sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

José Antonio Jacob (Sonetos Escolhidos)


SONETO PARA UMA AQUARELA
(ou a princesa e o sapo)

Na desbotada folha do papel
 Luiza vai compondo o meu destino,
 De início ela pintou um lindo céu
 Acima dos meus sonhos de menino.

 Depois foi desenhando: um carrossel,
 Uma quermesse, uma igrejinha e um sino.
 E, ao lado de um castelo pequenino,
 Uma princesa e um sapo num corcel.

 Em derredor, nos campos, se depara,
 Lírios-do-vale, margaridas, dálias.
 Uma aquarela de paisagem rara.

 Ó doce Luiza, ó flor que me ampara!
 Por que sua princesa usa sandálias
 E o feio sapo tem a minha cara?!…

DE VOLTA AOS QUINTAIS

Mesmo corrido o tempo guardo apreço
 Aos meus passos cansados, desiguais,
 Que sempre me levaram sem tropeço
 Ao refúgio da infância dos quintais.

 Nada mudou! De longe reconheço
 A confraria alegre dos pardais
 E as mesmas roupas claras nos varais:
 Nunca tirei daqui meu endereço!

 Apenas me ausentei de casa cedo,
 Qual criança que se afasta do folguedo
 Para mais tarde aconchegá-lo a si.

 Eu sou esse menino arrependido
 E quero o meu brinquedo envelhecido
 Para brincar no tempo que perdi!

ELOGIO À DOR DO DESAMOR

I

Ainda que até o amor você me roube
 (Pode roubar-me sem abrir a porta)
 Rogarei que outro amor maior me arroube,
 Pois só o amor meu coração conforta.

 Ora, que triste, a noite é quase morta!
 E o meu beijo em seus lábios nunca coube,
 Eu amo a dor e a dor não me suporta
 Porque eu já morri e você não soube.

 O meu amor que o seu amor espalma,
 Em troca de ter-me arrebatado a alma,
 Haverá de avivar as suas dores.

 Que vibre no seu peito outros amores!
 Você feriu-me a vida e dou-lhe flores...
 E morro sem você na noite calma.

  II

Que doce olhar... e a vida é tão pequena!
 O mundo é triste sem seu doce olhar...
 Para mim seu olhar é uma novena
 Que acompanho de longe sem rezar.

 Amo-a tanto e ela sabe que me amar
 É dor, tristeza, mágoa, perda e pena,
 Por isto ela não me ama e me condena
 A entrar no céu e não poder ficar.

 Que coisa triste, que desesperança!
 Ponho em seus olhos meu olhar que clama
 E ela olha-me inocente feito criança.

 Adeus! (meu breve adeus é o de quem ama)
 Deixo-lhe meu sorriso de lembrança,
 Pois tenho de ir que a minha dor me chama.

III
  
Não me diga adeus que ainda é cedo amor,
 Antes sorria para que eu não chore
 E deixe que entre nós tudo demore,
 Até a despedida e o desamor.

 Eu sei que você sabe a minha dor,
 (E haja em mim mais angústia que lhe implore)
 Essa dor que os meus olhos descolore
 Haverá de ficar se você for.

 Não faça assim amor, não me entristeça,
 Se for para você se despedir
 Tomara que amanhã não amanheça!

 Nada acontece quando Deus não quer,
 E eu peço a Deus para você não ir
 Nem me dizer adeus... Se Deus quiser!

IV

Enquanto, em seu olhar, o amor se cala,
 Se Deus quiser você verá que aqui
 No meu olhar é o coração que fala:
 - É a minha alma que nele lhe sorri!

 Eu tive tanto tempo para amá-la,
 Os dias todos em que não morri,
 E amei a solidão na minha sala
 Nos mesmos dias em que não vivi.

 Eu não a vejo na minha saudade,
 E o que os seus olhos podem me dizer
 Sua saudade ingênua não me diz.

 Que seu olhar se cale de verdade!
 Mas se a verdade é o que me faz sofrer
 Dê-me a mentira para eu ser feliz.

O VENDEDOR DE BONEQUINHOS

De manhãzinha, à beira da calçada,
 Diariamente a corda eu estendia,
 E pendurava nela uma braçada
 De bonequinhos feios que eu vendia.

 Eram polichinelos que eu fazia
 De trança de algodão, mal desfiada...
 No pano das feições não conseguia
 Puxar-lhes traços de melhor fachada.

 Ao desbotar o azul, no fim do dia,
 Quando eu os desatava dos alinhos
 Desse varal de cordeação brilhante,

 Esses desengonçados bonequinhos
 Desciam-me nas mãos com alegria
 E me davam abraços de barbante.

A DOR DO VINHO

Lembras-te tu do vinho da ilusão,
 Que, entre olhares confusos de fumaças,
 Bebemos devagar em nossas taças
 E que nos deu delírios de paixão?

 Bem me lembro dos risos nas vidraças
 E da música suave no salão,
 E que ninguém mais nos prestava graças
 Quando toquei de leve a tua mão.

 E enquanto te fiz tratos de carinho
 E amei teus olhos grandes e indecisos,
 Fitaste-me a sorrir em desvario...

 E zonzo, para o sempre, fui sozinho,
 Levando na lembrança os teus sorrisos
 E o coração no peito mais vazio…

VERSOS DE AMOR

Ó alma solitária, outrora envaidecida,
 Que dirás aos teus olhos, nesta noite morta,
 Ao veres tua vida triste e desflorida,
 Se o desespero vier te aferrolhar a porta?
  
 - Aqui jaz a pessoa que ninguém suporta!
 (Mal ouvirás o som da tua voz ferida)
 E escreverás no espelho, com a letra torta,
 A derradeira frase de repúdio à vida.
  
 Caso vieres, Senhora, sofrer a inquietação,
 Da incômoda lembrança, dos doces sinais,
 Que o passado feliz deixa no coração...
  
 Lembres que teu futuro não existe mais,
 Que estás vivendo a última recordação
 Nestes versos de amor de quem te amou demais…

Fontes:

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