sábado, 5 de janeiro de 2013

Raimundo Fontenele (Poesias Avulsas)


O DOM DE SER DE NOVO

 Como num passe de mágica
 vi-me posto de joelhos adorando uma paisagem.
 Todas as estrelas eram azuis
 e o céu era azul e assim era a vida.
 Aquela água cristalina e verde entre montanhas,
 aquele verde de Deus doendo em nossos olhos,
 aquele murmúrio de pássaros,
 leves plumas, algodão nos lábios passeando,
 ó alegria do mundo!, glória única entre os homens.
 E a paz guardada num coração de cofre.
 E os animais com seus passeios divinos.
 Água dos rios, mar de lágrimas oceânicas,
 piano e voz, é esse o criador que tudo faz.
 Você que me trouxe ao mundo e me deu voz
 para falar, e cantar e gritar: vida é isso aqui.
 Nuvens com chuva pra ninguém chorar.
 Fogo nas montanhas para seguirmos viagem.
 Pasto pros animais. Mundo verde, mineral.
 Ponte e abismo pra sairmos da lama.
 Deu-nos o dom dos salmos para dizermos verdades,
 deu-nos o ar nos pulmões pra respirarmos em uníssono
 e suspirarmos, depois, de amor e de lembranças.

OS DOMINGOS

 Domingo sozinho é pára-raios
 de lágrimas. E chove como nunca nessas flores,
 o dia amanhecendo com seus galos.

 Há barulhos estranhos pela casa.
 Um livro de Vallejo e uma faca
 com a qual devo arrancar meu coração para
 ofertar-te : um peixe pulando sobre a mesa.

 Toda ferida acesa. Todo o céu maculado.
 Embaçado amor, corrente de amarrar doido
 que não me deixa correr ao teu encontro.
 É tudo que leio e vejo.

Fonte:
Suplemento Cultural & Literário JP Guesa Errante. Ano XI. Edição 269. 9 junho 2012.

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