sábado, 4 de dezembro de 2010

Miguel Russowsky (Antologia Poética)


ATO SEM FÉ

Ó Deus!,,, Eu vim falar contigo. Espero
que atendas este humilde servo teu.
Não quero muita coisa, apenas quero
voltar a crer. A minha fé morreu.

Dizem que és sábio e bom. Dizem ( não eu
que em religiões estou na estaca zero)
que castigas o mal com punho fero.
Dizem que és luz eterna no apogeu...

No entanto, permite que eu duvide:
Se deixas a injustiça sem revide
e a fome prosperar como se vê...

Se deixas o demônio estar no mundo...
Se podes destruí-lo num segundo...
Me deste o raciocino para quê?

AOS 77 ANOS...

Descansar?... Não cogito. Tenho brio
em revestir com rimas meu cansaço.
E acendo tantas luzes no que faço
que até pareço um fósforo bravio.

Se galopo na insônia?...Sim. E laço
sendo do amor, o tema mais sadio.
Não destes que exaltem muito o cio...
Vulgaridades em mim não têm espaço.

E tudo às claras... que sou fã da aurora...
Sou fã do riso e da canção sonora...
Velhice... Qual? Não ouço o seu recado

Eu sinto a vida cada vez mais bela...
E a morte?... Amigos, nem me falem nela!
Morrer não posso. Estou muito ocupado,

A INTRUSA

Teimava em me seguir, eu bem que percebia...
Tinha modos gentis. Simpática ( não bela) .
Não queria assustar-me, andava com cautela,
diferente do andar da grande maioria.a

Eu sempre recusei lhe fazer companhia,
embora esta mulher me fosse sentinela
em horas de descanso. Eu não gostava dela
pela insistência atroz com que me perseguia.

Seu nome? Não sabia. Apelidei-a a Intrusa.
Eu lhe fechava a porta, exibindo a recusa
de comigo a reter na partilha do lar.

No espelho, certo dia, atás de mim postou-se...
Quis irritar-me? Sim. Mas disse com voz doce:
- Eu me chamo Velhice e vim para ficar.

JÓIA MAIOR!...

Começo por supor, nos ares, o desenho
De um verso magistral procurando agasalho.
Cabe a mim (sou poeta) encontrar um atalho
Para vê-lo nascer nos recursos que tenho.

Com as rimas gentis nas estrofes, me empenho
Em ser original, (Poucas vezes eu falho),
Já nem ouso explicar se é prazer ou trabalho
Exibir ao leitor as farturas do engenho.

O esmeril dá-lhe o brilho e lhe poda as arestas...
Assim é que se faz um soneto bonito,
Para ser declamado em saraus ou em festas.

Ninguém pode dizer o valor de uma jóia,
Se polida não foi pela mão do perito.
É na lapidação que a beleza se apóia.

PROMESSAS

Estava eu só Passou... Sorriu... Olhei-a...
Estremeceu. Estremeci. Sucede
que o imprevisível manda e a gente cede.
No céu azul brilhava a lua cheia.

Depois... as conseqüências... — Quem as mede
se a razão, sem razão, já titubeia?
E o mar acariciando o ardil, na areia:
"O vinho é bom sorver antes que azede!"

Vai-se o verão. Agora é frio e neva.
Palavras sem valor, o vento as leva.
As juras antecedem as desditas.

Um instante de amor — eternidade!
Dois instantes de amor — fidelidade
... Nem todas as mentiras foram ditas.

NOTURNO Nº 2

Anseios de verão... Noite clara, sem bruma.
A lua argêntea adorna uma paisagem maga.
A flor perfuma... A lua brilha... O vento vaga
como doce carícia angelical de pluma.

As nuvens pelo céu — enfermeiras de espuma —
se prpõe a curar qualquer dorida chaga.
No silêncio dormita um repouso de saga.
A lua brilha... O vento vaga... A flor perfuma...

Uma fada de azul — fugitiva de lenda —
escreve em cada rosa uma nova armadilha.
Cupido ergue na sombra o seu punhal de renda.

Com preguiça o relógio esquece e compartilha...
Diana vai marcando um nome em cada agenda:
A flor perfuma... O vento vaga... A lua brilha...

SONETO CLASSE MÉDIA, BAIXA

Quando eu me aposentar... Irei morar em Vênus!...
(O I.P.T.U. de lá, é menor que o da lua.
Há descontos de lei sem qualquer falcatrua
e sem taxas de lixo embutida em terrenos).

Aposentadoria é crime?...(Mais ou menos...
se for por doença não é, mas a verdade crua,
é que os espertalhões desfilam pela rua
cheios de "ME APOSENTEI") — Que salários obscenos!

Quando eu me aposentar...(Se eu puder, o pijama,
o radinho de pilha, o travesseiro, a cama,
nenhum deles terá um minuto de folga).

Quando eu me aposentar... Urras e Vivas! Bingo!
Os dias de semana, o sábado... o domingo...
serão todos iguais. É isto que me empolga!

NOITE SEM AURORA

A noite de um adeus não tem aurora
mas tem silêncios longos por recheio;
tem farpas arranhando, bem no meio...;
tem desesperos mil vagando fora...

A noite de um adeus, eu sei que chora
ao ver a sepultura de um anseio.
Não a censuro e até a manuseio
com estes versos que componho agora.

A noite de um adeus ensina a gente
ter dias sem relógio...e alguém já disse
que nunca cicatriza totalmente.

A noite de um adeus...só bem depois
expõe a solidão, numa velhice,
em que murchamos tristes nós, os dois.

ARREPENDIMENTO

Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
Despi no andar do tempo modorrento
Qual árvore esfolhada pelo vento
Numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
À procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
Destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
Tropeço em meus pedaços pela estrada
Com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
Que passarei o tempo que me resta
Recolhendo os pedaços que perdi.

TARDE NEVOENTA... EM JULHO

Domingo sem ninguém...A casa está vazia.
O silêncio no horror persistente blasfema.
Quer se fazer ouvir. Ó tolo estratagema!...
Eu posso ouvi-lo bem, mas qual a serventia?

A solidão nem quer me servir como tema...
...e a tarde se espezinha imensamente fria...
Ó Tristeza, vem cá! Se queres companhia
ajuda-me a cerzir pedaços de um poema

Talvez assombrações que possuam prestígio
se queiram embutir em tercetos, com zelo,
para dar-lhe feições de soneto-prodígio.

Alguém se desmanchou em brumas do passado
e quer ressuscitar de cor, num atropelo.
Se lembrar é viver, eu devo estar errado.

RECEITA DE SAÚDE E FELICIDADE

Não antecipe nunca o sofrimento!...
Diga “Bom Dia!” ao sol que lhe saúda.
Seja qual um discípulo de Buda:
- É mister se gozar cada momento.

No “que será...será” que não se muda,
se abrigam primaveras...(mais de um cento!)
os “depois” nem podem ser tormento
se os “agoras” lhe derem boa ajuda.

“Cara feia” - sinal de enfermidade -
com certeza, costuma sobrepor
mais pesos aos obstáculos da idade.

"Alegre-se e sorria, por favor!
Um sorrisinho dá felicidade,
pois contagia e ativa o bom humor"

DOMINGO...(DE LICOR E AÇÚCAR CÂNDI)

Manhã de sol...A luz passeia a toa...
Explode a primavera em frenesi.
Meu bairro, todo chique, não destoa,
parece um ogro alegre que se ri.

Mignon, gentil, arisco, sobrevoa,
a namorar a rosa, um colibri...
...e perfumes no ar...-Que coisa boa!
O céu está pertinho...É logo ali!

Meu domingo é grande (- Muito grande!)
Cheinho de licor e açúcar cândi.
Estou de bem com toda a humanidade.

Minha amada virá...(telefonou-me)
e ela não quer que lhe revele o nome,
que tem dez letras...(é ?... -FELICIDADE!)
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