O ASSUNTO político é a preocupação do momento. Hoje todos os olhos estão voltados para a casa dos legisladores. Que viria fazer a poesia, a poesia que não vota nem discute, no dia em que o congresso da nação está reunido para discutir e votar? Não estranhem, pois, os leitores destas revistas, se não fazemos hoje nenhuma apreciação literária. Apenas mencionaremos a próxima chegada do poema épico do Sr. Porto Alegre, Colombo, impresso em Berlim, onde se acha o ilustre poeta. Os que cultivam as letras, e os que as apreciam, já conhecem por terem lido e relido, alguns belos fragmentos do poema agora publicado. Muitos dos principais episódios têm vindo à luz em revistas literárias.
O talento do Sr. Porto Alegre acomoda-se perfeitamente ao assunto do poema; tem as energias, os arrojos, os movimentos que requer a história de Cristóvão Colombo, e o feito grandioso da descoberta de um continente. Nenhum assunto oferece mais vasto campo à invenção poética. Tudo conspirou para levantar a figura de Colombo, até mesmo a perseguição, que é a coroa dos Galileus da navegação, como dos Galileus da ciência. Descobrindo um continente virgem à atividade dos povos da Europa, atirando-se à realização de uma idéia através da fúria dos elementos e dos obstáculos do desconhecido, Colombo abriu uma nova porta ao domínio da civilização. Quando Vítor Hugo, procurando a mão que há de empunhar neste século o archote do progresso, aponta aos olhos da Europa a mão da eterna nação yankee, como dizem os americanos, presta indiretamente uma homenagem à memória do grande homem que dotou o XV século com um dos feitos mais assombrosos da história. Tal é o herói, tal é a história, que o Sr. Porto Alegre escolheu para assunto do poema épico com que acaba de brindar as letras pátrias.
O assunto de Colombo devia ser tratado por um americano; folgamos de ver que esse americano é filho deste país. Não é somente o seu nome que fica ligado a uma idéia grandiosa, mas também o nome brasileiro.
Como se houve o Sr. Porto Alegre na concepção do poema? Já conhecemos alguns fragmentos, que, embora formosos, não nos podem dar todo o conjunto da obra. Mas o nome do Sr. Porto Alegre é uma fiança. O autor das Brasilianas é um espírito educado nas boas doutrinas literárias, robustecido por fortes estudos, afeito à contemplação dos modelos clássicos. Junte-se a isto um grande talento, de que tantas provas possui a literatura nacional. Estamos certos de que as nossas esperanças serão magnificamente realizadas. Os fragmentos conhecidos são primorosos; por que o não será o resto?
Um poema épico, no meio desta prosa atual em que vivemos, e uma fortuna miraculosa. Pretendem alguns que o poema épico não e do nosso tempo, e há quem já cavasse uma vasta sepultura para a epopéia e para a tragédia, as duas belas formas da arte antiga. Não fazemos parte do cortejo fúnebre de Eurípedes e Homero. As formas poéticas podem modificar-se com o tempo, e é essa a natureza das manifestações da arte; o tempo, a religião e a índole influem no desenvolvimento das formas poéticas, mas não as aniquilam completamente; a tragédia francesa não é a tragédia grega, nem a tragédia shakespeariana, e todas são a mesma tragédia. Este acordo do moderno com o antigo era o pensamento de Chénier, que muitos séculos depois de Ovídio e Catulo ressuscitava o idílio e a alegria da antiguidade.
Findou a idade heróica, mas os heróis não foram todos na voragem do tempo. Como fachos esparsos no vasto oceano da história atraem os olhos da humanidade, e inspiram os arrojos da musa moderna. Casar a lição antiga ao caráter do tempo, eis a missão do poeta épico. Os estudos e o talento do Sr. Porto Alegre revelam uma índole apropriada para uma obra semelhante.
Apreciaremos o novo poema nacional com a consciência e imparcialidade que costumamos usar nestes escritos, o que não exclui a admiração e a simpatia pelo autor. A nossa máxima literária é simples: aprender investigando. Um livro do Sr. Porto Alegre dá sempre que investigar e que aprender.
Temos o dever de ser breve. Como dissemos acima, a preocupação do momento é o assunto político. A atenção pública está voltada para a reunião das duas casas do parlamento. As musas, num dia destes recolhem-se à colina sagrada.
Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.
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