sexta-feira, 10 de maio de 2024

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Tito Olívio
Lisboa/Portugal

O VERÃO DE ANTIGAMENTE

Nos anos 30 e 40 do século passado, que incluíam os seis anos da Segunda Guerra Mundial, já havia uma grande afluência às praias, mas ao domingo, que era o único dia de descanso semanal. No campo ainda se trabalhava de sol a sol e só tinham férias de um mês os funcionários públicos. Na atividade privada, os patrões davam quinze dias de férias por ano e apenas aos empregados mais antigos.

Como a quase totalidade das pessoas tinha de utilizar os transportes públicos, somente podia frequentar as praias servidas por eles. Quem vivia em Lisboa tinha ao seu dispor o elétrico, o comboio de Cascais e os barcos do Tejo. O primeiro chegava até o Dafundo, permitindo que se aproveitasse a praia de Algés ou a da Cruz Quebrada; o segundo tinha início no Cais do Sodré e servia toda a chamada linha, permitindo usar as praias de Caxias, Paço de Arcos, Parede, Estoril e Cascais; os terceiros partiam de Belém e dirigiam-se para a Trafaria, de onde havia autocarros (chamavam-se camionetas) para a Costa da Caparica. O transporte mais barato era o elétrico, mas, mesmo assim, andava-se muito a pé, para poupar uns centavos. O custo dos bilhetes estava dividido em três escalões, conforme a distância, sendo de cinquenta (verde), oitenta centavos (amarelo) e um escudo (vermelho). Aos dias de semana e antes das oito horas da manhã, este último tinha um desconto para setenta e cinco centavos e chamava-se bilhete operário.

Os pobres atravessavam a cidade de Lisboa, a pé, descendo para a rua marginal, onde apanhavam o elétrico que partia de Xabregas e seguia até à Cruz Quebrada, passando pelo Terreiro do Paço, Cais do Sodré, Alcântara, Belém e Algés, cujo bilhete custava um escudo, estando isentas as crianças até os quatro anos.

Na praia, os banheiros instalavam barracas e toldos, mas os mais pobres sentavam-se na sombra formada nas traseiras das barracas, onde não tinham de pagar. Os banhos eram de manhã e à tarde e o almoço não era menos importante. Comia-se de prato e garfo e ninguém dispensava o garrafão de vinho. Para isso, as mulheres levavam, em alcofas de palha ou em cestos de verga, a comida feita, a louça e talheres necessários. Estas refeições também não dispensavam o guardanapo de pano e a fruta. Por essa altura, estavam na moda os piqueniques, que, fora do Verão, eram feitos nos campos de cultivo e nas hortas dos arredores da capital, porque ainda não estavam ligados a Lisboa o Lumiar, Odivelas, Sacavém e Olivais.

As férias escolares eram de três meses, de Julho a Setembro. A burguesia alugava casas de pescadores nas praias do litoral oceânico, entre Sintra e Mafra, onde, os homens deixavam a família e as criadas, ficando em Lisboa a trabalhar, apenas podendo aproveitar aquela mudança de ares nos domingos e nas suas pequenas férias. As pessoas do povo, porém, não podendo dar-se a esse luxo, iam ao domingo à praia, de transporte público. Os oriundos de fora da capital aproveitavam as férias do chefe da família para irem para a terra, exibindo, na pobreza das aldeias provincianas, uma falsa riqueza de quem vivia em Lisboa, traduzida em roupas novas e em dinheiro para gastar nas vendas.

Fonte> Carlos Leite Ribeiro e Iara Melo (eds.). Recanto da Prosa e do Verso. Ano II - Agosto - 2009.

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