Akira para a televisão. À medida que a história se espalhava, algo maravilhoso aconteceu. O espírito natalino despertou nos corações das pessoas. Doações começaram a chegar de toda a cidade. As pessoas se uniram, não apenas para oferecer dinheiro, mas também carinho e apoio. O prefeito, sensibilizado pela história, fez questão de oferecer uma casa para eles.

Na manhã de Natal, Bruno acordou em um lar, rodeado por amigos e pessoas que se importavam com ele. A felicidade não estava apenas nas doações, mas na conexão humana que se formou ao redor de sua história. Ele percebeu que, apesar de todas as dificuldades e das perdas, ainda havia amor e solidariedade no mundo.

Enquanto Akira corria pelo quintal, ele refletiu sobre a nova vida que começava. Ele se sentiu grato não apenas pelas doações, mas pela empatia que havia encontrado nas pessoas. O Natal não era apenas uma data; era uma oportunidade de recomeçar e de lembrar que, mesmo nas piores situações, a bondade humana pode brilhar intensamente.

Após o Natal, a vida de Bruno e Akira começou a se transformar de maneira surpreendente. Com o apoio da comunidade e a nova casa que o prefeito havia oferecido, Bruno sentiu que estava finalmente recuperando um pouco da dignidade que havia perdido. Mas, no fundo de seu coração, havia uma dor persistente: a saudade de sua família.

Um dia, enquanto passeava com Akira pelo parque próximo à nova casa, viu um grupo de crianças brincando e rindo. Aquelas risadas o lembraram de seus filhos, de como suas vidas haviam mudado e do quanto ele sentia falta deles. 

Decidido a tentar, começou a escrever cartas. Ele escreveu para cada um deles, expressando seu amor, sua dor e o desejo de se reconectar, mesmo que houvesse passado tanto tempo.

Com a ajuda de Lídio, o jornalista que se tornara seu amigo, enviou as cartas. Lídio ajudou a encontrá-los, e, após semanas de espera, uma resposta finalmente chegou. Sua esposa, Bianca, escreveu que, embora a dor da separação ainda fosse grande, ela nunca deixou de pensar nele. As cartas dele tocaram seu coração e despertaram uma vontade de recomeçar.

Bianca e os filhos concordaram em se encontrar com Bruno. 

O reencontro aconteceu em um dia ensolarado de primavera, no mesmo parque onde ele costumava passear com Akira. Bruno estava nervoso, mas também esperançoso. Quando viu Bianca e as crianças se aproximando, seu coração disparou. Os olhos dela brilharam ao reconhecer o homem que ainda amava, e ele sentiu que, apesar dos anos, o amor ainda estava presente.

As crianças, agora um pouco mais velhas, foram até ele, hesitantes, mas curiosas. Ele se ajoelhou para abraçá-las e, naquele momento, as lágrimas rolaram por seu rosto. Akira, percebendo a emoção, se aproximou, abanando o rabo e buscando carinho.

— Eu sinto tanto a falta de vocês — disse com a voz embargada. — Nunca deixei de amar vocês.

Bianca, emocionada, respondeu: — Nós também sentimos sua falta. A vida não foi fácil, mas suas cartas nos mostraram que ainda existe esperança.

A conversa fluiu, repleta de histórias e risadas, e os ressentimentos começaram a se dissipar. Ele compartilhou como havia mudado, como o amor de Akira o ajudou a encontrar força e dignidade novamente. As crianças estavam fascinadas pelo cachorro, e ele foi cercado por elas, recebendo carinho e atenção.

Com o passar do tempo, o reencontro se transformou em um recomeço. Eles começaram a reconstruir a confiança e a amizade, enquanto as crianças se acostumavam a ter o pai de volta em suas vidas.

O Natal daquele ano foi especial de uma forma que Bruno nunca imaginou. Ele não apenas reconquistou um lar, mas também a possibilidade de um futuro juntos. A empatia e a solidariedade que haviam florescido em sua vida agora se estendiam a sua família, mostrando que, mesmo após as maiores adversidades, o amor pode sempre encontrar um caminho de volta.

E assim, Bruno, Bianca, os filhos e Akira celebraram o Natal juntos, cercados por amor e gratidão, prontos para enfrentar o futuro como uma família unida novamente.

A história de Bruno é um testemunho poderoso da resiliência humana e da capacidade de recomeçar. Ele nos ensina que, mesmo diante das adversidades, o amor e a empatia podem nos guiar de volta à esperança. A conexão que ele reconstrói com sua família, junto ao carinho incondicional de Akira, demonstra que os laços familiares e a solidariedade têm o poder de curar feridas profundas. É uma lembrança de que nunca estamos sozinhos e que sempre há espaço para a renovação e o perdão. Essa jornada nos inspira a valorizar as relações e a buscar a luz mesmo nos momentos mais sombrios.
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Fonte:s 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
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