terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (O Casamento do Rato com a Catita)


No tempo em que os animais
 Seguiam civilidade
 O mundo era diferente
 Deste da atualidade
 Não havia a corrupção
 Que existe na humanidade

 Nesse tempo o senhor leão
 Era o rei dos animais
 O gafanhoto também
 Trazia insígnias reais
 O elefante, grande sábio,
 Fazia códigos legais

 O urso era juiz de direito
 O tigre era presidente
 O lobo era capitão
 A girafa era intendente
 O tamanduá era padre
 E o porco-espinho tenente

 O boi era juiz de paz
 Mestre burro era doutor
 O macaco era escrivão
 A lagarta cobrador
 A preguiça era fiscal
 Tatu-peba coletor

 O carneiro era mendigo
 Era o bode um almirante
 A raposa era correio
 Era o cavalo estudante
 O galo era um insolente
 E o punaré negociante

 A cobra, uma criminosa
 O cachorro, delegado
 O queixada, vagabundo
 O sapo, velho soldado
 E o peru era pobre preso
 Que vivia encarcerado

 Gato era cabo de esquadra
 Saguim era professor
 O veado era vaqueiro
 Periquito, promotor
 Camelo era viajante
 E o porco era criador

 O jacaré era dentista
 O morcego era barbeiro
 A ema era bom alfaiate
 O pica-pau, carpinteiro
 Guaxinim, senhor de engenho
 Mestre urubu, cozinheiro

 Vivia o abutre faminto
 A coruja era um profeta
 O cisne era um amante
 O rouxinol, um poeta
 A zebra, grande tratante
 O canguru era um pateta

 O castor era pedreiro
 O rato era namorado
 A barata era gatuno
 O pato era um empregado
 O pavão era um ourives
 E o canário, um advogado

 Era o mocó bom marchante
 A andorinha, comboeiro
 A formiga, agricultor
 Hiena, um sujo coveiro
 A cigarra era cantora
 E o besouro era bombeiro

 Afinal, tudo o que os homens
 São nessa atualidade
 Os brutos também já foram
 No tempo da antiguidade
 Quando o Destino era um deus
 De poder e majestade

 Nesse tempo, o jovem rato
 Habitava num chalé
 E namorava a Catita
 A filha do punaré
 Ela ainda era donzela
 E ele era um moço de fé

 O rato determinou-se
 A pedir a mão da amada
 Visitando o punaré
 Pediu-lhe a filha estimada
 Visto ela também já estar
 Bem por ele apaixonada

 — Meu tio, eu não venho aqui
 Só fazer-lhe uma visita
 Venho lhe pedir a mão
 De sua filha Catita
 Para casar-me com ela
 Pois acho-a muito bonita

 O punaré respondeu-lhe:
 — Só não te dou minha filha
 Porque ainda não tens recursos
 Pra sustentar a família
 E um pobre casar com um rico
 É mais do que maravilha

 — Meu tio, eu sei que sou pobre
 Não preciso que me diga
 A fazer-lhe este pedido
 É mesmo o amor quem me obriga
 Se me negar o que peço
 Haverá entre nós intriga

 — Eu darei o que me pedes
 Pois não te posso negar
 Já que a moça é tua prima
 Porém só podes casar
 Quando tiveres dinheiro
 Com que possas te aprontar

 — Se o senhor me proteger
 Eu proponho-lhe um negócio
 Faça de mim seu caixeiro
 Pois não sou muito beócio
 E, depois, quando casar
 Poderei ser o seu sócio

 — Aceito tua proposta
 Podes vir ser meu caixeiro
 Porém há uma circunstância
 Quero avisar-te primeiro
 Que não namores a moça
 Enquanto fores solteiro

 Então, fecharam negócio
 Passaram um documento
 E o rato tomou conta
 Dum estabelecimento
 Trataram para o fim do ano
 O tempo do casamento

 O punaré proibiu
 À filha de namorar
 Porém ela, às escondidas
 Ia com o rato prosar
 Toda noite, no jardim
 Tinham um particular

 Ao cabo de pouco tempo
 Sentiu-se a moça doente
 Estava bem descorada
 Com um olhar diferente
 Os peitos tinha crescidos
 E bastante inchado o ventre

 Foi receitar-se num médico
 E este, a vendo, logo disse:
 — Senhora, este seu incômodo
 Nada mais é que prenhice
 Remédio para este mal
 Nunca pôde descobrir-se

 O Rato desconfiou
 Tratou logo de fugir
 Roubou o cofre do tio
 Que, quando o quis perseguir
 Não o encontrou mais na loja
 Nem no quarto de dormir

 Vendo-se a moça ofendida
 Foi, correndo, se queixar
 Suplicando ao delegado
 Para este logo obrigar
 O Rato a casar com ela
 Pr’assim sua honra pagar

 Prometeu o delegado
 Que faria o que pudesse:
 Mandava prender o moço
 E, embora ele não quisesse
 Casar-se com a ofendida
 Casava houvesse o que houvesse!

 A moça voltou pra casa
 E o delegado apitou
 Em menos de uma meia hora
 Uma tropa se ajuntou
 O Gato chegou primeiro
 Dizendo logo: - Cá estou!

 Os soldados perguntaram:
 — Que quer, senhor delegado?
 Este respondeu: — Eu quero
 Que o Rato seja intimado
 Se ele fizer resistência
 Tragam morto ou amarrado!

 Logo os soldados se armaram
 Foram em busca do Rato
 Este, com medo da tropa
 Estava oculto no mato
 Porém isto o não livrou
 De cair nas mãos do Gato

 Cercou a tropa uma serra
 E, de cima dum penedo
 Avistou o criminoso
 Debaixo dum arvoredo
 Muitos soldados correram
 Outros morreram de medo!

 O Rato estava dormindo
 E acordou atordoado
 Com uma voz lhe dizendo:
 — O’ cabra esteja intimado!
 O Rato pensou consigo:
 — Ai! Ai! estou desgraçado!

 O Rato quis evadir-se
 Porém foi logo agarrado
 Ele se opôs e, na luta
 Deixaram-no bem pelado
 Pois assim mesmo o levaram
 Diante do delegado

 Este perguntou ao preso:
 — Que foi que fizeste tu?
 Que foi que te aconteceu
 Que estás aí quase nu?
 Para ti serve o ditado:
 Quem se vexa come cru!

 Disse o Rato: — Eu quis casar
 Com uma jovem mui bela;
 Mas, por ela me ser falsa,
 Eu disse para o pai dela:
 Que procurasse outro noivo
 Para casar-se com ela

 O delegado então disse:
 — Pois que o camarada me ouça:
 Por aí corre o boato
 Que tu ofendeste essa moça
 Agora, o que te acontece
 É morte ou casar à força!

 O Rato lhe respondeu:
 — Não é preciso matar-me!
 Eu já estou arrependido
 E, como quer castigar-me
 Mande chamar logo o padre
 Quero hoje mesmo casar-me

 O delegado respondeu-lhe
 — Não precisa se vexar
 Ainda falta correr banhos
 E a moça se preparar
 Eu dou-lhe um mês como prazo
 Para tudo se arranjar

 Com esse espaço dum mês
 Tudo estava preparado
 Todo o povo do lugar
 Tinha sido convidado
 Para ao grande baile vir
 Que havia de ser falado

 O Punaré, logo cedo
 Mandou ao padre chamar
 Pra fazer o casamento
 Que era em primeiro lugar
 Na manhã daquele dia
 Sem poder mais se adiar

 Convidou Mocó das Índias
 Pra ser do noivo o padrinho
 Visto ele ser seu parente
 E também ser seu vizinho
 Este não bebeu na festa
 Por gostar pouco de vinho

 Mandou chamar a Cotia
 Pra ser da noiva a madrinha
 Esta não comeu na festa
 Por não gostar de galinha
 E, como tinha inimigos
 Desconfiada é que vinha

 Convidou Mestre Urubu
 Para a festa cozinhar
 Este preparou guisados
 E, quando foram jantar
 O delegado chegou
 Para no baile dançar

 Ao chegar o delegado
 A festa foi acabada
 Pois a madrinha da noiva
 Era com ele intrigada
 O delegado agarrou-a
 Matando-a numa dentada!

 Numa guerra sanguinária
 Tranformou-se, então, a festa
 Tamanduá levantou-se
 Perguntou: — Que zoada é esta?
 Mas, quando viu que era o cão
 Se embrenhou pela floresta

 Na cabeceira da mesa
 Estavam Catita e Rato
 Quando ouviram o barulho
 Quiseram correr pro mato
 Mas, antes disso fazerem
 Foram mortos pelo Gato!

 Morreram nesse barulho
 Mais de dois mil convidados!
 Os que escaparam com vida
 Foram todos debandados
 Desde esse dia ficaram
 Os animais intrigados

Fonte:
Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folk-lore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

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