Eminiana conhecia muito bem o Laureano. Nos seus quase dez anos de casados pouca coisa tinha mudado no moço.
Era tradição, no final do dia, trancar-se no quarto e tocar pelo menos por uma hora suas músicas de rock.
Eminiana segurava os filhos para não importunar o cantor. Se quisessem ouvir que colassem o ouvido na porta. Ferrenho crítico e de ouvido apurado, repetia por diversas vezes a mesma canção, até que se desse por satisfeito e, aí sim, tocaria numa reunião com amigos.
Por mais que insistissem, se não estivesse com os acordes perfeitos, ritmo e harmonia acasalados, não tocaria uma canção, mesmo que embalado por churrasco e bebedeira e ainda que algum se oferecesse a acompanhá-lo ou a fazer uma segunda voz.
Muitos achavam o fulano esnobe, metido e extremamente carinhoso com seu instrumento. Até brincavam: "Podem arranhar e amassar a mulher do Laureano, mas ai de quem melindrar o seu violão." Mas todo artista tem o seu estilo e o Laureano era criterioso com sua arte. E foi num animado churrasco na casa do Doidão que, pela primeira vez, Eminiana percebeu que, embalado pela caipirinha, o tocador batia um sertanejo acompanhado em coro pelos amigos. Apareceram até com uma revista de músicas do Zezé di Camargo e Luciano, que jogaram nas mãos do Laureano que se esforçava no pontear de boleros sertanejados e no arrastar de voz. A alegria era geral com o novo estilo do violeiro.
'Agora sim! Tá do jeito que a gente gosta", dizia o Doidão. Mas Eminiana não se entusiasmava nem entrava no clima. Estava no seu canto, apagada e pensativa com aquela mudança de estilo do marido. E foi no refrão de Pão de Mel, música que o marido já sabia de cor, que ela abriu um choro baixinho, daqueles que perturbam mais que um berreiro, e que acabou com a festa. Questionamentos sobre o quê? Qual o problema?... E nada. Conjecturas e comentários em cochichos, Mas foi quando o Laureano lhe perguntou qual a dor que lhe incomodava, que ela se abriu:
"Dor de coração. E a mudança no teu estilo Laureano. Como é que tu, que só queria saber de rock e só tocava quando atingia a perfeição, me vem com estes sertanejos e melodias dengosas e ainda arranhando o violão de qualquer jeito?"
Não adiantou ele retrucar que estava em voga, A Eminiana rebateu que ele nunca foi de modismo e que, pelo que se sabia, o que estava em moda e crescendo no gosto do povo era o forró e não aquelas canções que ele estava tocando num jeito apaixonado. Embora o tocador argumentasse que forró e sertanejo eram quase iguais, a mulher chamava-lhe ã atenção de que ele era muito bom de ouvido e de viola para querer confundir os ritmos.
A festa acabou, a viola está por uns dias encostada e até empoeirando, mas não me sai da cabeça e nem da cuca da Eminiana que o jeitão do Laureano é de quem está com o coração com paixão nova, o que faz com que ela se ligue em outros comportamentos do mancebo e fique a observar suas conversas com amigas que sejam caídas por moda caipira.
Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.
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