sábado, 8 de junho de 2024

Recordando Velhas Canções (Bandolins)


Compositor: Oswaldo Montenegro

Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não, e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste
Iluminava e a noite caminhava assim
E como um par, o vento e a madrugada
Iluminavam a fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
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A Dança da Vida em 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro
A música 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro é uma obra que evoca a nostalgia e a beleza dos momentos efêmeros da vida. Através da metáfora da dança, Montenegro descreve uma cena onde uma mulher dança ao som dos bandolins, como se cada movimento fosse um ato de desafio e afirmação perante o mundo. A valsa triste que se desenvolve ao som dos bandolins pode ser interpretada como a própria vida, com seus altos e baixos, mas ainda assim bela e digna de ser dançada.

A letra sugere uma resistência contra o que é considerado 'impróprio' pela sociedade, representado pela mulher que dança apesar das expectativas. Ela não se deixa levar pelo que é convencionalmente aceito, escolhendo viver o momento presente com intensidade e paixão. A imagem da 'fada do botequim' ilumina a noite, trazendo um toque de magia e encantamento, reforçando a ideia de que a vida, mesmo com suas tristezas, possui uma luz própria que deve ser celebrada.

A música também toca na temática da solidão e da busca por amor, como visto na última estrofe onde a mulher 'valsando só na madrugada' se julga amada. Isso pode ser visto como uma reflexão sobre a busca por conexão e a esperança de encontrar amor, mesmo quando se está sozinho. 'Bandolins' é uma canção que fala sobre a coragem de viver a vida plenamente, apreciando cada momento como se fosse uma dança, mesmo que seja uma valsa triste.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 1

(por Danielle McManus, PhD*)

INTRODUÇÃO
Fábulas são contos curtos alegóricos que, normalmente, têm como personagens animais antropomórficos, embora plantas, objetos e fenômenos naturais também possam aparecer. Em fábulas clássicas, o personagem principal aprende algo a partir de um erro-chave e o conto termina com uma lição de moral que resume o que foi aprendido. 

Escrever uma fábula demanda uma narrativa forte e concisa na qual cada componente — personagem, ambiente e ação — contribui de forma direta e clara para a resolução da história e para sua moral. 

Embora cada pessoa tenha um processo de escrita único, este artigo fornece uma lista de passos sugeridos para ajudar você a criar a sua.

FAZENDO O RASCUNHO BÁSICO DA SUA FÁBULA

1 Escolha a moral.
Como a moral é o ponto crucial da fábula, muitas vezes, fica mais fácil rascunhar a sua se determiná-la. 

Ela deve estar relacionada ou refletir um problema pertinente à cultura com que os leitores se identifiquem.

Alguns exemplos de morais que podem inspirá-lo incluem:

"Por mais elevados que estejais, não desprezeis ao vosso semelhante."

"Nenhum ato de gentileza é coisa vã."

"Convites incitados pelo egoísmo não devem ser aceitos."

"Belas penas não fazem belos pássaros."

"Os estranhos devem evitar aqueles que disputam entre si."

2 Decida qual será o problema. 
Ele coordena a ação na fábula e será a fonte primária para a lição a ser aprendida.

Uma vez que o objetivo da fábula é veicular lições e ideias culturalmente relevantes, o problema central funciona melhor quando é algo com o qual muitas pessoas podem se identificar.

Por exemplo, em "A Lebre e a Tartaruga" somos rapidamente introduzidos pelo que se tornará o problema central ou conflito da história quando os dois personagens resolverem participar de uma corrida.

3 Decida qual será o elenco. 
Determine quem ou o que serão os personagens da sua fábula e que traços os definirão.

Uma vez que fábulas são feitas para serem simples e concisas, não opte por personagens complexos ou multifacetados. Em vez disso, crie um que incorpore uma única característica humana e mantenha-o dentro desse limite.

Como os personagens serão o veículo principal até a moral da fábula, escolha alguns que possam se relacionar mais facilmente a ela.

Em "A Lebre e a Tartaruga", os personagens são, como o título sugere, a lebre e a tartaruga. Uma vez que a primeira é comumente associada à rapidez, e a segunda, à lentidão, elas já têm as características principais em cima das quais se pode construir a história.

4 Determine o arquétipo dos personagens. 
Embora o animal ou objeto que você escolher já deva ter traços evidentes em si, como dito acima, você também precisará criar qualidades subjetivas relacionadas a esses traços.

Em "A Lebre e a Tartaruga", a lentidão da tartaruga é associada a equilíbrio e persistência, enquanto a rapidez da lebre é associada a ansiedade e confiança exagerada.

Há inúmeros personagens arquetípicos clássicos usados em fábulas que são bastante reconhecidos e associados a características humanas específicas. 

Escolher dois com traços opostos é, muitas vezes, útil para estabelecer o conflito na história.

Alguns dos arquétipos mais comuns e suas características incluem:

O leão: força, orgulho.
O lobo: desonestidade, ganância, voracidade.
O burro: ignorância.
A mosca: sabedoria.
A raposa: esperteza, astúcia.
A águia: autoridade, absolutismo.
A galinha: vaidade.
O cordeiro: inocência, timidez.

5 Escolha o ambiente. 
Onde os eventos da história acontecerão? 

Assim como na escolha da moral e do problema, pegue um ambiente que seja simples e fácil de ser reconhecido pela maioria das pessoas.

Ele também deve englobar os personagens e seus relacionamentos.

Tente fazer um ambiente simples, mas vívido — deve ser um local que os leitores possam reconhecer e entender facilmente, o que o poupará tempo explicando os detalhes dos arredores.

Por exemplo, na famosa fábula citada aqui algumas vezes, "A Lebre e a Tartaruga", o ambiente é uma estrada na floresta, que prepara o terreno para a ação (a corrida na estrada) e que engloba todos os outros personagens da história (criaturas selvagens).

6 Decida qual será a resolução do problema. 
Ela deve ser satisfatória e relevante em relação aos outros componentes da história, incluindo os personagens, seus relacionamentos e o ambiente.

Considere como os personagens resolverão o conflito e como essa resolução apoiará a lição e a moral a serem aprendidas com a história.

Por exemplo, na fábula "A Lebre e a Tartaruga", a resolução é simples — a lebre, em sua ansiedade, perde a corrida para a perseverante tartaruga.
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continua…
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* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 48

 

Humberto de Campos (A confissão)

Em que se prova que certas perguntas inocentes, claramente feitas, valem às vezes por uma informação perigosa.

O padre Sebastião havia tido notícia, por intermédio do sineiro, que a sua paróquia, colocada sob a invocação de Nossa Senhora do Retiro, se achava minada, encoberta, anarquizada pela corrupção dos costumes. Segundo o depoimento dessa testemunha, o bairro estava semeado de casas duvidosas, onde algumas senhoras levianas se juntavam durante certas horas do dia rindo, dançando, palestrando com rapazes e velhos divertidos, que ali ficavam até à noite, consumindo o seu tempo e gastando o seu dinheiro. Escandalizado com a denúncia, o virtuoso sacerdote chamou uma tarde, o sacristão e recomendou-lhe:

— Francisquinho, nós precisamos agir, na freguesia contra o demônio da corrupção. A seara de Deus, que se mostrava tão prospera, principia a ser devorada pelas lagartas do Demônio. E nós precisamos trabalhar, meu filho!

O sacristão arrebitou o nariz para melhor farejar o escândalo, e o reverendo explicou o seu plano:

— É preciso que você, que conhece toda a gente, indague por aí quais são as casas suspeitas em toda a paróquia. Veja o número dos prédios e venha avisar-me, para que ou tome as providências.

Francisquinho pegou no chapéu, sacudiu-o no cocuruto, e partiu, bamboleando pelas ruas do bairro, a indagar de café em café, de botequim em botequim, de antro em antro, onde estavam situados aqueles focos de corrupção. E à tarde, informava com a sua vozinha em falsete a Sua Reverendíssima, o vigário:

— Meu padrinho, descobri tudo. As casas são três: uma na rua dos Enforcados nº 29, outra na rua França Coelho nº 417, e outra na travessa de Santa Apolônia nº 46. E é só.

Padre Sebastião tomou nota em uma das folhas do breviário, decorou, depois, um por um, o nome das ruas e o número das casas e no dia seguinte foi, como de costume, confessar e absolver os fiéis.

Estava ele no confessionário ouvindo, peneirados no crivo de ferro, os pecados do seu rebanho, quando percebeu na última dama que se ajoelhara à sua frente, uma das senhoras cuja virtude não lhe merecia grande confiança. Cauteloso, o sacerdote, em certo momento, indagou:

— E você, filha, nunca abandonou o seu lar para ir à Rua dos Enforcados nº 27?

— Não, senhor! — gemeu a moça.

— E à Rua França Coelho nº 417?

— Também, não, senhor! — insistiu a dama.

— E à travessa Santa Apolônia nº 46? — tornou o pároco.

— Não, senhor!

Padre Sebastião absolveu a linda ovelha impoluta, e como não tivesse mais ninguém a confessar, deixou-se ficar no confessionário a olhar para a porta da igreja por onde ia sair a última confessada. De repente, abriu a boca, espantado: no portal do templo, a formosa paroquiana tomava nota a lápis em uma carteirinha, que exumara ali, de uma custosa bolsinha de ouro. Desconfiado, o sacerdote encaminhou-se para a porta, arrastando em silêncio as suas sandálias moles de lã, e chegando perto da moça indagou, interessado, com a sua santa voz de além-túmulo:

— De que é que toma nota, minha filha?

A dama, sem se aperceber da pergunta, respondeu apenas, como se falasse a si mesma:

— Essas eu não conhecia, não!

E, guardando a carteirinha na bolsa de ouro, retirou-se descendo os degraus.

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 27 =


Trova Humorística Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

CÉSAR SOVINSKI
(César Augusto Ribas Sovinski)
Curitiba/PR

O mentiroso sultão
com seu harém de donzelas.
— Durmo com todas, irmão.
— Só dorme – diz uma delas.
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Soneto premiado em Venda Nova do Imigrante/ES, 2024

GERALDO TROMBIN
Americana/SP

COLECIONAMENTO DE INSIGNIFICÂNCIAS
 
Coleciono pousos de borboletas
e, também, os voos dos passarinhos;
dos insetos, os rasantes, piruetas;
dos pés de vento, os seus redemoinhos;
 
e, dos jabutis, os seus passos lentos.
Além do doce sabor das amoras,
coleciono, ainda, os uivos dos ventos
e o despertar pacato das auroras.
 
Coleciono o desabrochar do hibisco;
o gotejar suave do chuvisco;
os brotos que enchem de graça a avenida.
 
Coleciono essas insignificâncias
– pra muitos, coleções de irrelevâncias –
que, pra mim, dão significado à vida!
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ GONDIM

quero
vestir
tua
noite
despindo
censuras

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Soneto de São José dos Campos/SP

AMILTON MACIEL MONTEIRO

DOCES LEMBRANÇAS

A rua principal era uma antiga estrada
Que conduzia ao Rio as produções paulistas.
E em caminhões de carga os xucros motoristas
De quando em vez passavam em louca disparada.

Em meio ao poeirão e à falta de outras pistas,
A molecada armava ali sua “pelada”...
E nos degraus de pedra à beira da calçada,
Mocinhas fomentavam as poses dos ciclistas...

A rua-estrada era o centro da cidade!
Pois nela se alinhavam a venda, o bar, a Igreja,
A Santa Casa, a escola, o clube e... na verdade,

Casebres onde aranhas punham suas teias...
Mas seu saudoso “footing”... Por mais não seja,
Me corta o coração por ter deixado Areias...
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Trova Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

JERSON LIMA DE BRITO 
Porto Velho/RO

Não tema sua jornada
se o céu estiver cinzento
que às vezes a trovoada
faz parte do ensinamento!
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Poema premiado em Venda Nova do Imigrante/ES, 2024

JACIMAR BERTI BOTI 
Colatina/ES

RESIDÊNCIA DO POETA 

Moro na esquina da rua
Lá no bloco da esperança
Onde o vento faz a curva
Nos olhos da linda criança 

De dia sou amigo do sol
O vento brincando na rua
Versejando nas minhas poesias
De noite, sou namorado da lua
Beijando a boca da noite
No silêncio da madrugada
O amanhecer no meu abraço
Com o canto da passarada

Viajo nas asas do vento
Junto ao olhar da saudade
A lua como companheira
Conduzindo-me a felicidade 

Escrevo na boca da noite
Talvez, no romper da aurora
O tempo passa, não perdoa
Aqui, nosso futuro é agora.
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QUADRA POPULAR

Tristes ais, negras saudades,
não me mates de repente,
que para matar só basta
o meu bem viver ausente.
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Soneto de Lisboa/Portugal

CARMO VASCONCELLOS
(Maria do Carmo Figueiredo de Vasconcellos)

MOINHOS DE VENTO

Ainda não esqueci em tantos anos
As setas aguçadas de ciúme
Partindo de teus olhos arcos-lume
Feitas dardos ferinos e insanos

Em mim ainda sangram incrustadas
Palavras tuas tão incoerentes
Chagas minhas antigas mas latentes
Que de vez só na tumba são saradas

De culpas inventadas me vesti
Fiz delas a couraça e resisti
Cedendo a quixotescos desalinhos

Minha espada... A palavra de Cervantes
No punho… Vês gigantes? São gigantes
No gume… Vês moinhos? São moinhos
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Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

O que me deixa grilado,
é nunca saber jamais,
com dois amigos ao lado,
qual deles que mente mais.
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Poema de Coimbra/Portugal

CAMILO PESSANHA
(Camilo de Almeida Pessanha)
Coimbra, 1867 — 1926, Macau/China

INTERROGAÇÃO

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno…
Mas sinto me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo…
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT
(Álvaro Mariel Posselt)

A vida não tem fim
Entre túmulos e flores
uma caveira acenou pra mim

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Sextilha de Nova Friburgo/RJ

ELISABETH SOUZA CRUZ

A vida, podemos crer, 
é um eterno aprendizado 
na busca da evolução... 
Nosso destino é traçado 
e tendo o amor por farol, 
o caminho é iluminado!
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Trova Humorística Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

O mentiroso pensou
ter enganado a donzela...
Por interesse casou,
mas quem o enganou, foi ela!
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Tantas noites mal dormidas:
tantos dias mal passados,
tantas lágrimas vertidas,
por amores fracassados!
JOSÉ FELDMAN 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Tantas noites mal dormidas:
só insônia e pesadelos;
nestas horas tão sofridas
sinto a falta de seus zelos!

Não sei se vou suportar
tantos dias mal passados,
sem um dia eu derramar
soluços desesperados!

Dos meus olhos, incontidas,
fruto da saudade, são
tantas lágrimas vertidas,
que secou meu coração!

Nas noites, sem ter o encanto
de te ter em meus brocados,
vou chorar meu desencanto
por amores fracassados!
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Epigrama de Campinas/SP

VICTOR CARUSO

A UM MATEMÁTICO

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que te diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...
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Soneto de Viçosa/Portugal

FLORBELA ESPANCA
(Flor Bela de Alma da Conceição Espanca)
Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

ALMA PERDIDA

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente, 
Tu és, talvez, alguém que se finou!
 
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
De alguém que quis amar e nunca amou!
 
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
 
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!
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Trova Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)
Maringá/PR

O céu manda a trovoada
avisar que a chuva vem.
– Venha logo... e, abençoada,
traga a fartura também!
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Spina de Maceió/AL

ISABEL PERNAMBUCO

LUA…

Banhando a noite,
bela lua cheia...
Infinda de beleza

Tão linda lua, traz-me você.
Ela é dos namorados... enamorados
Basta admirá-la, foge a tristeza.
Suas fases, as tenho também
Segue sempre brilhando, só boniteza.
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Trova de Caicó/RN

EVA GARCIA
(Eva Yanni Garcia)

Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
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Poema de Paranavaí/PR

DINAIR LEITE

ENCANTAMENTO

Minha mãe de branco eu vi,
sentada em belo jardim,
onde havia beija-flores,
araras e um juriti.

Não tinha ar de madona,
nem era fluída, etérea.
Era real e tão bela;
do jardim ela era a dona.

Não valsava, nem cantava,
quedava-se pensativa;
com suas mãos ajeitava
linda guirlanda florida.

Minha mãe era poesia
feita de branco e de flores,
de sons azuis, de tons claros
de luz, de brilhos, de dia.

De raios ensolarados,
iluminando os cabelos;
de corpo esbelto marcado,
pelo vestido vermelho,
seu ar suave, inocente.

Minha mãe tece a coroa
com seus dedinhos gentis,
alinhando as florezinhas
tão leves e tão sutis.

A sua pele é tão alva
que ao vestido se incorpora;
seus gestos são tão suaves
recendendo à malva, aurora.

Os seus cabelos sedosos,
– cascatas  de caracóis –
junto dos seios resvalam,
entremeadas de sóis.

Brilhos e luzes agitam
os cachos negros, macios,
que bailam ao som do vento
buscando cor, movimento.

Minha mãe urde a grinalda
pelas mãos e pelo olhar –
indica o seu coração,
de uma beleza, sem par!

Minha mãe é tão bonita...
Pequena, leve e catita!
Parece um sonho encantando,
em seu jardim-paraíso.

Ela tece a uma coroa
e, coroada, ela está,
de luz, de sons tão azuis,
de pássaros e borboletas,
de pingos d`água, garoa.

Minha mãe termina a obra,
feita com tanto primor...
Oferta a mim a coroa,
entrelaçada de amor.

Minha mãe, mamãe, mãezinha,
Sua luz em mim reluz.
Batizada de Tereza,
viveu, por obra do amor,
Terezinha de Jesus.
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Poetrix de Osório/RS

SUELY BRAGA

O VENTO

Baila o vento.
Sacode as cabeleiras das árvores.
Os pássaros recolhem-se do relento.
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Soneto de Belo Horizonte/MG

SÍLVIA ARAÚJO MOTTA

A FOLHA CAÍDA

Aquela “Folha” quis mostrar caída
que era o momento certo para amar...
Quem sabe até, por ser também sofrida
quis dar a chance para a luz brilhar.

A folha seca pela dor vencida,
envelhecida veio às mãos, lembrar:
-Terceira idade pode ser querida
para envolver quem quer beijar, sonhar.

Beijos nas mãos selou adeus, que a lua
pode antever, por sua vez, soluços,
da alma, que também foi quase sua.

Fim da viagem, folha foi ao chão...
Quanta saudade! Sento e me debruço!
Computador já pode ver lição.
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Eu adoro essas quadrinhas,
têm métrica, rima e tema...
A trova, com quatro linhas,
tem a amplidão de um poema.
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Um Poema de Santo Antônio do Monte/MG

CARLOS LÚCIO GONTIJO

APASSARADO

Não quero conforto de mar
Ser porto de espera não quero
Nem pacífico nem mar morto
Absorto, voo na paisagem
Sou viagem, corro atrás
Ainda que seja fugaz o sonho
Eu me ponho a procurar ...

Aluísio de Azevedo (Inveja)

Era uma rica tarde de novembro. O sol acabava de retirar-se naquele instante, mas a terra, toda enrubescida, palpitava ainda com o calor dos seus últimos beijos.

O céu, vermelho e quente, debruçava-se sobre ela, envolvendo-a num longo abraço voluptuoso. De todos os lados ouvia-se o lamentoso estridular das cigarras e as árvores concentravam-se, murmurando, em êxtases, como se rezassem a oração do crepúsculo.

Àquela hora de recolhimento e de amor à natureza parecia comovida.

A noite abria lentamente no espaço as suas asas de paz, úmidas de orvalho, prenhes de estrelas que ainda mal se denunciavam numa palpitação difusa. Uma boiada recolhia ao longe, abeberando nos charcos do caminho e bois tranquilos levantavam a cabeça, com a boca escorrendo em fios de prata, e enchiam a solidão das clareiras com a prolongada tristeza dos seus mugidos. Num quintal, entre uma nuvem de pombos, uma rapariga apanhava da corda a roupa lavada que estivera a secar durante o dia, enquanto um homem, em mangas de camisa, passava pela estrada, cantando, de ferramenta ao ombro. De cada casa vinha um rumor alegre de família que se reúne para jantar, e, junto com latidos de cães e choros de criança, ouvia-se o contente palavrear dos trabalhadores em descanso, ao lado das mulheres e dos filhos.

Entretanto, um padre ainda moço, depois de passear silenciosamente à sombra das árvores foi  sentar-se, triste e preocupado, nos restos de uma fonte de pedra, cuja pobreza as ervas disfarçavam com a opulência da sua folhagem viçosa e florida. E aí ficou a cismar, perdido num profundo enlevo, como se o ardente perfume daquela tarde de verão fora forte demais para a sua pobre alma enferma de homem casto.

Estranhos e indefinidos desejos levantavam-se dentro dele, pedindo confortos de uma felicidade que lhe não pertencia e levando-o a cobiçar uma doce existência desconhecida, que seu coração magoado e ressentido mal se animava de sonhar por instinto.

E, assim, vinham-lhe à memória, com uma reminiscência dolorosa, todas as suas aspirações da infância. Ah! Nesse tempo, quanta esperança no futuro!.... Quanta inocência nas suas aspirações!... Quanta confiança em tudo que é da terra e em tudo que é do céu!... 

Nesse tempo não conhecia ele a luta dos homens contra os homens; não conhecia as guerras da inveja e as guerras da vaidade; não conhecia as humilhantes necessidades deste mundo; não conhecia ainda a responsabilidade da sua vida e não sabia como enquanto doía ambicionar muito e nada conseguir. Ah! Nesse tempo feliz, ele era expansivo e risonho. Nesse tempo ele era bom.

Mas, continuou a pensar, cruzando sobre o estômago as mãos finas e descoradas: – Enterraram-me numa casa abominável, para ser padre. Deram-me depois uma mortalha negra e disseram-me: “Estuda, medita, reza, e faze-te um santo! És moço? Pois bem! Quando o sangue, em ondas de fogo, subir-te à cabeça e quiser estrangular os teus votos, agarra aquele cilício e fustiga com ele o corpo! Quando vires uma mulher, cujo olhar úmido e casto, te faça sonhar os deslumbramentos do amor, bate com os punhos cerrados contra o teu peito e arranha tua carne com as  unhas, até que sangres de todo o veneno da tua mocidade! Fecha-te ao prazer e à ternura, fecha-te dentro da tua fé, como se fechasses dentro de um túmulo!”

E, com estas recordações, o infeliz quedara-se esquecido, a olhar cegamente para a paisagem que defronte dele ia pouco e pouco se desvanecendo e esbatendo nos crepes da noite; ao passo que no céu as estrelas se acendiam.

Desde que o destinaram a padre, sentia-se arrastado para a tristeza e para a solidão; achava certo gozo amargo em deixar-se consumir pela áspera certeza da sua inutilidade física. Não queria a convivência dos outros homens, porque todos tinham e desfrutavam aquilo que lhe era vedado — o amor, a alegria, a doce consolação da família. O que ele desejava do fundo do seu desgosto era morrer, morrer logo ou quando menos, envelhecer quanto antes; ficar feio, acabado, impotente; que o seu cabelo de preto e lustroso se tornasse todo branco; que o seu olhar arrefecesse; que os seus dentes amarelassem e a sua fronte se abrisse em rugas. Desejava refugiar-se covardemente na velhice como num abrigo seguro contra as paixões mundanas.

Sofria ímpetos de arrancar aquele seu coração importuno e esmagá-lo debaixo dos pés. Não se sentia capaz de domar a matilha que lhe rosnava no sangue; sobressaltava-se com a ideia de sucumbir a uma revolta mais forte dos nervos, e só a lembrança de que seria capaz de uma paixão sensual sacudia-o todo com um tremor frio de febre.

Todavia... replicou-lhe do íntimo da consciência uma voz meiga, medrosa, quase imperceptível — todavia, o amor deve ser bem bom!... 

E dois fios compridos escorreram pelas faces gélidas do padre.

Nisto o canto de um passarinho fê-lo olhar para cima. Na embalsamada cúpula de verdura que cobria a fonte o inocente intruso trinava ao lado da sua companheira.

O moço estremeceu e ficou a olhar fixamente para eles. Os dois passarinhos, descuidados na sua felicidade, conservavam-se muito unidos, como se estivessem cochichando segredos de amor. A fêmea estendia a cabeça ao amigo e, enquanto este lhe ordenava as penas com o bico, ela, num arrepio, contraía-se toda, com as asas levemente abertas e trêmulas. Depois, uniram-se ainda mais, prostrados logo pelo mesmo entorpecimento.

Então, o jovem eclesiástico, tomado de uma vertigem, levantou o guarda-chuva e. com uma  pancada lançou por terra o amoroso par.

Os pobrezinhos, ainda palpitantes de amor, caíram, estrebuchando a seus pés.

O padre voltou o rosto e afastou-se silenciosamente.   

No horizonte atenuava-se a última réstia de sol e o sino de uma torre distante começou a soluçar Ave Maria.

Fonte: Aluísio de Azevedo. Contos. Publicado originalmente em 1893. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (O samba da minha terra)


Compositor: Dorival Caymmi

O samba da minha terra deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole, 
quando se canta todo mundo bole

Quem não gosta do samba bom sujeito não é
Ou é ruim da cabeça ou doente do pé

O samba da minha terra deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole, 
quando se canta todo mundo bole

Eu nasci com o samba e no samba me criei
Do danado do samba nunca me separei

O samba da minha terra deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole, 
quando se canta todo mundo bole

Quem não gosta do samba bom sujeito não é
Ou é ruim da cabeça ou doente do pé
Eu nasci com o samba no samba me criei
E do danado do samba nunca me separei

O samba da minha terra deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole, 
quando se canta todo mundo bole
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

A Celebração do Samba na Voz de Caymmi
A música "Samba da Minha Terra", composta e interpretada pelo icônico Dorival Caymmi, é uma ode ao samba e à cultura baiana. A letra expressa o efeito contagiante do samba sobre as pessoas, sugerindo que a música deixa todos 'moles', ou seja, soltos e relaxados, prontos para dançar e se deixar levar pelo ritmo. A repetição do verso 'quando se canta todo mundo bole' reforça a ideia de que o samba é uma experiência coletiva, que une as pessoas em um movimento comum.

Caymmi também aborda a identidade cultural do samba, afirmando que quem não gosta desse gênero musical não é 'bom sujeito'. Essa expressão pode ser interpretada como uma brincadeira, mas também como uma maneira de dizer que o samba é tão essencial à cultura brasileira que não apreciá-lo seria quase um desvio de caráter. A música ainda destaca a relação pessoal do artista com o samba, mencionando que ele nasceu e cresceu com ele, e nunca se separou desse ritmo envolvente.

A canção é um retrato do samba como elemento fundamental da identidade cultural brasileira, especialmente na Bahia, terra natal de Caymmi. A simplicidade da letra e a melodia cativante refletem a essência do samba como uma expressão de alegria e comunhão. Dorival Caymmi, com sua voz marcante e estilo musical inconfundível, contribuiu significativamente para a popularização do samba e da música brasileira em geral.