nada
é mais sagrado
que o corpo da mulher
amada
o corpo
da mulher amada
é um evangelho de veredas
abissais
é uma planície habitada
por silentes centopéias
é sempre um país estranho
estrangeiras águas
donde vêm as violetas
do amor
o corpo
da mulher amada
está salpicado de picassos
vermelhos
e os milharais sobrevoam
os corvos do coração
o corpo
da mulher amada
sangra a cada mês
a divina palidez das metáforas
nuas
o corpo
da mulher amada
tem vidraças
tem chafarizes
e tem colmeias
e tem garças
e tem antíteses
procuremos
no corpo da mulher
amada
os demônios do paraíso
bebamos
o corpo da mulher
amada
como os sedentos que naufragam
nas miragens do deserto
[...]
o corpo
da mulher amada
é para ser olhado como se olha
uma paisagem de gerânios
solitários
é para ser tocado como se toca
as harpas do sol
é para ser consumido como se consome
uma rara liturgia
é para ser amado como se ama
o secreto lume da noite
derradeira
pobre do amante
que não alcança as mandalas
eróticas
os imprevistos rituais
os translúcidos castiçais
os lóbulos lacustres
do corpo da mulher
amada
o corpo
da mulher amada
nunca morre
o corpo
da mulher amada
nunca apodrece
o corpo
da mulher amada
nunca é pornográfico
nunca é banal
nem árido
nem deserto
nunca é abjeto
o corpo da mulher
amada
o corpo
da mulher amada
é alma tangível
mais sagrado
que o corpo da mulher
amada
só o beijo da mulher
amada
[...]
Fonte:
FILHO, Hildeberto Barbosa. Nem morrer é remédio, Poesia reunida. João Pessoa, PB: Ideia Editora Ltda., 2012, p.259-265
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