sábado, 12 de janeiro de 2013

Soares de Passos (O Escravo)


Tremes, escravo? baqueias
Entre os muros da prisão?
Vergado sob as cadeias
Rojas a fronte no chão?
Já da turba ao longe o grito
Pede teu sangue maldito:
Sentes, escravo proscrito,
Vacilar teu coração?

Não sinto! nada perturba
Minha alegria feroz –
Nem o bramir dessa turba,
Nem a lembrança do algoz.
Vinguei-me! nada me aterra,
Curvai-vos, homens da terra!
Contra mim juraste guerra;
Guerra jurei contra vós.

Eu era livre sem meta
Como as ondas lá no mar;
Era livre como a seta
Quando sibila no ar:
Em vossa avidez tirana
Que me algemou desumana...
Ó minha pobre choupana!
Ó florestas do meu lar!

Além, além nas florestas,
Foi além onde eu nasci;
Onde sem prisões funestas
Já venturoso vivi.
Foi dos bosques na espessura
Que eu tive amor e ternura;
Mas liberdade e ventura,
Pátria, amor, tudo perdi.

Perdi tudo! além da morte
Já não me resta ninguém.
Tinha um pai: a negra sorte
Do filho sofreu também.
Trouxe da pátria distante
O férreo jugo aviltante,
Inda eu era tenro infante
Nos braços de minha mãe.

Minha mãe!... oh! quantas vezes
Me vinha a triste abraçar,
E carpindo os seus reveses
Fitava os olhos no mar!
Seu pranto caía ardente,
Em bagas na minha frente;
E eu, pobre infante inocente,
Chorava de a ver chorar.

Mais tarde, quando o navio
Me trazia à escravidão,
Nas praias do mar bravio
Eu a vi cair no chão;
Vi-a através dos espaços,
Morrendo, estender-me os braços...
Sacudi meus férreos laços;
Mas, ai de mim! era em vão!

Perdi-a! só me restava
A virgem do meu amor,
Que a mulher que eu adorava
Quis partilhar a minha dor.
Mas tinha sua beleza
Só dum escravo a defesa...
Devia, oh raiva! ser presa
Do meu infame senhor.

E eu, soberbo vezes tantas,
Curvei-me daquela vez;
Arrastei às suas plantas
Minha feroz altivez.
Debalde! que o vil tirano
Escarneceu do africano;
Maldição! vaidoso, ufano,
Meu amor calcou aos pés.

– É minha, só minha a escrava:
A ti, pertence o grilhão: –
Disse, e o sangue me escaldava
No fundo do coração.
Da vingança a torva imagem
Me sorriu, me deu coragem –
No meu gemido selvagem
Rugiu irado o leão.

Era noite! – negro sonho
Que destes olhos não sai!-
Era noite! um céu medonho
Vi tua sombra, ó meu pai...
Rojando um grilhão pesado,
Teu espectro ensanguentado
Se ergueu sombrio a meu lado,
Sem dar um gemido, um ai...

Té que alçando a voz: – meu filho!
Meu filho! – bradaste enfim,
E os olhos turvos, sem brilho,
Tinhas cravados em mim...
Eu quis lançar-me em teus braços,
Quis cingir-te em doces laços;
Mas fugindo aos meus abraços,
Volvias a olhar-me assim.

Foste escravo... teu destino,
Tua morte compreendi,
E um nome, o do assassino,
Delirando te pedi;
Mas sem atender a nada,
Erguendo a dextra mirrada,
– Vingança! – com voz irada
Bradaste, e não mais te vi.

Sim, vingado foi teu sangue
Por este braço afinal,
Que um deles caiu exangue
Aos golpes do meu punhal.
Era amargo o fel da taça –
Vinguei a nossa desgraça
Num dos tigres dessa raça,
No sangue do meu rival.

Vinguei o meu e teu jugo!
Que importam férreos grilhões,
O cadafalso e o verdugo,
O suplício e as maldições?
Entre os gozos da vingança
Reluz enfim a esperança;
Já não receio a lembrança
De seus cruentes baldões.

Sinto correr-me nas veias
O fogo que lhe ateei...
Quebrai-vos, duras cadeias,
Escravo não mais serei...
Sou livre! a morte o proclama
Neste peito que se inflama...
Já nele circula a chama
Do veneno que eu tomei!

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Nenhum comentário: