sábado, 25 de maio de 2024

Recordando Velhas Canções (Romance de Uma Caveira)


Compositores: Alvarenga, Ranchinho e Chiquinho Sales
(Valsa Humorística – 1940)

Eram duas caveiras que se amavam 
e à meia-noite se encontravam 
pelo cemitério os dois passeavam 
e juras de amor então trocavam.

 Sentado os dois em riba da lousa fria 
a caveira apaixonada 
assim dizia que pelo caveiro de amor morria 
e ele de amores por ela vivia.

 Ao longe uma coruja cantava alegre 
de ver os dois caveiro assim feliz 
e quando se beijavam em tom fúnebre 
a coruja batendo as asa pedia bis.

 Mas um dia chegou de "pé junto" 
um cadáver, um defunto 
E a caveira por ele se apaixonou 
e o caveiro antigo abandonou.

 O caveiro tomou uma bebedeira 
e matou-se de modo romanesco 
por causa dessa ingrata caveira 
que trocou ele por um defunto fresco.
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Na versão de Alvarenga e Ranchinho alguns eixos norteadores da canção ficam bem claros. Primeiro, se trata de uma seresta em compasso ternário (o mesmo compasso utilizado em uma valsa) tocada em um ritmo lento que constitui um elemento estético muito forte estabelecendo uma primeira relação entre a melodia, harmonia e letra. Outra característica da música é por ser cantada em uníssono sendo que a segunda voz (Ranchinho) só entra em um segundo momento da letra, no entanto, sem harmonizar com o vocal principal apenas dobrando a mesma linha melódica. A harmonia da canção em tom menor é outro item indispensável para alcançar o tom “fúnebre” que é proposto pelos artistas. Aliás, quando essa se altera para um tom maior, ela se relaciona diretamente com a letra da canção tendo em vista que é nesse momento da narrativa em que acontece a novidade da chegada do terceiro personagem: o “defunto fresco”.

Nos primeiros segundos da gravação da dupla Alvarenga e Ranchinho, escutam-se gritos e uivos de certo modo fantasmagóricos acompanhados por sons dissonantes e intencionalmente sombrios vindos de um acordeon que além de preparar o ouvinte para o tema central da canção mostra um dos fatores fortes da dupla: a questão da performance. 

A letra da canção possui uma narrativa linear contando uma história simples com começo, meio e fim. Até a terceira estrofe a canção fala de um casal de caveiras que viviam apaixonados. O cenário sombrio pode ser observado na letra quando os autores, além de já indicar o romance entre dois seres humanos mortos, usam de elementos como o local do romance (cemitério), o horário em que os “dois se amavam” (meia noite) e ainda o bater das asas da coruja (ave que no imaginário popular ajuda a compor o tom fúnebre proposto). A história sofre uma brusca mudança na terceira estrofe quando um “cadáver novo” chega ao cemitério fazendo com que a caveira se apaixonasse por ele configurando assim um triângulo amoroso fúnebre. 

O interessante de observar nesse momento é que justamente na estrofe em que ocorre uma mudança brusca no enredo, o tom da música também muda. Antes, em tom menor a canção seguia linear contando o romance entre as duas caveiras. Todavia, com a chegada do defunto novo a canção alterna para um tom maior, chamando a atenção do ouvinte para a novidade que ocorre na letra e em sua narrativa, assim como na harmonia da música. De um modo geral a letra da canção apresenta um tom humorístico por se tratar de um romance existente entre dois indivíduos que normalmente não integrariam qualquer enredo amoroso.
(Fonte: Carlos Gregório dos Santos Gianelli, trecho do artigo A Resignificação da Canção “Romance de uma Caveira” de Alvarenga e Ranchinho, Universidade de São Paulo, 2012, no Encontro Internacional de Música e Mídia)

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