Eu sou o boi Pintadinho
Boi corredor de fama
Que tanto corre no duro
Como na várzea de lama
Corro fora destes campos
Corro dentro da caatinga
Corro quatro, cinco léguas
De suor nem uma pinga
Corro fora nestes campos
Que o mesmo ar se arrebenta
Corro quatro, cinco léguas
Ninguém me vê dar a venta
Meu senhor Inácio Gomes
De mim já teve agravado
Porque onde eu estou
Não pode arrudiar gado
Ele fala com grande ira
E sente está magoado
Porque há mais de vinte vezes
Eu o tenho enrabado
Meu senhor Inácio Gomes
Fala com tanta ira
Que já dá vinte patacas
A quem me puser na embira
Eu darei tudo por nada
Pois dele, se não careço
Além da sua brabeza
Também tenho seu arremesso
O moço José de Almeida
Vagueiro do Clemente
Diz que nunca houve um cachorro
Que lhe pusesse o dente
E eu que o vi correr
Na lagoa das Mofadas
Deixou atrás o cavalo
E a sua cachorrada
Porque desde garotinho
Carreguei opinião
De não ter nenhum vaqueiro
Que me chegasse o ferrão
Estava eu certo dia
Na Carnaubinha maiado
Quando vi um cavaleiro
Em um tropel mui descansado
Estava seco de sede
E também morto de fome
Assim mesmo abri os olhos
Conheci Inácio Gomes
Saí logo na carreira
Não muito despedido
Porque Inácio Gomes
Já era meu conhecido
Ficou ele maginando
O que havia de fazer
Eu entrei bem para o centro
Bem pra dentro me esconder
No outro dia bem cedo
Saí a comer orvalho
Logo na volta que dei
Encontrei João Carvalho
Ele vinha bem montado
Bom cavalo e bom ferrão
E junto consigo trazia
O cabra Gonçalão
Traziam mais três cachorros
Que valiam três cidades
Que querendo matar um
Não se acha ruindade
Logo que avistei isto
Botei-me no catingão
A demora que tiveram
Foi gritar: arriba cão!
Corria de tal maneira
Que os ouvido me zunia
Na distância de três léguas
Três cachorros me gania
Tratei de me pôr em pé
Espiando pra confusão
Porém logo me enganei
Cada vez me foi pior
Porque eu estando em pé
Espiando pra confusão
Muito depressa chegou
O tal cabra Gonçalão
— Quer que vamos ao boi agora?
Ele está bem esbarrado...
Peguemos logo este boi
Enquanto ele está cansado
O cabra partiu a mim
Porém veio de meia-esgueia
Desviou-se da cabeça
Pressionou-me na sarneia
Eu com ardor do ferrão
A ele me encostei:
De debaixo de suas pernas
O cavalo lhe matei
O cabra se viu a pé
Ficou tão desesperado
Foi gritando logo ao outro:
— Matemos este malvado!
O cabra quando viu isto
Ainda mais se segurou
Puxou logo pela faca
Por detrás me rejeitou
Deram comigo no chão
Em riba de mim se escanchou
Logo o cabra Gonçalão
Bem depressa me sangrou
Ficaram muito contentes
De ter seu pleito vencido
Só assim Inácio Gomes
Aproveitaria o perdido
— Gonçalão tu vais à casa
Para buscar três cavalos
E mais alguma arrumação
E comeres alguma coisa
Que com certeza tens fome
Que vou pedir as alvissas
Ao compadre Inácio Gomes
Chegando ele então
Na fazenda Trucuinho
— As alvissas, meu compadre
Que é morto o Pintadinho!
— Venha me contar a estória
O que ele andava fazendo
Na lagoa das Mofadas
Bem cedo andando correndo
— Na lagoa das Mofadas
Naquele serrotinho de pedra
Bem na pontinha de cima
Fomos dar-lhe uma queda
Ou bicho forte! Correu
Correu mais de cinco léguas
E, se não são os cachorros
Ainda ninguém o pega
— Faça favor apeiar-se
Venha me contar a função
Se foi morto de chumbo
Ou a ponta de ferrão
— Sim, senhor, foi morto a chumbo
E a ponta de ferrão
Ajudado dos cachorros
E também do Gonçalão
Tenho agora três cachorros
Que vieram do Inhamuns
Que como estes três cachorros
Nesta terra não há nenhum
— Estão prontas as vinte patacas
Para lhe dar as alvissas
Tanto pelo seu trabalho
Como também pela notícia
Mande ver o Pintadinho
Aproveite ele todo
Faça dele matrutagem
Estimo que esteja gordo
Eu suponho que está capaz
De se comer com sossego
Porque julgo não terá carne
Tudo, tudo será sebo
Convide alguns amigos
Para bebermos um copinho
Principalmente celebrando
A morte de Pintadinho
* * *
Convidaram-se os amigos
Acudiu a gente toda
Receberam vinte mil réis
Comeram uma vaca gorda
Fonte:
Carvalho, Rodrigues de. Cancioneiro do norte. 3ª ed. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário
Boi corredor de fama
Que tanto corre no duro
Como na várzea de lama
Corro fora destes campos
Corro dentro da caatinga
Corro quatro, cinco léguas
De suor nem uma pinga
Corro fora nestes campos
Que o mesmo ar se arrebenta
Corro quatro, cinco léguas
Ninguém me vê dar a venta
Meu senhor Inácio Gomes
De mim já teve agravado
Porque onde eu estou
Não pode arrudiar gado
Ele fala com grande ira
E sente está magoado
Porque há mais de vinte vezes
Eu o tenho enrabado
Meu senhor Inácio Gomes
Fala com tanta ira
Que já dá vinte patacas
A quem me puser na embira
Eu darei tudo por nada
Pois dele, se não careço
Além da sua brabeza
Também tenho seu arremesso
O moço José de Almeida
Vagueiro do Clemente
Diz que nunca houve um cachorro
Que lhe pusesse o dente
E eu que o vi correr
Na lagoa das Mofadas
Deixou atrás o cavalo
E a sua cachorrada
Porque desde garotinho
Carreguei opinião
De não ter nenhum vaqueiro
Que me chegasse o ferrão
Estava eu certo dia
Na Carnaubinha maiado
Quando vi um cavaleiro
Em um tropel mui descansado
Estava seco de sede
E também morto de fome
Assim mesmo abri os olhos
Conheci Inácio Gomes
Saí logo na carreira
Não muito despedido
Porque Inácio Gomes
Já era meu conhecido
Ficou ele maginando
O que havia de fazer
Eu entrei bem para o centro
Bem pra dentro me esconder
No outro dia bem cedo
Saí a comer orvalho
Logo na volta que dei
Encontrei João Carvalho
Ele vinha bem montado
Bom cavalo e bom ferrão
E junto consigo trazia
O cabra Gonçalão
Traziam mais três cachorros
Que valiam três cidades
Que querendo matar um
Não se acha ruindade
Logo que avistei isto
Botei-me no catingão
A demora que tiveram
Foi gritar: arriba cão!
Corria de tal maneira
Que os ouvido me zunia
Na distância de três léguas
Três cachorros me gania
Tratei de me pôr em pé
Espiando pra confusão
Porém logo me enganei
Cada vez me foi pior
Porque eu estando em pé
Espiando pra confusão
Muito depressa chegou
O tal cabra Gonçalão
— Quer que vamos ao boi agora?
Ele está bem esbarrado...
Peguemos logo este boi
Enquanto ele está cansado
O cabra partiu a mim
Porém veio de meia-esgueia
Desviou-se da cabeça
Pressionou-me na sarneia
Eu com ardor do ferrão
A ele me encostei:
De debaixo de suas pernas
O cavalo lhe matei
O cabra se viu a pé
Ficou tão desesperado
Foi gritando logo ao outro:
— Matemos este malvado!
O cabra quando viu isto
Ainda mais se segurou
Puxou logo pela faca
Por detrás me rejeitou
Deram comigo no chão
Em riba de mim se escanchou
Logo o cabra Gonçalão
Bem depressa me sangrou
Ficaram muito contentes
De ter seu pleito vencido
Só assim Inácio Gomes
Aproveitaria o perdido
— Gonçalão tu vais à casa
Para buscar três cavalos
E mais alguma arrumação
E comeres alguma coisa
Que com certeza tens fome
Que vou pedir as alvissas
Ao compadre Inácio Gomes
Chegando ele então
Na fazenda Trucuinho
— As alvissas, meu compadre
Que é morto o Pintadinho!
— Venha me contar a estória
O que ele andava fazendo
Na lagoa das Mofadas
Bem cedo andando correndo
— Na lagoa das Mofadas
Naquele serrotinho de pedra
Bem na pontinha de cima
Fomos dar-lhe uma queda
Ou bicho forte! Correu
Correu mais de cinco léguas
E, se não são os cachorros
Ainda ninguém o pega
— Faça favor apeiar-se
Venha me contar a função
Se foi morto de chumbo
Ou a ponta de ferrão
— Sim, senhor, foi morto a chumbo
E a ponta de ferrão
Ajudado dos cachorros
E também do Gonçalão
Tenho agora três cachorros
Que vieram do Inhamuns
Que como estes três cachorros
Nesta terra não há nenhum
— Estão prontas as vinte patacas
Para lhe dar as alvissas
Tanto pelo seu trabalho
Como também pela notícia
Mande ver o Pintadinho
Aproveite ele todo
Faça dele matrutagem
Estimo que esteja gordo
Eu suponho que está capaz
De se comer com sossego
Porque julgo não terá carne
Tudo, tudo será sebo
Convide alguns amigos
Para bebermos um copinho
Principalmente celebrando
A morte de Pintadinho
* * *
Convidaram-se os amigos
Acudiu a gente toda
Receberam vinte mil réis
Comeram uma vaca gorda
Fonte:
Carvalho, Rodrigues de. Cancioneiro do norte. 3ª ed. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário
Nenhum comentário:
Postar um comentário