domingo, 8 de abril de 2012

Amosse Mucavele (Fazer, Dizer e Sentir a Literatura: Por Uma Retórica da Razão)


Os remos dispensam
Temos as mãos
Para a navegação
Sangare Okapi- in Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo


“ Eu escrevo para adiar a minha a morte ”, É a partir desta voz do escritor argentino Jorge Luís Borges, que estes jovens cumprimentem-se a caminhar de ouvidos abertos para o “lugar” onde a palavra se enamora com a língua. Este ‘lugar’ de encontros constantes entre a realidade e a ficção.

Já que “De facto, por mais heterodoxos ou abrangentes que sejamos, não podemos nos articular directamente com a tradição mundial, que aliás não existe em estado pronto. Todos nos articulamos nalgum lugar, retomado ou inventando tradições parciais. sendo” lugar” naturalmente é uma noção variável ,que no momento devido a nova onda de internacionalização , esta passando por uma redefinição decisiva .”[1]

Esta voz estimula-nos a escutar o brado da nossa capacidade leitoral, a ler o manual das nossas verdes mãos, isto é Kuphaluxar (divulgar, dinamizar) de braços abertos com os pés assentes no chão do nosso solo pátrio e interpretar sem nenhum vinculo politico as maravilhas do mundo da literatura, como um mecanismo de assimilação e a aprendizagem para com a própria vida.

Esta aprendizagem “ não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.”(Mia Couto-O outro Pé da Sereia )

A tonalidade deste chamamento exprime-se nas “harpas” e “farpas” que esta aventura apresenta ao longo do seu percurso e desperta- nos atenção aos voos que os nossos sonhos podem querer descrever nesta infindável distancia.

Eduardo White reflete esta dicotomia nos versos deste poema:

Escrever é uma droga antiga
Uma bebedeira que queima com a lentidão a cabeça,
Traz a luz desde as vísceras
O sangue a ferver veias tubulantes
Traz a natureza estimulantes das paisagens que temos dentro.


As imagens que compõem “as nossas fronteiras interiores”, o brilho “das paisagens que temos dentro” e os instrumentos de que a escrita se serve (a droga), se alimenta ( a bebedeira), se aconchega (a natureza), se ilumina ( a luz), se move (o sangue), mostram-nos o quão difícil é, e longa é a viagem neste’’(…) espaço essencial (a literatura -o bold é meu) que é necessário cercar de altos muros como pedia Pessoa . Porque é ai que nós somos o que somos, é ai que somos tais que não podemos vender, nem ninguém nos pode comprar. ou se quisermos rasgar os últimos véus de Ísis e ser humildes, é lá que habita alguma coisa que, em nós mesmo é melhor do que nós(…). [2]

Olhando atentamente para as nossas leituras, e sendo nós o tipo “de leitores que não podem ler livros sem se lerem nos livros. Ou antes sem que os livros os leiam.” [3]

Assim começamos a por os “remos” a “navegação” (dinamizando a cultura e declamando de forma activa) e a cada dia o nosso “rio chamado tempo” aumenta (va) os seus afluentes, dai que sentimos a necessidade de “dispensar” ‘’os remos” e começarmos a utilizar “as mãos para a navegação”.

As nossas mãos detêm uma escrita em construção que poucas vezes surpreende pela sua fraca qualidade estética e artística, assim sendo concorrendo a nenhum espaço nos jornais (quase com poucas paginas destinadas as artes e letras).

As mesmas que logo a priori tem um sonho de resgatar do silencio total em que esta embrulhada a literatura moçambicana que “ comparada as grandes, a nossa literatura é pobre e fraca, mas é ela, não a outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem, e se não amarmos, ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as tomará do esquecimento. Descaso ou incompreensão. Ninguém além de nós, poderá dar a vida a essas tentativas muitas vezes débeis, outras vezes fortes.” [4]

E nesta perspectiva que o kuphaluxa promete acelerar substancialmente o progresso sociocultural deste País:

- Democratizar a literatura, divulgar a literatura moçambicana, criar o gosto e o habito de leitura, usar a palavra como arma de intervenção social, tornar a escrita como uma charrua e o papel em branco como os sulcos que esperam a semente (melhorada pelo musculo erudito e adubada pela transpiração).

Foi devido aos escassos meios de divulgação da literatura moçambicana seja dentro ou fora, ou mesmo da própria literatura lusófona (onde os editores, críticos, e Professores de literaturas Africanas de expressão portuguesa cingem os seus prestigiosos estudos, as suas ricas analises, ensaios e publicações a uma dúzia de nomes. Ex: Mia Couto (Moçambique), Pepetela (Angola), que de uma ou de outra forma limita os anseios de um universo de 7 países vistos como periféricos (os Africanos e os Asiáticos), todavia em Moçambique guarda(va)-se uma distancia de séculos sobre a literatura brasileira contemporânea(1990-2011) ,pois as obras que existem nas livrarias continuam as do Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, etc., e sobre a literatura Portuguesa (José Saramago e António Lobo Antunes) e Angolana( Pepetela,e Luandino Viera).

Dada a esta paragem no tempo da literatura lusófona, criamos um espaço ( o blog do kuphaluxa, uma espécie de relatório das nossas actividades, achamos pouco e mais tarde nasceu a Revista Literatas) de dialogo intercultural, de divulgação da literatura lusófona, que logo a priori deixou de pertencer ao Kuphaluxa(Moçambique) o Brasileiro Pedro Du Bois foi o primeiro a acreditar no projecto ,a Lurdes Breda( Portugal) e seguiram-se mais outros escritores experimentados nos seus países e além fronteiras ( graças ao facebook conseguimos angariar mais colaboradores) a juntarem-se a estes jovens desconhecidos vindos de “uma nação que ainda não existe” [5] e logo tornou-se num lugar de convívio, e divulgação da cultura lusófona.

Do colectivo jogo do Tsilana aos Traços das Dores e dos Sonhos Individuais

Os discípulos têm sombras no coração e a realidade da carne ameaçada do Mestre é mais forte do que o testemunho da palavra. Mas o Mestre acredita que as aparências morrem e que certas mortes são o começo da vida.”[6]

Perante este triste cenário de ser residente de ” uma nação que ainda não existe” com os seus problemas ( vive-se uma realidade exterior a nossa, onde as tempestades ocidentais apoderam-se da nossa cultura ),revestidos de um quotidiano (i)real, (in)característico, dentro deste cenário há uma voz que fala verdades ,ela que é a voz do povo , a força revisitadora , e ressuscitadora da nossa cultura dos contos orais na típica maneira de contar estorias ( karingana ua karingana)

Não será esta preocupação reflectida neste hipotético exercício de escrita criativa desenvolvida por estes jovens?

Sintetizo: escrita criativa, pois ainda não são escritores, indo na acepção do Alcir Pécora sobre a ideia da criação literária afirma:

Não parece haver nada relevante sendo escrito , essa é a mais provável razão desse poço , desse mar de coisa escrita [7]

Ainda na esteira de Pécora:

Exactamente porque não é preciso, escrever pode ser tudo menos uma actividade entre outras quaisquer. Escrever é um acto que, de saída, já deve uma explicação: ele tem de reinventar sua própria relevância , a cada vez , ou então se condenar a ser apenas uma ideia torta de novidade; o retorno do mesmo, piorado. [8]

Este kuphaluxa é um pequeno núcleo dotado de ideias progressistas, visão realista, universalista, solidariedade social, privilegiado por uma retórica da razão. Este núcleo revisita todos os projectos literários que acompanharam a história do País.

Aliás Fátima Mendonça na sua proposta de periodização da literatura moçambicana, de 1986, afirma que “nas mais jovens gerações de escritores moçambicanos encontram-se hoje ressonâncias de metáfora e da paralaxe do Craveirinha, do verso seco e angustiado do Knopfly (…) há uma herança literária a construir-se." [9]
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Notas
1 Robert Scharwz – Sobre a Formação da Literatura Brasileira in Sequencias Brasileiras pag.22-Companhia das Letras 1999
2 Eduardo Lourenço in Carta melancólica aos Leitores Jovens do nosso País pag-17,17-30 de Junho j.letras 2009
3 ibidem
4 Robert Scharwz in Sequencias Brasileiras pag 22 op.cit.
5 José Craveirinha
6 Eduardo Lourenço artigo citado
7 2006 pag pag 93-op cit por Andrea Catropa in Escassos Vasos Comunicantes –A relação entre critica e poesia Brasileira Contemporânea pag 35 in Protocolos Criticos-Itau Cultural 2008
8 2006 pag. 97
9 Sangare Okapi –Um Projecto Chamado Oasis-Da Existencia Colectiva á Afirmacao Individual:in Memorial AEMO pag-57


Fonte:
O Autor

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