Era uma vez uma menina tão pequena que, cada vez que espirravam por perto, ela voava. Seu nome era Tampinha. Ela usava uma tampinha de garrafa na cabeça para ficar mais pesada e aterrissar mais depressa quando voava.
Tampinha vivia com sua avó numa casa à margem do Rio do Mato Perdido. Essa avó era quem cuidava dos doentes da região. Ela sabia o chá certo para tudo, menos para a pequenez da menina.
Perto morava um rapaz... que eu esqueci o nome. Era um rapaz muito simpático e, para facilitar esta história, vou chamá-lo de Bonito.
Um dia Bonito ficou doente.
- Para salvar o Bonito só um chá da flor preta da árvore do Curupira - disse a avó.
- Mas onde vou arranjar alguém com coragem para buscar essa flor!
Na hora Tampinha respondeu:
- Eu vou.
- Imagina! Logo você, desse tamanhico!
Que tamanhico que nada! A menina entestou que iria de qualquer jeito e danou a falar que ia, porque ia, até a avó ficar desesperada:
- Então vai.
Mas, antes de a menina ir embora, a avó apanhou uma pimenta-malagueta bem forte. Amarrou a pimenta no pescoço de Tampinha e lhe ensinou umas palavras mágicas para ela falar nas horas de perigo.
E lá foi ela no seu barquinho de papel, com uma agulha servindo de espada, uma colherzinha de café como remo e a pimenta dependurada no pescoço.
Enquanto ela remava, ia recitando as palavras mágicas. Tinha medo de esquecer alguma na hora do perigo:
Pimentum, pimentom, pimentém, pimentim;
peixe quer água, eu quero atchim.
Pimentur, pimentor, pimenter, pimentir;
e quero voltar de onde eu quero ir.
Pois muito bem. De repente Tampinha deu de cara com Cobra Grande cantando:
Você tem avó, eu tenho um tio.
Venha comigo pro fundo do rio.
Você tem agulha, eu tenho um fio.
Venha calada sem dar nem um pio.
As palavras mágicas sumiram da cabeça da menina. Com muito custo, saiu, num fiapinho de voz:
- Pimentim, eu quero atchim...
A Cobra Grande se curvou para escutá-la, sentiu o cheiro forte da pimenta, teve uma coceira no nariz e acabou espirrando:
- A... A... Atchim!
Era o que era preciso. Lá se foi nossa heroína voando pelos ares.
Mas, como ela não tinha se lembrado de todas as palavras, a mágica funcionou um pouco errada, e ela aterrissou justo na praia da Onça-Pintada.
A Onça-Pintada viu aquela menina apetitosa, lambeu o beiço e veio andando com suas patas macias.
Tampinha ficou branca de medo e nada de lembrar os versos mágicos. Ela só conseguiu enrolar a língua de qualquer jeito:
- Pimentrim... primentrum...
A Onça espichou o ouvido para tentar entender e aí sentiu aquele cheiro desgraçado de pimenta. Seu nariz danou a coçar e veio o espirro:
- A... A... A... A... Atchim!
Tampinha voou pelos ares.
Mas, como ela tinha se atrapalhado com as palavras, a mágica também ficou meio atrapalhada. Ela logo caiu, como uma geringonça qualquer; por pouco não quebra a perna. De qualquer forma já estava livre da Onça. Na sua frente o que via era uma árvore enorme.
- Céus! A árvore do Curupira! Será que o Curupira...
Tampinha olhou para todos os lados:
- Que sorte! Parece que o Curupira não está por perto! A árvore era belíssima, sem nenhum exagero; alta, imensa. E lá, no último galho, estava a flor preta. O problema era que Tampinha não dava conta de subir nem no primeiro galho! Ela, então, sentou-se num canto, sem saber o que fazer.
Come esta frutinha
e cresça bonitinha.
A árvore farfalhou e deixou cair um fruto.
Tampinha provou, mas achou a fruta muito doce e não terminou de comer. Seus braços cresceram, mas o resto continuou do mesmo tamanho.
Ô filhote louco,
come mais um pouco.
A árvore farfalhou de novo e deixou cair mais um fruto.
Na segunda dentada, Tampinha jogou o fruto longe. Estava muito amargo. Pois muito bem: dessa vez, só suas pernas cresceram. Ela ficou horrível com as pernas e os braços compridos e o resto todo do mesmo tamanho.
Come de uma vez!
Um... dois... três!
Era a árvore jogando mais um fruto. Dessa vez Tampinha comeu tudo.
Quando terminou, estava moça feita. Alta, como qualquer moça, se vocês me acreditam. E o melhor: deu conta de apanhar a flor.
Mas, justo no momento em que ela estava apanhando a flor, alguém apareceu entre as folhas dos galhos... Era o Curupira!
- Com que direito você entrou no meu mato, subiu na minha árvore, apanhou a minha flor?!?
Tampinha ficou branca de novo, e tratou de recitar:
Peixe quer água, eu quero atchim.
Me esperam de volta, de onde eu vim.
Curupira se curvou para ouvir melhor a moça e sentiu o cheiro da pimenta. Seu nariz desandou a coçar e aconteceu o maior espirro que já houve no mundo.
ATCHIM!!!
E mais outro:
ATCHIM!!!
E mais outro:
ATCHIM!!!
A nossa moça, mesmo grande como estava, voou pelos ares, acima das árvores, sobre o rio...
Aterrissou direto na casa do moço Bonito. O chá foi feito imediatamente. Bem, o final vocês já sabem, a avó ficou feliz de ver a neta grande, Bonito sarou e...
- Vocês têm alguma coisa contra casamento?
Fonte:
Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)
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Gostei muito
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