Caio de Mello Franco
(Montevidéu/Uruguai, 3 maio 1896 Registrado no Consulado Brasileiro -
Paris/ França, 18 setembro 1955)
" O EVANGELHO DA VELHICE "
Quando a velhice te bater à porta
queres ouvir nosso Evangelho? Escuta,
abre de manso e, trêmula perscruta
aquela face que a tristeza corta.
Olha-a de frente. E uma alegria morta
verás em cada sulco que a labuta
deixou fundo ficar na insana luta
que não nos confortou, nem nos conforta.
Enxugarás o pranto resignado
e ficarás pungentemente orando,
de mãos postas, a olhar para o Passado...
E assim, velhinha e triste e eu triste a velho,
viveremos tremendo, mas rezando
a saudade sem fim, deste Evangelho.
" O FAUNO "
No meu plinto de pedra, o olhar vazio,
a alma vazia, no jardim deserto,
sonho encolhido de tristeza e frio,
ouvindo a fonte que murmura perto.
As vezes penso: este meu fado incerto
mudou-se em gloria, fez-se amor! - Sorrio...
Depois, o tempo passa . . . E eis-me desperto
do meu longo e profundo desvario . . .
E súbito, em minha'alma primitiva
antes tranqüila e agora turva, a chama
de um desejo fugaz, crepita, viva...
Em meu corpo de pedra anseio e arquejo. . .
Sinto que em torno a natureza me ama
e atiro ao vento o meu primeiro beijo.
============
Carlos Augusto Ferreira
(Porto Alegre/RS, 4 outubro 1844 – Campinas/SP, 12 fevereiro 1913)
" IDÍLIO "
Vamos, amor, por esses campos fora,
asas abrindo à doce luz da vida,
ouvir a terna, a meiga, a apetecida
canção que entoa a terra à deusa Aurora.
Vamos, que é tempo. A natureza inflora
montes, vales, vergéis, e embevecida
treme de amor a rosa. Ouves, querida,
a ave que canta? a viração que chora?
Vês? Que alegre amnhã, Todo o arvoredo
tão fresco e bom! O alegre passaredo
enche a selva de mágico rumor...
Pois cantemos também, vamos risonhos
haurir a vida em turbilhões de sonhos,
asas abrindo ao quente sol do amor! . . .
===================
Carlos Drummond de Andrade
(Itabira/MG, 31 outubro 1902 – Rio de Janeiro/RJ, 17 agosto 1987)
" ENTRE O SER E AS COISAS "
Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e a rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.
As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que a de natureza corrosiva.
N’água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas a mais nuas.
E nem os elementos encantados
sabem do amor que o punge e que e, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.
" FRAGA E SOMBRA FRAGA E SOMBRA "
A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.
Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.
Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente a abstrata serra.
E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.
Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963
Nenhum comentário:
Postar um comentário