quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (Boi Pintadinho)

Eu sou o boi Pintadinho

Boi corredor de fama
Que tanto corre no duro
Como na várzea de lama

Corro fora destes campos
Corro dentro da caatinga
Corro quatro, cinco léguas
De suor nem uma pinga

Corro fora nestes campos
Que o mesmo ar se arrebenta
Corro quatro, cinco léguas
Ninguém me vê dar a venta

Meu senhor Inácio Gomes
De mim já teve agravado
Porque onde eu estou
Não pode arrudiar gado

Ele fala com grande ira
E sente está magoado
Porque há mais de vinte vezes
Eu o tenho enrabado

Meu senhor Inácio Gomes
Fala com tanta ira
Que já dá vinte patacas
A quem me puser na embira

Eu darei tudo por nada
Pois dele, se não careço
Além da sua brabeza
Também tenho seu arremesso

O moço José de Almeida
Vagueiro do Clemente
Diz que nunca houve um cachorro
Que lhe pusesse o dente

E eu que o vi correr
Na lagoa das Mofadas
Deixou atrás o cavalo
E a sua cachorrada

Porque desde garotinho
Carreguei opinião
De não ter nenhum vaqueiro
Que me chegasse o ferrão

Estava eu certo dia
Na Carnaubinha maiado
Quando vi um cavaleiro
Em um tropel mui descansado

Estava seco de sede
E também morto de fome
Assim mesmo abri os olhos
Conheci Inácio Gomes

Saí logo na carreira
Não muito despedido
Porque Inácio Gomes
Já era meu conhecido

Ficou ele maginando
O que havia de fazer
Eu entrei bem para o centro
Bem pra dentro me esconder

No outro dia bem cedo
Saí a comer orvalho
Logo na volta que dei
Encontrei João Carvalho

Ele vinha bem montado
Bom cavalo e bom ferrão
E junto consigo trazia
O cabra Gonçalão

Traziam mais três cachorros
Que valiam três cidades
Que querendo matar um
Não se acha ruindade

Logo que avistei isto
Botei-me no catingão
A demora que tiveram
Foi gritar: arriba cão!

Corria de tal maneira
Que os ouvido me zunia
Na distância de três léguas
Três cachorros me gania

Tratei de me pôr em pé
Espiando pra confusão
Porém logo me enganei
Cada vez me foi pior

Porque eu estando em pé
Espiando pra confusão
Muito depressa chegou
O tal cabra Gonçalão

— Quer que vamos ao boi agora?
Ele está bem esbarrado...
Peguemos logo este boi
Enquanto ele está cansado

O cabra partiu a mim
Porém veio de meia-esgueia
Desviou-se da cabeça
Pressionou-me na sarneia

Eu com ardor do ferrão
A ele me encostei:
De debaixo de suas pernas
O cavalo lhe matei

O cabra se viu a pé
Ficou tão desesperado
Foi gritando logo ao outro:
— Matemos este malvado!

O cabra quando viu isto
Ainda mais se segurou
Puxou logo pela faca
Por detrás me rejeitou

Deram comigo no chão
Em riba de mim se escanchou
Logo o cabra Gonçalão
Bem depressa me sangrou

Ficaram muito contentes
De ter seu pleito vencido
Só assim Inácio Gomes
Aproveitaria o perdido

— Gonçalão tu vais à casa
Para buscar três cavalos
E mais alguma arrumação
E comeres alguma coisa
Que com certeza tens fome
Que vou pedir as alvissas
Ao compadre Inácio Gomes

Chegando ele então
Na fazenda Trucuinho
— As alvissas, meu compadre
Que é morto o Pintadinho!

— Venha me contar a estória
O que ele andava fazendo
Na lagoa das Mofadas
Bem cedo andando correndo

— Na lagoa das Mofadas
Naquele serrotinho de pedra
Bem na pontinha de cima
Fomos dar-lhe uma queda

Ou bicho forte! Correu
Correu mais de cinco léguas
E, se não são os cachorros
Ainda ninguém o pega

— Faça favor apeiar-se
Venha me contar a função
Se foi morto de chumbo
Ou a ponta de ferrão

— Sim, senhor, foi morto a chumbo
E a ponta de ferrão
Ajudado dos cachorros
E também do Gonçalão

Tenho agora três cachorros
Que vieram do Inhamuns
Que como estes três cachorros
Nesta terra não há nenhum

— Estão prontas as vinte patacas
Para lhe dar as alvissas
Tanto pelo seu trabalho
Como também pela notícia

Mande ver o Pintadinho
Aproveite ele todo
Faça dele matrutagem
Estimo que esteja gordo

Eu suponho que está capaz
De se comer com sossego
Porque julgo não terá carne
Tudo, tudo será sebo

Convide alguns amigos
Para bebermos um copinho
Principalmente celebrando
A morte de Pintadinho

* * *
Convidaram-se os amigos
Acudiu a gente toda
Receberam vinte mil réis
Comeram uma vaca gorda

Fonte:
Carvalho, Rodrigues de. Cancioneiro do norte. 3ª ed. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

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