sábado, 28 de junho de 2025

Asas da Poesia * 42 *

 


Soneto de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Seca...

O sol delira! Abrasa! A terra exangue
abre os lábios sedentos! Sem valia,
os rios secam, veios nus, sem sangue,
sugados pelo solo em agonia!

Pele crestada, passo frouxo e langue,
o retirante segue... tem por guia
uma esperança de que o céu se zangue,
lançando sobre a terra a chuva fria!

Chovesse... e voltaria ao mesmo beco...
que enfrentar a caatinga é seu destino!
Mas a chuva não vem... O pranto é seco!

Reza!... O sol, em delírio, mais abrasa!
O céu rubro gargalha! E o nordestino
parte... deixando a própria alma em casa!
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Poetrix de
CARLOS VILARINHO
Palmeira das Missões/RS

fio da navalha

O fio da navalha,
Onde o verso se apoia,
O poeta se equilibra…
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Quando

Quando o fogo destes versos consumir
teus segredos, virtudes e pecados,
eu estarei à margem do caminho
qual Prometeu furtivo te espreitando
para roubar a chama imorredoura
que arde na redoma indestrutível
do teu peito risonho de criança.

 Quando a fome do amor comer meus olhos
impedindo-me de ver as mariposas
que copulam sobre as pétalas noturnas
de um rubro girassol filosofal,
tu estarás oculta entre as miragens
de um sonho metafísico gravado
numa canção latino-americana.

Então, quando isso tudo acontecer,
não seremos , simplesmente, macho e fêmea:
seremos sementes de vida e esperança
a germinar nos campos da existência,
a florescer no amor e dar ao mundo
os cobiçados pomos da poesia.
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Haicai de
MARLY BARDUCO PALMA
São Vicente/SP

Lembranças da infância –
No vestido da menina
Pousa joaninha.
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Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ

Às tuas jabuticabas

O teu olhar de marabá me apresentou
um mundo novo de alegrias e de amor
que até então eu jamais vira com candor
tão denso assim, porquanto Deus me abençoou!

As frutas nobres com que o Pai te galhardeou 
na porcelana dos teus pratos com alvor
eu beijo sempre acalentado usando o ardor
que o bom frecheiro há muitos anos me entregou.

Jabuticabas mui maduras mergulhadas
em meio ao leite nos teus pratos tão morninho
são-me um colírio duplicado com carinho!

Jabuticabas - ó Jesus! - abençoadas
que eu amo tanto, como pérolas douradas
de ostras de atol de um céu azul: do amor um ninho!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quando eu era galo novo
comia milho na mão.
Hoje eu sou galo velho
cato com o bico no chão.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Onde estás

É meia-noite. . . e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?
" Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
"Oh! minh'amante, onde estás?...

Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu'eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?..

Estrela—na tempestade,
Rosa—nos ermos da vida,
Iris—do náufrago errante,
Ilusão—d'alma descrida!
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
. . . E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
"Oh! minh'amante, onde estás?..."
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Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

na
orquestra
da
vida
sons
dissonantes
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Porque dizes não quando pensas sim?
É timidez, medo do que eu possa dizer?
Sabes que os teus olhos se focam em mim
Lês tudo o que eu não consigo escrever

Nas entrelinhas dos meus versos
Existe um segredo que se esvai no nevoeiro
Todas as palavras inversas se cruzam
Todos os medos ficam pendurados no bengaleiro

Estou protegida quando chove
Quando ninguém me vê no nevoeiro
Não sou D. Sebastião
Sou mais guerreira!
Não desaparecia do nada para a vida inteira!

Quero ser tudo o que sonho
Sim! O impossível vive em mim!
Perco-me no horizonte e amo o infinito
Sei que o amor é e será assim…
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Cai a tarde mansa.
No por do Sol, no poente,
sombras de esperança!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O que somente um louco há de sonhar
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)

O que somente um louco há de sonhar
Uma criança alegre há de sorrir
Um pobre velho e triste há de pedir
E um gênio criativo há de inventar.

Só o que um braço forte há de alcançar
Uma vontade férrea há de exigir
Um coração fraterno há de servir
E a Virgem milagrosa há de escutar.

Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.

Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há de ser perfeito.
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Quadra Popular de
ISIDORO CAVACO
Faro/Portugal

Dando aos sonhos mais diversos,
forma, pureza e encanto,
apenas em quatro versos
os poetas dizem tanto!…
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Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Mundo interior

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
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Trova de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
(Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)

Zarpei ao romper do dia,
no meu barco, a velejar,
para "pescar" a poesia
que a Lua escondeu no mar.
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
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Triverso de
CARLOS SEABRA
São Paulo/SP

que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Vivendo a dois

Recordo, com saudade, a caminhada
que fizemos ao longo desta vida.
Curtimos nosso amor na madrugada,
sem medo de cansaço na subida.

O tempo foi passando em disparada,
como a brisa que sopra na avenida,
e a ventura chegou tão encantada
que nos levou à Terra Prometida.

Andamos devagar pelos caminhos,
trocamos beijos como os passarinhos
e nos amamos com intensidade.

Mas, quando terminar esta jornada,
serás ainda a minha doce amada,
pois te amarei por toda a eternidade!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Saudade?
Ela é assim
como se fosse
uma ex-felicidade. 
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Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Lar... Doce lar…

Volto à casa, que "era minha",
risco a calçada e, feliz,
vou pular amarelinha
mas, o pranto apaga o giz!
* * *

Hoje, saudosa, eu volto ao lar antigo
e escancarando a porta semiaberta,
procuro em vão... vasculho o doce abrigo...
Nem pai... nem mãe... a casa está deserta!

E volto ao lar, que dividi contigo...
- Vaivém dos filhos, pela porta aberta...
- Visita alegre de um ou de outro amigo...
E, hoje, é a saudade que o meu peito aperta.

Mas, por deixar pegadas nos caminhos,
não fiquei só!... Cercada de carinhos,
eu sou feliz!... Se volta o sonho louco

do teu amor, acalmo o coração
pois, ao sentir que chega a solidão,
no amor dos filhos eu te encontro um pouco.
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Trova de
ELISABETE DO AMARAL
(Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar)
Mangualde/Portugal

A vida é feita de nadas,
enganando muita gente
que julgando águas paradas
vai ao sabor da corrente.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Veneração

Teus contornos gentis, das quimeras senhores
Embebedam de ardor o meu sôfrego peito
Deslumbrado, decanto o desenho perfeito
Donde vertem, querida, aprazíveis olores

Dominou-me a paixão... Ah, confesso que quero
Desse aroma provar saborosos açoites
Te entregar minhas mãos em miríficas noites
Tua pele sentir... O teu corpo venero!

Desde que tu deixaste essa marca escarlate
Impregnaste dulçor nos meus lábios felizes
Transformando em refém da loucura este vate

Com teu vívido olhar maravilhas me dizes
D'alegria fizeste o mais pleno resgate
Não sem causa do amor me deitaste raízes
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Trova de
ELIAS PESCADOR
São Paulo/SP

Tropeiro da mocidade
galopando a solidão,
foste conquista, e és saudade
que deixa rastro em meu chão…
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Depois do voo

Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me  as  reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha  sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas  estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até  o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram  as  metáforas.
Depois do voo.
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Poetrix de
LÍLIAN MAIAL
Rio de Janeiro/RJ

violoncelo plangente
(o arco arranca sustenidos):
sinfonia pelo chão
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

A magia da presença

A nossa triste solidão mais egoísta
tira da lista os amigos mais fiéis...
É sempre assim que a gente perde o que conquista,
pois nossa lista passa a ter poucos viés.

São tão cruéis as solidões propositais,
matam a paz de quem escolhe o abandono
e ter um pouco só de amor nunca é demais, 
porque a dor é que nos faz perder o sono. 

Por mais que a voz chegue gritante ou digitada,
nunca diz nada, comparada à  companhia,
porque a magia da presença inusitada

é iluminada  pelas cores fraternais 
que são capazes de enfeitar de fantasia,
essa alegria que nos torna tão... iguais.
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Trova de
TAPAJÓS DE ARAÚJO
(Raimundo de Araújo Chagas)
(Sorocaba/SP, 1894 – 1969)

Nesse amor aberto em palmas,
espero encontrar depois
um céu para duas almas
e um sonho para nós dois.
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

A prática do bem

Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!

Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de  Luz!

Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!

Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!

Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!
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Spina de
ARTUR JOSÉ CARRERA
São Paulo/SP

Amores

Amores são diferentes
Amores são diversos:
Inversos são rancores.

Seus versos rimam meio assim,
Nos perplexos olhares, não sós,
Se prestam pelos seus favores.
Amores são divinos, sem alarde
Apenas pétalas ao chão, flores.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Meu chão

Maravilhoso, o meu país inteiro:
o manto verdejante que o reveste,
o sul friento, as praias do sudeste;
Copacabana, o Rio de Janeiro...

Sou capixaba, filho de mineiro,
neto de avô que amava o chão do agreste,
amante da cultura do nordeste;
grato por ter nascido brasileiro!...

Mil vidas eu tivesse, com certeza,
eu pediria aos céus, a gentileza 
de conversar com Deus, o Pai gentil...

E, se possível, todas outras vidas,
ao seu humilde servo, concedidas,
de preferência, fossem no Brasil!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Noite

Úmido gosto de terra,
cheiro de pedra lavada
— tempo inseguro do tempo! —
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.

Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
— lábio da voz sem ventura! —
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.

A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
— sozinha, com o seu perfume! —
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.

Bem que a vida estava quieta.
Mas passava o pensamento...
— de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
= = = = = = = = =

Aldravia de
LUIZ CARLOS ABRITTA
Cataguases/MG, 1935 – 2021, Belo Horizonte/MG

navegador
solitário
quer
apenas
o
infinito
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Poema de
MARIA ANTONIETA GONZAGA TEIXEIRA
Castro/PR

Pôr do sol da minha janela

Janela encantada
Em primavera florida
É natureza de encantos
De beleza e vida.

O pôr do sol da minha janela
É aquarela de mil cores.
Que embriaga pensamentos
bem-quereres e amores.

Com o pôr do sol
As lembranças chegam devagarinho
Nas saudades dos momentos felizes
De nossas carícias e juras de amor.
Olho o sol se pondo….

E vejo em quantas primaveras
Vimos esse pôr do sol...
E hoje sinto sua falta.
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Epigrama de
BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal, 1765 – 1805, Lisboa

Levando um velho avarento 
Uma pedrada num olho, 
Pos-se-lhe no mesmo instante 
Tamanho como um repolho. 

Certo doutor, não das dúzias, 
Mas sim médico perfeito, 
Dez moedas lhe pedia 
Para o livrar do defeito. 

“Dez moedas! (diz o avaro) 
Meu sangue não desperdiço: 
Dez moedas por um olho! 
O outro dou eu por isso.”
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Alverca/Lisboa/Portugal

Ser criança

No coração de uma criança
há todo um misto de emoções.
No olhar brilha a esperança
que saltita entre canções.

Tem o perfume das flores
em cada dedo da mão.
E nas suas brincadeiras
rebola pelo chão.

Em cada estrela tem uma amiga,
faz o dia nascer.
E enquanto assobia
há um sonho a acontecer.

No sorriso espelha alegria
e tanto para ensinar.
Tem pozinhos de magia,
o dom de transformar.

Não conhece a maldade,
ainda lhe resta a pureza.
Neste mundo de crueldade
tenta afastar a tristeza.

Está sempre a cantarolar,
agarra as nuvens e vai.
Fecha os olhos e, a voar,
nem dá conta que deste mundo sai.

Ser criança é ser maior,
não contar o tempo pela idade.
É viver de abraços e de amor
no coração da liberdade.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A casa toda quebrada,
e o casal diz numa "boa":
- Mas que furacão, que nada,
foi só uma briguinha à-toa!…
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Décima de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Você conhece o poeta,
aquele que canta em versos
as belezas do Universo
e que de forma discreta,
fala da vida secreta
dos seus ais, dos seus amores?
De seu mundo de esplendores?
Ele está em toda parte,
canta com garra e com arte,
sua fé e seus louvores.

Está na terra e no ar,
está na morte e na vida,
no olhar da mulher querida,
em seu viver, seu sonhar
e no desejo de amar.
Canta o mar com seu furor,
os desencontros do amor,
florestas, aves em festas,
madrugadas e serestas
e as mágoas do trovador.

A lua e sua beleza.
Canta a paz, tão desejada,
o amor que ficou na estrada,
as forças da natureza
e do sol, a realeza.
Canta a vida, tão sofrida,
sua pobreza bandida,
sua ternura no olhar.
Porém quem irá cantar
sua eterna despedida?
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Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO

Rouxinol canta de noite, 
de manhã a cotovia;
todos cantam, só eu choro 
toda a noite e todo o dia!
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Elegia* de
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
(Afonso Henriques de Guimarães Filho)
Mariana/MG, 1918 – 2008, Rio de Janeiro/RJ

Elegia para Mário de Andrade

Era doce viver, se a madrugada
paulistana molhava as rosas, os milhões
de rosas paulistanas... A arraiada
afugentando pasmos... Mas, pinhões!

que não seria desta vida airada,
destes sítios de dor, destes sertões!
Havia o mundo, a face ensanguentada
do mundo... uivando, uivando nos salões.

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mário dizia, o coração batendo
de amor, de um forte amor insaciado.

Mário de humanidade se alimenta.
Mário é milhões de corações sofrendo.
E um dia o corpo... um sonho inanimado.
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*Na Literatura Grega antiga o termo "elegeia" originariamente referia-se a qualquer verso escrito em dístico elegíaco cobrindo uma vasta gama de assuntos, entre eles, os epitáfios para túmulos. A elegia na Literatura Latina foi mais erótico ou mitológico. Devido ao seu potencial estrutural para efeitos retóricos, o dístico elegíaco foi também utilizada pelos poetas gregos e romanos para assuntos espirituosos, engraçados e satíricos.

Modernamente, elegia é uma poesia de tom terno e triste. Geralmente é uma lamentação pelo falecimento de um personagem público ou um ser querido. Vale ressaltar que na elegia também há digressões moralizantes destinadas a ajudar ouvintes ou leitores a suportar momentos difíceis. Por extensão, designa toda reflexão poética sobre a morte: a elegia, assim como a Ode, tem extensões variadas. O que as difere é que a elegia trata de acontecimentos infelizes.

Na antiguidade, a elegia era uma composição da poesia lírica monódica (ou seja, declamada pelo próprio poeta, geralmente, e acompanhada por um só instrumento musical - como a lira; ao contrário da lírica coral, apresentada por um coro, como ou sem acompanhamento musical), aparentada à épica pela sua forma. No entanto, o metro utilizado era o dístico elegíaco. Havia vários tipos de elegia, conforme seu conteúdo: elegia marcial ou guerreira, elegia amorosa e hedonista, elegia moral e filosófica, elegia gnômica...

Inicialmente definida pelo metro específico, chamado metro elegíaco, a elegia passou a designar um gênero poético que se caracterizou não pela forma, mas pelo assunto: a tristeza dos amores interrompidos pela infidelidade ou pela morte.

A elegia surgiu na Grécia antiga, com Calino de Éfeso (século VII a.C.), Tirteu e Mimnermo. Seus poemas eram cantos guerreiros que incitavam à luta. Calímaco, importante poeta alexandrino do século III a.C., foi um dos primeiros a escrever elegias no sentido do moderno termo, ou seja, como poemas líricos e tristes. Sua elegia Os cabelos de Berenice, da qual só restaram fragmentos, constituiu o primeiro modelo do gênero.

Entre os romanos, o primeiro grande poeta elegíaco foi Tibulo. Seus três livros sentimentais, muito lidos durante a Idade Média, influenciaram fortemente os poetas da Renascença. Foram preferidos às elegias de Propércio, que inauguraram um subgênero, com poemas ardentemente eróticos. O mais importante dos elegíacos romanos foi Ovídio: os Poemas tristes e as Cartas do Ponto, que lamentavam seu exílio, se aproximam bastante das elegias modernas.

No século XVI, a elegia transformou-se num dos gêneros poéticos mais cultivados, embora ainda pouco definido. Em Portugal, o primeiro escritor de elegias foi Sá de Miranda, mas Camões foi o principal: da edição de 1595 de suas obras completas, constam quatro elegias, tidas pelas melhores em língua portuguesa. Na França da Renascença, destacou-se no gênero Pierre de Rosnard.

Na poesia inglesa, a elegia apareceu com Astrophel, lamento fúnebre de Edmund Spenser. Durante quase três séculos produziram-se, dentro desse modelo, alguns dos maiores poemas da literatura inglesa, como Lycidas, de Milton (1638), Adonais, de Shelley (1821), sobre a morte de Keats, e muitas outras. Contudo a mais famosa elegia da língua inglesa foi Elegy Written in a Country Church Yard (1751; Elegia escrita num cemitério da aldeia), de Thomas Gray, meditação sobre a morte de gente humilde e anônima e uma das obras capitais do pré-romantismo europeu.

Em outras literaturas, a elegia assumiu características pagãs, como as belas e eróticas Römische Elegien (1797; Elegias romanas), de Goethe, obra prima da literatura alemã. No século XX, a obra mais importante do gênero foi sem dúvida Duineser Elegien (1923; Elegias de Duino), do poeta alemão Rainer Maria Rilke. No Brasil, o mais importante autor de elegias foi Fagundes Varela, no século XIX. Destacam-se ainda Cristiano Martins, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles (em Solombra) e Dantas Mota, no século XX. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Elegia)
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José Feldman (O Caleidoscópio da Vida)


No caleidoscópio da vida,
vitórias e derrotas…
Ficamos na torcida.

A vida, se pensarmos bem, é um caleidoscópio em constante movimento. Cada giro traz uma nova imagem, uma nova combinação de cores e formas que refletem nossas experiências. Às vezes, as combinações são vibrantes e cheias de vitórias; em outras, sombrias, carregadas de derrotas. E assim seguimos, torcendo para que as próximas voltas nos apresentem algo belo.

Certa manhã, enquanto caminhava pelo parque, fui atraído por um grupo de crianças brincando. Elas riam, corriam e se divertiam sem preocupações. Observando-as, percebi que, em sua inocência, já viviam o ciclo natural de vitórias e derrotas. Cada vez que um dos pequenos caía, havia um misto de choro e risadas, mas logo se levantavam, prontos para tentar novamente. Era um espetáculo de resiliência, uma verdadeira aula de vida.

Parei para refletir. Ao longo dos anos, quantas vezes eu havia me deixado abater por uma derrota? Às vezes, o peso da frustração é tão grande que parece impossível levantar-se e continuar. Mas, ao mesmo tempo, cada vitória, por menor que fosse, traz consigo um novo ânimo, uma nova perspectiva. O caleidoscópio da vida nos ensina isso: que a beleza está tanto nas vitórias quanto nas derrotas.

O tempo passou, e eu me lembrei de um momento específico: a época em que decidi mudar de carreira. A transição foi repleta de desafios e incertezas. Havia dias em que me sentia invencível, acreditando que tinha feito a escolha certa. Em outros, era como se um peso insuportável me esmagasse, e a dúvida corroía minha confiança. Lembrei-me de como esperei ansiosamente por cada conquista, mas também como chorei por cada porta fechada.

A verdade é que, assim como as cores em um caleidoscópio, nossas experiências são interligadas. Cada vitória é resultado de derrotas superadas, e cada derrota é uma oportunidade disfarçada. Ao torcer por nós mesmos e por aqueles que amamos, estamos, na verdade, torcendo pelo ciclo da vida — um ciclo que nos ensina a valorizar cada passo do caminho.

No parque, uma das crianças, ao cair, olhou para os amigos e, com um sorriso travesso, disse: “Vamos de novo!” Aquela frase ecoou em minha mente, e percebi que, mesmo adultas, precisamos de um pouco dessa coragem infantil. Precisamos nos permitir falhar e nos levantar, torcendo sempre por dias melhores.

Conforme o sol se punha, as cores do céu começaram a mudar, criando um espetáculo deslumbrante. A partir daquele momento, entendi que, assim como o céu, a vida é cheia de nuances. As vitórias são as manhãs ensolaradas, enquanto as derrotas são os dias nublados. Ambas são necessárias para que possamos apreciar a beleza do que temos.

Ao deixar o parque, senti-me renovado. O caleidoscópio da vida continuaria girando, e eu estava pronto para enfrentar o que viesse, seja vitória ou derrota. Afinal, cada um de nós está sempre na torcida, esperando que a próxima volta traga novas cores e formas, sempre lembrando que, no final, é a jornada que realmente conta.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural, radicado no Paraná há 27 anos. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou de sua autoria 4 ebooks.. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

A. A. de Assis (Nos outroras, em junho)


Nos antigamentes da vida, a vida era alegre e franca. Em junho bem mais, numa bem-humorada homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro.

A festança no terreiro. A fogueira no meio. O mastro com a estampa do santo na ponta. As barraquinhas de vender batata doce, caldo de cana, beijo de moça. As danças. As fantasias. A recitação.

Os casais formavam uma grande roda e cantavam modas. Após cada moda  faziam uma parada, jogavam um dos participantes no centro e o obrigavam a dizer um versinho. Como estes:

O meu pai é Juca Caco, 
minha mãe Caca Maria; 
ajuntando os cacos todos, 
sou filho da cacaria!

O meu chapéu tem três bicos, 
três bicos tem meu chapéu; 
se não tiver os três bicos, 
então não é meu chapéu!

Quando Deus moldou o homem, 
não precisou cerimônia: 
deu-lhe o corpo de um boneco 
e a cara de um sem-vergonha...

Fecha bem tua janela 
quando te fores deitar... 
No quarto de uma donzela, 
nem a lua pode entrar!

Não é por andar com livros 
que a gente fica doutor. 
As traças vivem com eles, 
devem sabe-los de cor.

Eu não canto por cantar 
nem por ser bom cantador. 
Canto pra matar saudades 
que tenho do meu amor.

Senhora tão bonitona, 
tira a roupa da janela... 
Vendo a roupa sem a dona 
penso na dona sem ela!

Machado de Assis proclama, 
e eu tenho que concordar: 
“É melhor cair de cama  
do que do terceiro andar”...

Cuidado, mocinha ingênua, 
com o que  diz o garotão. 
Discurso fácil nos lábios, 
mentira no coração!

O invejoso xinga e picha, 
mas de nada adianta o estrilo: 
– Quem nasceu pra lagartixa 
nunca chega a crocodilo!

– Viva São Pedro!

(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 26-6-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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Renato Benvindo Frata (Tempo que flui...)


Quando me lembro, mesmo sem querer, eu solto um palavrão. Desses cabeludos, que saem da boca, ricocheteiam nas paredes, para levantarem telhas. Geralmente começam com a letra P e, curiosamente, terminam com uma palavra começada também por outra letra P.

Eu sou do tempo do mata-borrão! Preciso dizer mais?

O mata-borrão, invariavelmente, nos levará às canetas de pau.

Sim, aquelas cilíndricas, feitas de madeira branca, que continham em uma das suas pontas um encaixe para as penas de aço. Mergulhava-se a pena em um tinteiro e estava aí o instrumento de escrita nas mãos das crianças do terceiro ano escolar.

As carteiras eram duplas, de sorte que ambos os colegas usavam o mesmo tinteiro, esse regularmente abastecido pela zeladora que vinha com um bule grande e despejava a tinta no pequeno recipiente.

Pois quem usou as benditas canetas de pau, também se serviu, necessariamente, do mata-borrão. Havia uma técnica – que só aprendemos com a prática – ao molhar a pena na dita tinta.

Bastava que enfiássemos apenas a ponta dela, uns 4mm, se muito, mas nunca ninguém nos falou, de sorte que a pena por inteiro ia no tal tinteiro, para sair pingando na carteira, na roupa e no papel.

Daí o uso do tal, cuja lembrança me arrepia.

Não, por tê-lo usado, afinal, era o suprassumo do chique com a absorção do excesso de tinta que a pena soltava, mas, pelo tempo que isso se deu: há uns sessenta e oito anos, época em que os primeiros fios ralos de bigode passavam por melhores tratos.

Caramba, meu! – Eu diria com sincera exclamação – o tempo passou! E estamos ainda aqui...

Da caneta de pau à caneta tinteiro foi um pulo, e possuir uma simbolizava duas coisas: que já havíamos aprendido a bem escrever e que podíamos carregá-la no bolso externo do paletó a mostrar posse, mesmo porque, embora faça tanto tempo, a vaidade – esse mal que persegue os humanos – é bem mais velha que nós. É cabeluda também! Como são os palavrões.

Por falar em vaidade, possuir hoje uma caneta dessas, ou se é colecionador, ou acumulador de quinquilharia, mesmo porque a escrita manual está se tornando escassa, em desuso a partir do quarto ano primário, substituída pelos teclados ou mensagens fonadas que, de certa forma, retira do ser humano sua humanidade. 

Vai-se o tempo, perde-se a simbiose entre as pessoas e infelizmente, entre professores e alunos.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Bode expiatório”


Para começo de conversa, que fique claro que o “expiatório” do título deste é grafado com “X”, pois deriva do verbo "expiar", consequência punitiva decorrente de um erro ou falta grave que cometemos. Já "espiar", escrito com "S", significa espreitar, vigiar, espionar, observar atentamente qualquer coisa. 

O saudoso advogado, magistrado, intelectual, acadêmico e professor paraense Edgar Olyntho Contente, bolou um neologismo que usava para alertar, com bom humor, os alunos do velho Casarão sobre a rigorosa proibição de “espiolhar” a prova do colega que estivesse sentado ao lado... A grafia equivocada dessas duas palavras, lembra a costumeira confusão entre o "mas" e o "mais", de pronúncias semelhantes, mas de significados diferentes. Muitos esquecem que o "mas" (conjunção) deve ser usado para exprimir ideias opostas, fazendo às vezes de "porém", "contudo" ou "todavia"; e o "mais" (advérbio), indica um acréscimo, um aumento e é o oposto da palavra "menos". 

Voltando ao tema principal, a expressão "Bode expiatório" refere-se a alguém que suporta as consequências deletérias dos erros dos outros, pagando por eles. Sua origem remonta no ritual judeu do Livro dos Levíticos, do Antigo Testamento, em que Aarão, ao pôr as mãos sobre a cabeça de um bode, transmite para o animal todos os pecados do povo de Israel. 

E a partir dessa origem bíblica, passou a ser comum usarmos o termo “Bode expiatório” para caracterizar o suposto culpado por um ato reprovável, sem que tenha sido ele a cometê-lo. Tal expressão, que hoje faz parte da nossa linguagem, retrata situações em que uma pessoa ou um grupo de pessoas inocentes, foi ou está sendo responsabilizado por uma culpa inexistente.

Indivíduos ou grupos, carregam eles suposta culpa por deslizes, dramas ou problemas que não são exclusivamente seus e exemplos não faltam. Basta lembrar que os judeus, na sombria época da Alemanha nazista, foram considerados culpados pelos problemas econômicos e sociais da nação, virando “bodes expiatórios” para as desumanas atrocidades de Hitler. 

Ainda na Europa medieval, mulheres paupérrimas e marginalizadas foram acusadas de “bruxaria” e implacavelmente perseguidas e punidas, se tornando  “bodes expiatórios”, de vez que lhes eram atribuídas as causas de todos os problemas sociais, como doenças, vícios e até a frustração das colheitas. 

Ademais, durante a construção da ferrovia transcontinental nos EUA no Século XIX, os trabalhadores braçais chineses, além de explorados até à exaustão, posteriormente foram culpados por problemas econômicos e sociais, fazendo surgir leis discriminatórias, como a famigerada “Lei de Exclusão Chinesa”.

Tais exemplos mostram como transformar uma pessoa ou grupo de pessoas em “Bodes expiatórios”, vertente de odiosa discriminação, inaceitável violência e aberta injustiça. Na música popular brasileira, surgiu um “rap” (estilo musical que é expoente da cultura “hip hop”, no qual rimas e poesias são faladas, sobre uma barulhenta base rítmica), que usou a expressão “Bode expiatório” como título, abordando temas nitidamente sociais e políticos:

Racismo, preconceito, 
Discriminação
São maneiras de agir
Mostram a nós desunião
Não sei quem é perfeito
Mas eu vejo egoísmo
Não sei quem é perfeito
Mas eu vejo solidão

Bode expiatório!!! (repete 4 vezes)

Uma das características principais dos chamados “bodes expiatórios”, sejam eles grupos de pessoas ou indivíduos, é a falta de poder, a sua incapacidade de lutar contra aqueles que ostensivamente os oprimem, sendo-lhes difícil entender porque um grupo social ou uma pessoa canaliza suas frustrações e idiossincrasias contra os demais, só porque eles são diferentes ou desiguais.

A necessidade que a maioria tem de encontrar um culpado, mesmo sabendo que essa prática gera preconceito, discriminação, violência física e/ou psicológica, nos remete aos bancos escolares, onde tomamos conhecimento da existência de Tiradentes, mártir da independência do Brasil, espécie de Cristo cívico da nacionalidade, que pagou com a vida seu sonho de liberdade. 

O jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno, no livro “Brasil: uma história” (editora Leya, 2013), afirma ter sido ele um “Bode expiatório” da Inconfidência Mineira, revolta motivada pela abusiva cobrança de impostos, e integrada por intelectuais, religiosos, militares e fazendeiros de Vila Rica (hoje Ouro Preto), da qual só ele, simples alferes do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais (atual Polícia Militar), que nem dessa requintada elite fazia parte, experimentou a crueldade do títere português até mesmo depois de morto na forca, incumbindo-se a República, quase um século depois de seu suplício, de transformá-lo no herói nacional que nós até hoje reverenciamos.
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O autor é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras. Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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