Artigo de Alberico Carneiro
Raimundo Fontenele nasceu em Predeiras, MA. Em sua trajetória de mais de quatro décadas de publicações, ele nos lega uma obra literária que é causa de orgulho a todos quantos, dentre os maranhenses, levam a sério o reconhecimento do nome do Maranhão como terra de excelentes artistas. E quando dizemos terra de artistas, estamos falando em algo com letra maiúscula, para que o povo não confunda a palavra artista com a mesma que se usa para designar pessoas que, com suas atividades, promovem apenas distração, diversão ou entretenimento, o que, sem dúvida já é alguma coisa, mas não é a mesma coisa. Assim, quando dizemos terra de excelentes artistas, estamos nos referindo a uma São Luís que pode se orgulhar de pessoas que aspiram a dar ao Maranhão um lugar de destaque, como o fazem Ferreira Gullar ou Zeca Baleiro, por exemplo.
A obra literária de Raimundo Fontenele não se constitui de inúmeros livros, mas o conjunto de textos que ele assina o impõe como uma das mais expressivas referências da poesia maranhense escrita a partir da década de 1970 aos dias atuais.
Irreverente, ousado, transgressor, não é um poeta de concessões, louvores, marca quase comum de inúmeros escritores que tanto envergonham a classe, nesta província. A mediocridade sempre carrega consigo esse estigma maldito.
A poética de Raimundo Fontenele não se parece com os textos de ninguém de sua geração. É um poeta marginal ou, conforme melhor se diz, maldito, desses cujos poemas sempre causam estranhamento e espanto aos leitores acostumados com a contemplação do cultivo de hortas, jardins e pomares paradisíacos, onde não penetrou a insídia da conspiração, da obliquidade e do olhar que lê o amor e o revela como a senda do prazer e da dor. Por isso, já os textos de Fontenele selecionados para a antologia Antroponáutica, publicada pelo então Departamento de Letras, de São Luís, em 1972, estavam marcados por aquela dicção de um poeta que optava pelo desvio do lugar comum, ocupado por aqueles que preferem repetir os passos seculares de uma tradição herdada e, não, de uma tradição marcada pela rebeldia, própria de poucos que fizeram ou fazem o caminho sangrando as mãos, os pés e as mentes.
Claro que a aparição desse poeta, em livro, já em 1970, com Chegada Temporal, causou espécie, incomodou a crítica oficial, conquistou a indiferença dos meios acadêmicos. Tratava-se de um poeta que, no mínimo, rompia com a linha tradicional dos conteúdos poéticos, em se tratando essencialmente de uma linguagem que procurava se impor, transgredindo, rompendo, negando. Sim, uma linguagem que se permitia, metalinguisticamente, criticar a tradição, negar a tradição, dizer que a poesia, em essência está além de cânones, estando muito mais na beleza que se expressa melhor através do fluxo natural dos dados imediatos do inconsciente, detonando os padrões de beleza clássica universal.
E como a tradição não aceita de graça quem ousa se desenraizar e desfamiliarizar, escritores como Raimundo Fontenele sempre pagam um preço doloroso pela autenticidade da produção de uma obra literária que se quer afirmar sem o selo e a chancelaria de uma sintaxe normativa, já que a finalidade primeira desse tipo de poeta é explodi-la.
Recebi sempre com surpresa, entusiasmo e orgulho os livros que Raimundo Fontenele tem publicado. Cada vez que ele quebrou uma telha, rasgou livros dos medíocres, detonou um sobradão colonial, fez ajoelharem-se os políticos ladrões e hipócritas e os sentenciou à pena de exílio do convívio social, lá eu me senti em comunhão com ele, cúmplice do mesmo santo e abençoado crime que tanto nos irmana, quando se trata de chutar, quebrar, destruir, eliminar todos, que são poucos gatunos, quantos impedem a humanidade de partilhar dos bens e dons da vida, conferidos a todos nós pelo Criador. Sim, a elite dos abomináveis eleitos do Diabo, que aliena o público no particular.
Então, com imenso prazer releio Chegada Temporal, 1970; Às mãos do dia, 1972; Venenos, 1994; Marginais, 2001, dentre outros.
Hoje, ele nos surpreende, entusiasma e enche de orgulho mais uma vez, com o lançamento simultâneo de duas obras-primas – estes antológicos O troglodita e Amores.
É como um coroamento de uma viagem do poeta em sua circunavegação por São Luís e em exílio. Exílio porque quem verdadeiramente se pode tornar um artista de nome, vivendo aqui nesta província? Meu Deus, raras e honrosas exceções. Costumamos dizer, ficando aqui é melhor morar aqui, mas viver em outros lugares, vivendo aqui. É possível esse milagre?
Certo é que, com os dois últimos livros, o poeta Raimundo Fontenele confirma a conquista de uma poesia forte, humana, singularmente, genial. Como poucos ele vem sabendo se impor pelo bom uso do talento que recebeu ao nascer. A maioria joga tudo fora, ou na primeira lixeira de bandalheiras que descobrem nos cérebros.
Fontes:
Suplemento Cultural & Literário JP Guesa Errante. Ano XI. Edição 269. 9 junho 2012.
Foto: http://www.editoraalcance.com.br
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