sábado, 28 de setembro de 2024

José Feldman (A Luz)

para Maya
[São Paulo/SP 1997 – Maringá/PR 2013]

Foste uma amiga, uma irmã,
foste uma luz, o calor.
No despertar da manhã,
foste… simplesmente amor.

Em uma pequena cidade, havia um homem chamado Giuseppe, que viveu a maior parte de sua vida imerso na solidão. Mas, tudo mudou quando ele encontrou uma cadela abandonada na rua. Ela era uma mistura de raças, com olhos brilhantes e um jeito brincalhão que derreteu seu coração. Giuseppe a chamou de Maya, e desde aquele dia, eles se tornaram inseparáveis.

Maya trouxe alegria para a vida dele. Juntos, exploravam parques, faziam longas caminhadas e compartilhavam momentos simples, como assistir ao pôr do sol no quintal. Com o passar dos anos, Maya se tornou mais do que uma companheira; ela era sua melhor amiga, sua luz em dias sombrios.

Os anos passaram rapidamente e, ao completar 16 anos, Maya começou a apresentar sinais de fraqueza. A energia que antes brilhava em seus olhos agora era apenas um lampejo. Giuseppe, preocupado, levou-a ao veterinário, onde recebeu a notícia que temia: Ela estava envelhecendo e seu tempo estava se esgotando.

Nos dias que se seguiram, Giuseppe fez tudo o que pôde para tornar os últimos momentos de Maya especiais. Ele a levou a todos os lugares que ela amava, preparou suas comidas favoritas e passou horas acariciando seu pelo macio. Mas, apesar de seus esforços, o estado dela continuava a piorar.

Uma noite, enquanto a lua iluminava o céu, Maya deitou-se ao lado de Giuseppe. Ele a abraçou, sentindo seu coração bater lentamente. Com lágrimas nos olhos, ele sussurrou palavras de amor e gratidão, lembrando-se de todos os momentos que viveram juntos. Maya olhou para ele, como se entendesse cada palavra, e então fechou os olhos pela última vez.

A dor da perda foi avassaladora. A casa, que antes era preenchida com os risos e as brincadeiras de Maya, agora parecia vazia e silenciosa. Giuseppe caminhava pelos lugares onde costumavam brincar, sentindo a falta da alegria que a cadela trouxera para sua vida. Cada canto lembrava-o dela: o sofá onde ela costumava se aninhar, o parque onde corriam juntos, e até mesmo o quintal onde tantas vezes observaram o sol se pôr.

Os dias se tornaram semanas, e a tristeza de Giuseppe parecia não ter fim. Ele se perguntava como poderia viver sem sua fiel amiga. A vida, que antes parecia cheia de significado, agora era uma sombra do que era.

Mas, em meio à dor, Giuseppe começou a lembrar das lições que Maya lhe ensinou sobre amor e amizade. Ele decidiu que, embora ela não estivesse mais fisicamente ao seu lado, seu espírito e as memórias que compartilharam sempre viveriam em seu coração. Com isso, ele se dedicou a ajudar animais abandonados, fazendo o que pôde para dar a outros cães a mesma felicidade que Maya trouxe para sua vida.

A tristeza nunca desapareceu completamente, mas Giuseppe encontrou consolo na ideia de que Maya havia deixado um legado de amor. E, assim, em meio à dor, ele começou a reencontrar sua luz.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Ia Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = Ademar Macedo (Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN)


Dicas de escrita (Diferença entre contos e crônicas)

arte de Albert Anker (Suiça, 1831-1910)
A diferença entre crônica e conto é significativa, refletindo estilos, estruturas e propósitos distintos na literatura. Vamos explorar esses gêneros de forma aprofundada, citando exemplos de diversos autores brasileiros.

     Crônica
A crônica é um gênero textual que se caracteriza pela sua ligação com o cotidiano e pela abordagem de temas do dia a dia. Geralmente, é escrita em um tom leve e informal, permitindo uma conexão imediata com o leitor. As crônicas podem abordar questões sociais, políticas, culturais ou simplesmente relatar um episódio da vida cotidiana.

Características da Crônica:

Estilo Pessoal: A voz do autor é predominante. O leitor muitas vezes sente a presença do cronista, que compartilha suas reflexões e observações.

Brevidade: As crônicas são geralmente curtas, podendo ser lidas rapidamente.

Temática Ampla: Trata de assuntos triviais, mas com profundidade e ironia.

Exemplos de Autores Brasileiros de Crônicas:

Carlos Drummond de Andrade: Em suas crônicas, como "A Máquina do Mundo", explora a solidão e a condição humana com uma sensibilidade única.

Luis Fernando Veríssimo: Conhecido por suas crônicas humorísticas, aborda a vida urbana e as relações sociais. Em "O Analista de Bagé", ele utiliza o humor para criticar comportamentos e costumes.

Mário Prata: Suas crônicas frequentemente refletem sobre a cultura e a sociedade brasileira contemporânea, como em "Pé na Estrada".

     Conto

O conto, por outro lado, é uma narrativa mais estruturada que se concentra em um único evento ou situação, geralmente com um clímax e uma resolução. É um gênero que permite ao autor explorar a imaginação e a criação de mundos fictícios, embora também possa abordar temas reais.

Características do Conto:

Estrutura Focada: Tem um enredo mais elaborado, com início, meio e fim.

Personagens e Conflitos: Os contos costumam apresentar personagens bem definidos e um conflito central que é resolvido ao longo da narrativa.

Densidade Temática: Mesmo sendo breve, o conto pode explorar temas complexos e profundos.

Exemplos de Autores Brasileiros de Contos:

Machado de Assis: Em contos como "A Cartomante", ele utiliza a ironia e o psicológico para explorar relações humanas e dilemas morais, são marcados por uma introspecção profunda e uma busca pela essência da condição humana.

Clarice Lispector: Sua obra "Perto do Coração Selvagem" apresenta contos que refletem a complexidade das relações sociais e psicológicas.

Comparação

Intenção e Abordagem:

A crônica busca refletir sobre o cotidiano e provocar uma identificação imediata no leitor. Por exemplo, as crônicas de Veríssimo muitas vezes têm um tom de crítica social disfarçada de humor.

O conto, enquanto isso, busca contar uma história com um arco narrativo mais evidente, como nos contos de Lispector, que mergulham na psicologia das personagens.

Formato e Estrutura:

Crônicas são mais soltas e podem não seguir uma estrutura rigorosa. Drummond, por exemplo, muitas vezes mistura poesia e prosa em suas crônicas.

Contos são mais estruturados, com um enredo claro. Em "A Cartomante", Machado de Assis apresenta uma trama que se desenrola até um clímax inesperado.

Tonalidade:

A crônica é frequentemente leve, mesmo ao tratar de temas sérios. Já o conto pode ter um tom mais sombrio ou dramático, como em "O Coração Delator", de Poe, que, embora não seja brasileiro, influenciou muitos contistas brasileiros.

Conclusão

Tanto a crônica quanto o conto têm seu espaço e importância na literatura brasileira. Enquanto a crônica capta a essência do cotidiano com leveza e humor, o conto mergulha em narrativas mais complexas e estruturadas, explorando a profundidade da experiência humana. Autores como Drummond, Veríssimo, Machado de Assis e Clarice Lispector exemplificam a riqueza desses gêneros, cada um contribuindo de maneira única para a literatura nacional.

José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Open  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Apanhando papel)


(samba, 1931) 

Compositor: Getúlio Marinho e Ubiratan Silva

Nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Mas eu tenho fé 
no meu orixá
Que não há de deixar
A esse ponto chegar

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Mas eu tenho fé 
no meu orixá
Que não há de deixar
A esse ponto chegar

Feliz de quem 
não se passa pra carinho
Não tem o dissabor
De andar pela rua 
falando sozinho

Meu santo é forte é do bom
E com ele é assim
Não dar a ousadia
De terem lazer
Ou zombarem de mim

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Por isso é que fiz 
a Deus uma oração
Pra não ter por mulher
Aquilo que se diz amor ou paixão

Desejo gostar
E quero elas todas louvar
Sem meu sacrifício
Pra meu benefício
Uma vida gozar

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

José Feldman (Versejando) 150

 

Renato Frata (Noite sonhada)

À noite, às vezes, acordo pela metade e, só com um olho aberto, vagueio pensamentos, enquanto o outro, fechado, sonha de verdade. No maior silêncio, vejo coisas na penumbra ou imagino-as enquanto lhes dou forma. Deixo-as circulares, hexagonais, poligonais, multifoliadas, espicho-as para encolhê-las depois. São sombras que a noite põe dentro do quarto e que se mexem nas paredes conforme o vento bole nas plantas, lá fora. Desenham coisas belas e outras nem tanto, mas só o fato de desenharem para apagarem em seguida, voltando a fazê-lo no seguinte instante, já me basta.

Divirto-me. Nelas e com elas passo um tempo vivendo a madrugada desprezando vozes da noite que uivam ou tossem nos passos de passantes; a isso não há incômodo quando vêm da rua, e prezo ficar no quarto em meio a girassóis e roseiras que abrigam gnomos, seres especiais na visão da insónia.

Não saberia dizer de que cores são esses grotescos senhores porque o escuro, embora tenha nuanças aqui e ali, é no todo monocromático, mas digo que, se fossem verdes, azuis e amarelos, em nada mudariam o momento porque este é só meu, com direito de lhe dar a cor que imaginar.

Possuem tachos bojudos sobre pequenas fogueiras onde fazem doces. Muitos. De frutas coletadas na floresta. Ou seria num pomar? Não sei. Ou num jardim? Apenas que saem dali os melhores e mais saborosos doces de tudo quanto é variedade, e não os fazem sozinhos como alguém poderia pensar, recebem ajuda das fadas que dividem com eles o espaço dos girassóis e roseiras, entremeados por teias como casas.

Sim, posso dizer que vivem juntos e as fadas se vestem com roupa esvoaçante quase transparente, com aventais bordados à mão presos às cinturas e cabelos amarrados em coque. São lindas. E trabalham tanto, e produzem tanto que do louco sabor desses doces descobri um segredo - sei que segredo não se conta, mas esse merece ser espalhado como cocada antes de ser cortada, porque é de um doce especial: ao invés de os adoçarem com açúcar como todos os doces que se conhece, recebem o doce gostoso do arco-íris; e por essa ninguém esperava, mas é verdade. 

O arco-íris tem gosto de um bom sonho, não desses de padaria, mas de um sonho bem sonhado quando nele se realiza e se constrói a maior felicidade, mesmo que seja com um só olho aberto em plena madrugada, a brincar com sombras. E a voltar à cama antiga de colchão farfalhento, de palha, com os espíritos da noite vadiando sonhos que nos faziam crescer. Até que o sol, dando vozes de alegria aos pássaros, botava um farolete aceso na fresta com o intuito de nos acordar.

Sonhar acordado o ontem é viver duas vezes a mesma felicidade.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Vereda da Poesia = Olivaldo Júnior (Mogi-Guaçu/SP)





Silmar Bohrer (Croniquinha) 121

Surge no horizonte, na lonjura do mar. Fumacinha quase imperceptível rumando o continente. E corre, e avança, incontinenti . . . 

Logo parece nuvem crescendo, mais perto, chegando ao longo da costa, andança imanente, presente, sobre as ondas. 

E invade, encobre areias, árvores, casas, pássaros. Pessoas são vultos serenos, viventes ausentes flutuando em auréolas. 

Sentimentos, mimese, emanações, ouve-se sussuros de Cecília, poemas de Drummond, odes de Bandeira, fluências de Alphonsus (o Guimarães), gotículas borrifadas de poesia. 

O que seria ? 

A névoa. 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Folhas ao vento)


(valsa, 1934) 

Compositor: Milton Amaral

Tão mimosa
Graciosa e angelical
Nasceu em seu jardim uma linda flor
Naquela noite santa de Natal
No momento que juramos eterno amor
No entanto você tudo esqueceu
Trocando meu coração por outro ser
E a flor, ao ver a sua ingratidão
Murchou e em prantos se desfolhou
Até morrer.

Folhas ao vento
Já que o destino assim nos transformou
Envelheci
Na lucidez da imensa provação
Num labirinto
De tristeza e saudade
Num relicário, a cruci dor da ingratidão

Folhas ao vento
Quando a bonança veio me abraçar
Num desalento
Aquele amor fui encontrar
Numa igrejinha, tendo ao colo filhos seus
Pedindo uma esmola
Pelo amor de Deus!

A Dor da Ingratidão e o Passar do Tempo em 'Folhas ao Vento'
A música 'Folhas ao Vento' é uma obra que explora profundamente os temas da ingratidão, do amor perdido e do envelhecimento. A letra começa com uma imagem poética e angelical de uma flor que nasce em um jardim na noite de Natal, simbolizando um amor puro e promissor. No entanto, essa promessa de amor eterno é quebrada quando a pessoa amada troca o coração do narrador por outro, levando a flor a murchar e morrer em um ato de ingratidão.

O refrão 'Folhas ao vento' é uma metáfora poderosa que representa a fragilidade e a transitoriedade da vida e dos sentimentos. O narrador se vê envelhecendo, preso em um labirinto de tristeza e saudade, carregando a dor da ingratidão como um fardo pesado. A imagem das folhas ao vento sugere que, assim como as folhas são levadas pelo vento sem rumo, o narrador se sente perdido e desamparado diante da traição e do abandono.

No final da música, há um encontro inesperado e doloroso. O narrador encontra seu antigo amor em uma situação de desespero, pedindo esmola com os filhos em uma igrejinha. Esse momento de desalento revela a ironia do destino e a crueldade das circunstâncias, mostrando que o amor que um dia foi puro e promissor agora se encontra em ruínas. A música, portanto, é uma reflexão melancólica sobre a passagem do tempo, a fragilidade dos sentimentos humanos e a inevitabilidade da mudança.

Fonte: 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 576

 

Manoel Cavalcante (Trovas em Preto & Branco)


1
A noite sai do espetáculo,
inerme, discreta e estranha;
o sol por trás de um pináculo
eriça a luz na montanha… (…)
2
A trova levou-me aos céus,
pois entre joios e trigos
perdi pequenos troféus
mas ganhei grandes amigos.
3
A velhice, em tom sarcástico,
gosta de mostrar que sou
restos de sonhos de plástico
que o trem do tempo esmagou.
4
Covarde, pobre e mesquinho;
quem durante a caminhada
ante às pedras do caminho,
decreta o final da estrada.
5
É duro olhar para o lado
em meio ao redemoinho,
no vento mais conturbado
e ver… Eu estou sozinho!
6
– Já passaste, Primavera?!
Nenhuma flor me marcou!
Querendo ser quem eu era,
nunca mais fui quem eu sou…
7
Junta-se o poeta aos loucos;
um diário vivo em versos,
expressando como poucos
os sentimentos diversos.
8
Na madrugada sem fim,
a saudade, desvairada,
acende um confronto em mim
entre um ninguém e um nada!…
9
Na realidade, o pecado
que me faz vagar a esmo,
foi na vida ter amado
outro alguém mais que a mim mesmo!
10
No trem, a vida é mesquinha.
Pare! Não tema empecilhos.
Não há quem ande na linha
neste planeta sem trilhos.
11
Pela dor da decepção
eu já me recuperei,
só falta a devolução
de um amor que eu te entreguei!
12
Se foi feitiço ou segredo,
pra mim não adianta, é tarde!
Quando alguém ama com medo,
esculpe um amor covarde!

AS TROVAS DE MANOEL CAVALCANTE EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As Trovas, suas Temáticas e Relações om Poetas Brasileiros e Estrangeiros  de diversas épocas

Trova 1. A noite sai do espetáculo
Temática: Transitoriedade e Melancolia
A noite, representando o fim de um ciclo, é descrita como discreta e estranha. O sol que surge simboliza renascimento, mas a forma como é apresentado sugere um contraste entre a beleza do novo dia e a saudade da noite que se vai.

Cecília Meireles (1901 – 1964): a transitoriedade e a melancolia estão presentes em sua obra, que frequentemente explora o tempo e a passagem das coisas.

Emily Dickinson (EUA, 1830 – 1886): também aborda a dualidade entre luz e escuridão, refletindo sobre a vida e a morte em seus poemas.

Trova 2. A trova levou-me aos céus
Temática: Amizade e Alegria
Aqui, o eu lírico reflete sobre a jornada da vida, onde a busca por pequenos troféus (conquistas) é superada pela formação de grandes amizades. Isso enfatiza a importância das conexões humanas sobre as realizações materiais.

Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987): a amizade e os laços humanos são temas centrais em sua obra, especialmente em como as relações moldam nossa vida. 

Walt Whitman (EUA, 1819 – 1882): celebra a conexão humana e a amizade em sua obra, enfatizando a importância das relações na experiência humana.

Trova 3. A velhice, em tom sarcástico
Temática: Envelhecimento e Desilusão
A velhice é tratada de maneira crítica, onde o trovador se vê como restos de sonhos não realizados. A metáfora do “trem do tempo” sugere que os sonhos foram esmagados pela passagem inevitável do tempo, trazendo um tom de resignação.

Adélia Prado (1935): explora a passagem do tempo e a sabedoria que vem da experiência, muitas vezes com um tom irônico.

Robert Frost (EUA, 1874 – 1963): também aborda a inevitabilidade do envelhecimento e a reflexão sobre sonhos perdidos.

Trova 4. Covarde, pobre e mesquinho
Temática: Medo e Conformismo
Critica aqueles que, diante das dificuldades, desistem da jornada. A metáfora das “pedras do caminho” representa os obstáculos da vida, e a entrega à mediocridade é vista como uma covardia.

Alphonsus de Guimaraens (1870 – 1921): A luta contra a mediocridade e a busca por significado na vida são temas que aparecem em sua obra.

T.S. Eliot (EUA, 1888 – 1965, Inglaterra): frequentemente examina a condição humana e a luta contra o tédio e a estagnação. A passagem do tempo e suas implicações são temas centrais nas obras de ambos. Enquanto Cavalcante lida com a melancolia da transitoriedade, Eliot, em poemas como "The Love Song of J. Alfred Prufrock", reflete sobre a hesitação e o arrependimento.

Trova 5. É duro olhar para o lado
Temática: Solidão e Crise Interior
A solidão é enfatizada em um momento de turbulência. O eu lírico se sente isolado, mesmo no meio da confusão, refletindo a dificuldade de encontrar apoio ou conexão em momentos difíceis.

Augusto dos Anjos (1884 – 1914): a solidão e a crise existencial estão presentes em sua poesia, refletindo uma visão sombria da condição humana.

Franz Kafka (Tchecoslováquia, 1883 – 1924): a solidão e a alienação em meio à sociedade são temas centrais na obra de Kafka, que retrata a luta interna do indivíduo.

Trova 6. – Já passaste, Primavera?!
Temática: Perda e Nostalgia
A Primavera simboliza renovação e esperança, e a ausência de flores sugere uma perda de vitalidade e alegria. Lamenta a transformação que o afastou de sua essência, expressando um desejo de retornar ao que era.

Vinícius de Moraes (1913 – 1980): a nostalgia e a busca por momentos perdidos são temas recorrentes em sua poesia.

Pablo Neruda (Chile, 1904 – 1973): trata da perda e da saudade em sua obra, especialmente em relação ao amor e à passagem do tempo. Ambos exploram o amor com intensidade, capturando a paixão e a dor que ela pode trazer. Neruda, em sua poesia, aborda o amor de maneira épica, enquanto Cavalcante traz uma abordagem mais intimista e reflexiva.

Trova 7. Junta-se o poeta aos loucos
Temática: Criatividade e Loucura
A relação entre poesia e loucura é explorada, onde o poeta se une aos que sentem intensamente. A escrita é apresentada como uma forma de expressar sentimentos complexos, revelando a profundidade da experiência humana.

Manuel Bandeira (1886 – 1968): a relação entre loucura e poesia é explorada em sua obra, refletindo a intensidade das emoções.

Sylvia Plath (EUA, 1932 – 1963): ambos lidam com questões existenciais e a luta interna do ser humano. Plath, com sua abordagem confessional, reflete sobre a angústia e a identidade, algo que também ressoa nas trovas de Cavalcante.

Trova 8. Na madrugada sem fim
Temática: Saudade e Conflito Interior
A madrugada representa um estado de introspecção e solidão. Cavalcante enfrenta um confronto interno entre a sensação de ser “ninguém” e “nada”, refletindo um estado de desespero e busca por significado.

Clarice Lispector (1920 – 1977): a introspecção e a busca pelo sentido da vida são temas comuns em sua prosa e poesia.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1975 – 1926): a solidão é uma preocupação central em ambas as obras. Rilke, conhecido por suas meditações sobre a existência e a busca por significado, ecoa os sentimentos de introspecção que permeiam as trovas de Cavalcante.

Trova 9. Na realidade, o pecado
Temática: Amor e Autodescoberta
Reconhece que amar outra pessoa mais do que a si mesmo é um erro que leva à desorientação. Essa descoberta é dolorosa, enfatizando a necessidade de amor-próprio como fundamental para a felicidade.

Álvaro de Campos (Portugal, 1890 – 1935) : (heteronímia de Fernando Pessoa) a luta interna entre o amor e o amor-próprio é uma questão que aborda com complexidade em sua obra.

John Keats (Inglaterra, 1795 – 1821): explora a ideia de amor e sacrifício, refletindo sobre a busca por uma conexão profunda. A busca por significado em meio à dor e a beleza da vida são temas comuns. Keats, com sua sensibilidade romântica, compartilha essa busca existencial com Cavalcante.

Trova 10. No trem, a vida é mesquinha
Temática: Obstáculos e Perseverança
A metáfora do trem sugere que a vida tem seu caminho, mas as dificuldades são inevitáveis. O poeta encoraja a não temer os empecilhos, reconhecendo que todos enfrentam desafios em sua jornada.

Mário Quintana (1906 – 1994): reflete sobre a vida e suas dificuldades, sempre com um tom leve e filosófico. A valorização das pequenas coisas da vida e a reflexão sobre o tempo são comuns nas obras de ambos.

Bertolt Brecht (Alemanha, 1898 – 1956): aborda a luta e a resistência frente às adversidades da vida, refletindo sobre a condição humana.

Trova 11. Pela dor da decepção
Temática: Recuperação e Esperança
A dor da decepção é reconhecida, mas expressa um desejo de recuperação. A devolução do amor perdido sugere que a superação é possível, mas exige um retorno ao que foi dado.

Hilda Hilst (1930 – 2004): a dor do amor e a busca por recuperação emocional são temas centrais em sua obra intensa.

John Milton (Inglaterra, 1608 – 1674): explora temas de perda e redenção, especialmente em sua obra mais famosa, "Paraíso Perdido".

Trova 12. Se foi feitiço ou segredo
Temática: Amor e Vulnerabilidade
O trovador reflete sobre o amor vivido com medo, que resulta em uma relação covarde. A ideia de que o amor deve ser destemido é central, sugerindo que a autenticidade é essencial para um amor verdadeiro.

Lya Luft (1938 – 2021): frequentemente aborda o amor e a vulnerabilidade, refletindo sobre as complexidades das relações.

Anne Sexton (EUA, 1928 – 1974): trata do amor e da vulnerabilidade em sua poesia, explorando os medos e as inseguranças que o cercam.

CONCLUSÃO

As trovas de Manoel Cavalcante é marcada por uma riqueza temática que reflete a complexidade da experiência humana. Suas trovas abordam sentimentos universais como amor, solidão, passagem do tempo, e a busca por significado, sempre com um tom introspectivo e lírico. Essa profundidade emocional se alinha a obras de poetas brasileiros e estrangeiros que também exploram essas questões fundamentais.

Cavalcante celebra a beleza e a dor do amor, semelhante a poetas como Vinícius de Moraes, que exalta a paixão em suas várias facetas. A intersecção com Walt Whitman é notável, pois ambos valorizam a conexão humana, enfatizando a importância das relações.

A solidão é um tema recorrente nas trovas, refletindo-se em poetas como Augusto dos Anjos e Fernando Pessoa (em sua heteronímia Álvaro de Campos). Tanto o trovador quanto esses poetas exploram a alienação e a busca por identidade em um mundo muitas vezes indiferente.

A reflexão sobre o tempo e a inevitabilidade da morte permeia a obra de Cavalcante, assim como na poesia de Cecília Meireles e Adélia Prado. Essas vozes também lidam com a transitoriedade da vida, trazendo uma sensibilidade lírica que ressoa com a experiência humana.

O trovador tem um olhar atento ao cotidiano, semelhante a poetas como Mário Quintana, que encontram beleza nas pequenas coisas. Essa apreciação pela simplicidade e pela vida comum é um traço unificador entre eles.

Suas trovas muitas vezes abordam questões existenciais, alinhando-se com a obra de Hilda Hilst e Anne Sexton. Ambos exploram a condição humana e os dilemas internos, refletindo sobre a dor e a busca por significado.

As temáticas de Manoel Cavalcante estabelecem um diálogo rico com a poesia de diversos autores, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Sua habilidade de capturar a essência da experiência humana ressoa com a obra de poetas que também buscam entender o amor, a solidão, e a passagem do tempo. Essa interconexão entre diferentes vozes poéticas enriquece a literatura, mostrando que, apesar das particularidades culturais e temporais, as emoções e questões existenciais são universais. Assim, a poesia de Cavalcante não apenas dialoga com outros poetas, mas também se torna um veículo para a reflexão sobre a condição humana, perpetuando sua relevância na tradição literária.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Mensagem na Garrafa = 136 =

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA 
Vila Velha/ES

O Tempo corre, passa e não retrocede

O TEMPO, SEMPRE O TEMPO! Esse senhor misterioso que nos rodeia a cada dia, que passa, e avança. Ele não para. Vai em frente, segue emparelhado e sorrateiro, grudado em cada um de nós à tiracolo. O tempo, sempre o tempo! Essa criatura carrega consigo uma certeza inabalável. Cada segundo que se esvai é como uma gota de água que escorrega entre os nossos dedos. Portanto, impossível de ser recuperada. Desde o primeiro respirar, até o último, somos marionetes de suas cordinhas escondidas, como se fossem outros fantoches ocultados dançando ao som de uma melodia que nunca estanca.

Às vezes, paramos para refletir. Nesses intervalos de quietude, percebemos como as memórias se acumulam iguais folhas caindo no outono. Cada uma delas traz fragmentos de nós, tipo uma experiência que nos moldou e que embora distante, ainda ecoa em nosso “eu” encoberto. Mas o tempo inexorável não espera por ninguém. Não dá trégua, nem é adepto de um possível armistício. Não dorme, não come, não dá uma folga. Ele se move incessantemente, indiferente ao nosso anseio de reverter o relógio. Aliás, o relógio também não estanca para alicerçar um descanso quando todos os ponteiros se cruzam no mesmo ponto nevrálgico. 

Apenas se cumprimentam, trocam mensagens ocultas e seguem perambulando sem dizer coisa alguma. No entanto, se prestarmos a devida atenção, se não estivermos grudados na tela de um celular assistindo vídeos imbecilizados, notaremos que há uma beleza rara nessa transitoriedade. O tempo, entre tantas facetas que não percebemos, seja por descuido ou negligência, muitas vezes não atinamos por puro descaso. Apesar dos pesares, ele nos ensina a valorizar o agora, a saborear cada instante do hoje, como se fosse o nosso “já,” ou faz bailar aquele antigo jargão piegas, do “ei, cara, pega, agarra e não larga.” Certamente nos deslumbraríamos com um vivenciar edificante e magistral. 

É na urgência açodada de um minuto e outro que descobrimos que o viver que encontramos é exatamente onde se faz presente a verdadeira essência da vida. Cada riso, cada lágrima, cada amor e desilusão compõem uma tapeçaria rica e complexa que, mesmo a gente sabendo que não poderá ser desfeita, num perímetro ainda que fugaz, essa alfombra colocará uma chama de perspectiva em nosso descaso. Nesse tom, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo com gratidão. Ele nos empurra para frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, passa faminto de amanhã e não retrocede em busca de migalhas. 

Todavia, deixa em seus calcanhares, um legado: somos todos, sem tirar nem pôr, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita, onde cada capítulo nos mostrará uma nova oportunidade de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, quando olharmos para o “de onde viemos”, nos será dada a chance, talvez a derradeira, para que possamos fazer tudo o que não fizemos e agradecer com um sorriso de retribuição no rosto, e o melhor de tudo, cientes de que cada instante vivido foi, de fato, precioso. O tempo não retrocede porque a sua natureza é linear e irreversível. Essa característica é intrínseca à forma como percebemos e medimos o tempo do nosso momento presente. 

Cada lance se sucede de maneira contínua. Essa linearidade é refletida em tudo que nos cerca: as estações mudam, as fases da vida se sucedem e as experiências se acumulam. Cada ação e escolha nos molda e deixa marcas que não podem ser apagadas. Essa irreversibilidade nos mostra, nos faz ver, nos ensina a importância de valorizar o presente, a agir com consciência e a aprender com o que deixamos na poeira do passado. Além disso, o tempo também é uma força que impulsiona o crescimento e a transformação. Ele nos dá a oportunidade de prosperar, de superar desafios e de redescobrir a nós mesmos a cada novo dia, toda vez que acordamos. 

Se pudéssemos retroceder, uau!... se pudéssemos descontinuar... talvez não apreciaríamos a beleza ímpar do agora, a riqueza maviosa desse vai e vem incansável e a opulência das lições aprendidas ao longo da estrada que nos trouxe até onde estamos. Por isso o tempo nos sucede, avança, e, nesse eclodir, nos convida a seguir em frente, a correr como ele e a construir uma sequência de coisas novas que não podem ser desfeitas. Em retribuição, nos oferece uma gama incalculável de aprendizado e crescimento. Assim, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo, esse nosso tempo com o mais glorioso reconhecimento. 

Ele nos empurra com toda força para a frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, repito, passa e não retrocede, mas deixa em seus passos, melhor dito -, acumula em nossas pegadas, um legado excepcional, qual seja, o de entendermos que somos todos, sem tirar nem acrescentar, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita e onde em cada capítulo se consubstanciará em uma nova “porta-oportunidade” de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, esperando, sempre que ela seja bem longa, oxalá, quando olharmos para os lugares onde passamos e vivenciamos coisas (todas as coisas) nos seja dada a chance para que possamos sentar à sombra de uma árvore de aconchego caridoso e agradecer com um sorriso vindo não do rosto, mas do mais profundo das nossas entranhas. 

E o melhor de tudo: cientes de que cada instante se fez excepcional, peregrino e privilegiado, ainda que especial e incontroverso. Pois bem! Enquanto o tempo avança e desbrava, e nos leva aos cuidados da dona morte, ele também nos convida a refletir sobre o que realmente importa. O que fazemos com os momentos que temos agora, as conexões que formamos e as experiências que adquirimos. Essas pequenas coisas formam “o todo,” ou alimentam tudo aquilo que dá significado à passagem pelo tempo. Em última análise, levando em conta que mencionamos a morte, falemos um tiquinho apenas dela. A morte pode ser vista não como um fim, como uma parte do ciclo da vida. 

O tempo, sempre o tempo, apesar disso, ele não "supera" a morte, bem entendido, não desbasta, ou não se nivela no sentido de reverter o processo. Contudo, nos incita a encontrar significado e beleza mesmo no inesperado da existência. Essa capacidade de renovar ou desfigurar foi, de fato (se pararmos para pensar e analisar friamente, chegaremos) à conclusão de que tudo o que vivemos e vivenciamos, se fez inesquecível e indubitavelmente precioso. Pense, pois, reflita friamente o que você tem feito com o seu tempo? Olhe em volta, ou melhor, espie para dentro do seu âmago e procure achar a reposta. Faça isso agora. Amanhã?! O amanhã... pode ser tarde demais.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (A felicidade)


(Samba, 1959) 

Compositores: Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Tristeza não tem fim 
(tristeza não tem fim)
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve, mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho, 
pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota de orvalho 
numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois, de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor 

Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim

A Efemeridade da Alegria em 'A Felicidade'
A música 'A Felicidade', é uma reflexão poética sobre a natureza transitória da felicidade em contraste com a persistência da tristeza. A letra utiliza metáforas para descrever a felicidade como algo leve e passageiro, comparando-a a uma pluma levada pelo vento e a uma gota de orvalho numa pétala de flor, que brilha por um momento antes de cair. Essas imagens evocam a ideia de que a felicidade é um estado delicado e efêmero, que depende de condições externas para existir e é facilmente perturbado.

A canção também aborda a felicidade sob a perspectiva social, mencionando a 'felicidade do pobre' durante o carnaval, um período em que as pessoas podem esquecer temporariamente suas dificuldades e se entregar à celebração. No entanto, essa alegria é descrita como uma 'grande ilusão', pois termina abruptamente com o fim da festa. A música sugere que, para muitos, a felicidade é um escape momentâneo da realidade, não uma condição permanente.

Por fim, a letra fala da felicidade pessoal encontrada nos olhos da namorada do narrador, um amor que traz esperança e alegria. No entanto, mesmo esse sentimento é apresentado com cautela, como algo que deve ser preservado e que pode ser tão passageiro quanto a noite que busca a madrugada. A repetição do verso 'Tristeza não tem fim, felicidade sim' reforça a mensagem de que a tristeza é uma constante, enquanto a felicidade é intermitente e preciosa.

Feita para o filme de Marcel Camus “Orfeu do Carnaval”, “A Felicidade” consagrou internacionalmente Agostinho dos Santos (foto), a voz de Orfeu (cantando) no filme. Lamentando o caráter passageiro da felicidade (“Tristeza não tem fim / felicidade sim”), sua letra ostenta alguns dos mais belo versos da música popular brasileira: “A felicidade é como a gota / de orvalho numa pétala de flor / brilha tranquila / depois de leve oscila / e cai como uma lágrima de amor...”.

E como o poema, a melodia é também de alta qualidade. Estimulada pela expectativa de sucesso do filme — que afinal aconteceu, com a premiação da Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em Hollywood —, nossa indústria do disco lançou em 1959 nada menos do que 25 gravações de “A Felicidade” (uma a mais do que “Eu Sei que Vou te Amar”), incluindo-se nessa leva inicial de intérpretes Maysa, Sylvia Telles, João Gilberto, Agostinho dos Santos (que a gravaria cinco vezes em sua carreira), além de instrumentistas como José Menezes, Chiquinho do Acordeom e Moacir Silva.

Detalhe pitoresco é que “A Felicidade” foi praticamente composta numa sucessão de telefonemas, com Jobim no Rio de Janeiro e Vinicius em Montevidéu, onde servia na embaixada brasileira.

Fontes: 
– Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. Vol. 2. Editora 34, 1997.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Varal de Trovas n. 612

 

Mensagem na Garrafa = 135 =

INGRID APARECIDA DITZEL FELCHAK 
Ivaí / PR

Pedro e a Pedra

Neste caminho de cruzes ele nasceu. Franzino e triste pesava mais de dois quilos de aflição. Chegou com as defesas em punho e a coragem à mostra. Lutou com o peito seco da mãe e o abandono do pai. Aos sete anos se viu sozinho no mundo de Deus.

Perambulou pela rodoviária, avenidas e ruas. Desfilou em frente às vitrines e restaurantes. Encontrou e desencontrou amigos. Dormiu namorando as estrelas e teve como cobertor o frio e a garoa. Em algumas ocasiões correu, correu e correu. Completou dezoito anos e começou a labutar. Engraxava, lustrava e o troco guardava. Mas foi naquele dia que tudo mudou.

Na amarga desventura numa pedra tropeçou. Ele, o sobrevivente, agarrou com fé as últimas moedas. Olhou o cartão, marcou e apostou. Não deu outra...

Hoje Pedro mora em Petrolina. Colhe frutas nos vastos pomares. Continua a namorar o céu na noite de São João. Nunca esqueceu o frio que transpassava a alma e a fome que corroía as entranhas. Sempre repete:

– Jamais negue um copo d'água, pão e cobertor, pois na vida você pode tropeçar em uma pedra. A minha guardo até hoje no bolso. Não desgrudo não! A sorte é para todos... Não é, senhor?

(2. lugar na modalidade conto, Estadual, no IV Concurso Literário Foed Castro Chamma, 2023)

Fonte: Luiza Nelma Fillus e Flávio José Dalazona (org.). IV Concurso Literário Foed Castro Chamma 2023. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2023.