quarta-feira, 19 de junho de 2024

Recordando Velhas Canções (Cirandeiro)


Compositor: Edú Lobo

Ô cirandeiro, cirandeiro ó
A pedra do teu anel brilha mais do que o Sol
Ô cidandeiro, cirandeiro ó
A pedra do teu anel brilha mais do que o Sol
Ô cirandeiro, cirandeiro ó
A pedra do teu anel brilha mais do que o Sol
Ô cirandeiro, cirandeiro ó
A pedra do feu anel brilha mais do que o Sol

Mandei fazer uma casa de farinha
Bem maneirinha que o vento possa levar
Oi passa o Sol oi passa a chuva, oi passa o vento
Só não passa o movimento do cirandeiro a rodar
Mandei fazer uma casa de farinha
Bem maneirinha que o vento possa levar
Oi passa o Sol oi passa a chuva, oi passa o vento
Só não passa o movimento do cirandeiro a rodar

Achei bom e bonito, meu amor brincar
Ciranda maneira
Vem cá Cirandeira, vem cá balançar
Achei bom e bonito, meu amor brincar
Ciranda faceira
Vem cá Cirandeira, vem me namorar

Ô cirandeiro, cirandeiro ó
A pedra do teu anel brilha mais do que o Sol
Ô cidandeiro, cirandeiro ó
A pedra do teu anel brilha mais do que o Sol
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A Dança da Vida na Ciranda Popular
A música "Cirandeiro", interpretada por diversos artistas e grupos que resgatam as cantigas populares brasileiras, é uma expressão da cultura folclórica do Brasil, especialmente do Nordeste. A letra da canção evoca a imagem do cirandeiro, figura central na dança da ciranda, uma roda de dança tradicional onde os participantes se dão as mãos e giram ao som de músicas ritmadas e poéticas.

A referência ao "anel que brilha mais do que o Sol" pode ser interpretada como uma metáfora para a riqueza cultural e o valor imaterial que a tradição da ciranda representa, superando até mesmo a grandiosidade do astro rei. A casa de farinha mencionada na letra é uma alusão à simplicidade e à funcionalidade da vida rural no Nordeste, onde a farinha de mandioca é um alimento básico e a casa de farinha é o local onde ela é produzida. A ideia de que ela possa ser levada pelo vento sugere a leveza e a transitoriedade das coisas, mas contrasta com a permanência do movimento do cirandeiro, que continua a rodar, simbolizando a continuidade das tradições culturais.

A ciranda é apresentada como algo que encanta e convida à participação ('Vem cá Cirandeira, vem cá cirandar'), reforçando a ideia de comunidade e celebração coletiva. A música celebra a alegria e a beleza encontradas na simplicidade da vida e na preservação das tradições culturais, convidando todos a se juntarem na dança.

Lançamento de livro da Jaqueline Machado, em Portugal


Lançamento da coletânea À flor da Pele, Contos & Crônicas & Poemas em Lisboa - Portugal.

 
No dia 13 deste mês de junho, teve a live de lançamento da Coletânea Contos & Crônicas & Poemas, volume 6, com autores brasileiros, na "94ª Feira do Livro de Lisboa (Portugal) - Pavilhão Rede Sem Fronteiras H-40”. Projeto do qual também faço parte.



Quando jovem, eu sonhava escrever coisas bonitas, mas não tinha domínio sobre a escrita, já que por ser cadeirante e por outras razões particulares não pude estudar. E não sabia como realizar meu sonho.

Fui alfabetizada aos 11 anos, por uma tia chamada Almerinda, que não se encontra mais no plano físico.

Depois de uma breve alfabetização, tivemos que morar longe uma da outra. E dali em diante tive que me virar sozinha nessa constante busca pelo saber.

Apesar da dificuldade que foi estudar sozinha, meu amor pelas letras crescia cada vez mais ao longo do tempo. E depois que descobri os livros, especialmente os clássicos, como “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, “Grande Sertão Veredas”, de João Guimarães Rosa, “O sonho de um homem ridículo” de Fiódor Dostoiévski, entre outros, percebi que a literatura é uma paixão indissociável ao meu ser...

Sou a prova viva de que não se pode desistir dos sonhos. E que estamos no mundo para sermos felizes percorrendo o caminho que escolhemos.

Estou me sentindo feliz e honradíssima em ver minha escrita ganhar asas e chegar a
Além -Mar.

Gratidão, VIDA, por mais esta realização.
Viva a literatura!
 
- Minha gratidão também vai para a professora Cleusa Mazuim que me ajudou com a minha primeira publicação e para as poetas Zaira Cantarelli, Soninha Porto (coordenadora do projeto) e Lúcia Barcelos, escritora, poeta, trovadora e revisora dos meus livros: elas me ajudam alçar lindos voos com minha escrita.

Fonte: Texto enviado pela autora  

terça-feira, 18 de junho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 49: O baú do poeta

 

Arthur Thomaz (Perfume da saudade)


A brisa, resvalando nas brancas flores das azaleias, sussurrou teu nome. Tentando evitar a dor, fingi não ouvir, mas algo mais forte levou-me até o jardim. 

Nessa hora, o perfume da saudade impregnou meu coração, posto que é composto de essências de tormentosas paixões. 

Este inebriante aroma fixou-se indelevelmente em meu fragilizado espírito. Imediatamente, minhas amargas lembranças vieram à tona. O esforço para não chorar e não gritar esvaiu minhas forças, e neste instante, cada pedaço de minha alma transformou-se em um poço de dor.

Desesperado, gritei teu nome e nem o eco respondeu. Tentei afastar a imagem de nossos corpos abraçados, mas cada vez mais sentia que os teus braços me apertavam.

Despertei algum tempo depois, abraçado à uma touceira da alva azaleia, solitário e infeliz, rescendendo ao cruel perfume da saudade.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Fita amarela)


Compositor: Noel Rosa

Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela

Se existe alma
Se/Que há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse no meu caixão
(Sapateia, sapateia)

Não quero flores
Nem coroa com espinho!
Só quero choro de flauta
Com violão e/com cavaquinho!
(Quando eu morrer)

Os meus inimigos
Que hoje falam mal de mim!
Vão dizer que nunca
Viram uma pessoa tão boa assim!

Não tenho herdeiros
Não possuo um só vintém!
Eu vivi devendo a todos
Mas, não paguei ninguém!

Quando eu morrer
Não quero choro, nem nada!
Quero ver raiar/ouvir um samba
Ao romper da madrugada!

Quero que o Sol
Não invada o meu caixão!
Para a minha pobre alma
Não vá morrer de insolação!

Estou contente
Consolado por saber!
Que as morenas tão formosas
A terra um dia há de comer!
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A Despedida Irreverente de Noel Rosa
A canção "Fita Amarela" de Noel Rosa é um clássico do samba que reflete a irreverência e a boemia características do compositor. A letra aborda o tema da morte de uma maneira leve e até humorística, algo que vai contra o tom geralmente sombrio e sério que esse assunto costuma evocar. Noel Rosa, conhecido por sua genialidade no samba e por suas letras cheias de duplo sentido e crítica social, utiliza a música para expressar seus desejos póstumos de uma forma peculiar.

No primeiro verso, ele rejeita o luto tradicional e pede por uma fita amarela com o nome de uma mulher gravado, sugerindo um amor marcante ou uma paixão que deseja lembrar mesmo após a morte. A menção à mulata sapateando em seu caixão e o desejo por um samba ao amanhecer em vez de choro e velas, reforçam a ideia de que a vida deve ser celebrada com alegria, mesmo no momento da morte. A música também aborda a relação de Noel com seus inimigos e dívidas, mostrando um certo desapego material e uma aceitação de sua reputação e condição financeira.

"Fita Amarela" é uma obra que desafia a visão convencional da morte, propondo uma celebração da vida e da arte do samba. Noel Rosa, com sua habilidade de composição, transforma o lamento em festa, e a tristeza em celebração, deixando uma mensagem de que a vida deve ser vivida com intensidade e alegria, valores profundamente enraizados na cultura do samba.   (https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/78664/

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 38

 

Geraldo Pereira (Cerejeiras Desfolhadas)

Ainda é madrugada em Tóquio, descubro agora, nesta hora da antecipação de meu despertar, de um levantar mais do que precoce. E um vento frio, gélido, quase, vindo das montanhas distantes, sobretudo da enormidade do Fuji, assobiando a melodia de todos os zunidos, açoita as árvores e parece espantar a noite. Executa, em verdade, a lúgubre musicalidade do recolher dos fantasmas, com o clarear do dia, aos porões dos castelos abandonados, onde antigos casais enamorados, às escondidas dos censores, amaram-se, perdidamente! Ou anuncia, em realidade, o nascer de mais outra manhã de sábado, nesta prolongada estadia em terras nipônicas. É hora, também, de aproveitar o momento, de se deixar mergulhar, com a integralidade do ser, nas reflexões do Eu, para que não se perca um minuto, sequer, da existência humana, tão efêmera, já! À falta de um interlocutor, pois que todos dormem, no hotel e fora dessas acomodações transitórias, exercito o monólogo ou pratico o diálogo virtual do homem só, que enfrenta indesejadas vigílias. Ensaio, pois, perguntas ao léu e eu mesmo as respondo, cumprindo o destino das insônias, de conotações orientais, agora.

Fazendo, então, da vigília a tela da minha única pintura, a qual vou emoldurando assim, com as minhas expressões de neófito, sempre, na literária arte de tomar a inspiração e transbordar o coração. Permito-me, dessa forma, que o imaginário ganhe as asas do lúdico mundo das fantasias e possa bailar na enormidade da criação.

Para quem os galhos das cerejeiras desnudas, ao pé de minha janela, estão dando adeus? Não imagino. Será para o forasteiro ocidental, posto em quarto de hotel, depois de se levantar, a fazer divagações d’alma em torno da parição dos dias? Por certo que não! Ou esses movimentos largos, de braços desfolhados, mas repletos de botões, representam uma esperança de um novo florescer das cores? É isso aí, imagino agora! Com as flores de março, resgatam-se os amores e são banidas as dores para a tumba do nada. As paixões desesperadas, que se mostraram impossíveis aos olhos do mundo, vão ressurgir, espero, no emergir das saudades, sobre um arco-íris enorme de pétalas largadas ao sabor dos ares, que depois hão de flutuar à distância, em mares do sul, onde os afetos e os afagos se encontram. E as sereias, amantes do imaginário poético, abrem os braços e recebem os versos, como se fossem abraços de jovens silentes ou ósculos de maduros senhores, de cabelos prateados e de corpos a vergarem na conta dos anos, apaixonados, ainda. A nudez da sereia é diferente daquela da cerejeira – a sakura dos japoneses –, pois que dura a vida inteira e representa a utopia da beleza feminina, da cintura para cima. 

É preciso perseguir a utopia, buscando, porém, em cada uma das mulheres do mundo, o tanto de sereia que possuem. Ninguém se apresenta ao jogo da vida, desprovida, inteiramente, desses atributos míticos. Aos olhos de cada um emerge a beleza, sempre. Basta olhar e ver. 

E numa dessas nuvens de agora, na madrugada de Tóquio, flutua, entretanto, o poeta, exercitando o verso e arrematando a rima, mais e mais. Inspirando-se no porvir muito próximo das cerejeiras, a florescerem na largueza urbana, vai buscando as cores que marcam os sentimentos todos. Lembra-se do lilás e vincula a mansidão do tom à nostalgia das perdas, sentidas, mas aceitas, enfim! A conformação das rupturas, pois. E de logo vem à mente o amarelo, do ouro que reluz, trazendo de volta a esperança de encontros e de reencontros, do rever, então, de certas faces dos outroras ou de transbordantes carícias, resgatadas, então. Do vermelho, tira o fervor, com o qual um dia amou, loucamente, esmaecendo os arroubos d’alma na paz do róseo, de cuja placidez nascem os carinhos. E o azul? É a tonalidade das serenidades estabelecidas, reflete, enquanto vai colorindo os céus com o grande pincel dos amores, afugentando o cinza do firmamento, ameaçador, em tudo, aos ares do mundo e aos pares, amantes em flor, apartados, muitas vezes, na hora e no momento dos amplexos. 

O que dizer, todavia, do preto? É a ausência de cor, pensou o poeta, a falta completa de esperanças, a entrega do homem às frustrações da vida! Dessa forma, estão as criaturas que acusam os outros por seus fracassos, creditando a terceiros as próprias incapacidades do existir humano. Preenchem o dia-a-dia com a ocupação alheia, julgando o próximo, acusando o semelhante e descuidando de si, sem atentarem para a maior das lições, a que impede a interpretação dos sentimentos, das fragilidades de outrem.

E o dia foi clareando, alumiando o tempo, afugentando fantasias e tangendo os devaneios. A realidade se fez presente e matou os sonhos. As divagações desapareceram num sopro e se aninharam nas nuvens da cidade grande e o ruído da vida voltou. E o inverno, em estertores, cede lugar à primavera em flor. 

Amanheceu, finalmente, em Tóquio.

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Por quem sonha Ana Maria)


Compositor: Juca Chaves

Na alameda da Poesia
Chora rimas o luar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Nesta noite de luar?

Já se escuta a nostalgia
De uma lira a soluçar
Dorme e sonha Ana Maria
No seu leito de luar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe está triste a cantar?

No salão da noite fria
Veem-se estrelas a dançar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe fez assim sonhar?

E raia o Sol e rompe o dia
Desmaia ao longe o luar
Não abriu de Ana Maria
Inda a flor de seu olhar
Por quem sonha Ana Maria
Eu não sei nem o luar
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Os Sonhos e a Nostalgia de Ana Maria
A música 'Por Quem Sonha Ana Maria', de Juca Chaves, é uma obra poética que explora a melancolia e a nostalgia através dos sonhos de uma personagem chamada Ana Maria. A letra é rica em imagens líricas e utiliza a noite, o luar e o mar como metáforas para os sentimentos profundos e introspectivos da protagonista. A alameda da Poesia e a madrugada são cenários que evocam um ambiente de contemplação e solidão, onde Ana Maria se perde em seus sonhos e pensamentos.

A repetição da pergunta 'Por quem sonha Ana Maria?' ao longo da música sugere uma busca incessante por respostas e um anseio por algo ou alguém que não é claramente identificado. Essa indagação constante cria um clima de mistério e incerteza, refletindo a complexidade dos sentimentos humanos. A presença da lira soluçante e das estrelas dançantes no salão da noite fria adiciona uma camada de tristeza e beleza à narrativa, simbolizando a dualidade entre a alegria dos sonhos e a tristeza da realidade.

Juca Chaves, conhecido por seu estilo satírico e poético, utiliza sua habilidade lírica para criar uma atmosfera onírica e introspectiva. A música não apenas conta a história de Ana Maria, mas também convida o ouvinte a refletir sobre seus próprios sonhos e nostalgias. A figura de Ana Maria torna-se um espelho para os anseios e as incertezas de todos nós, fazendo da música uma obra universal e atemporal.    https://www.letras.mus.br/juca-chaves/46712/ 

domingo, 16 de junho de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 48

 

Laé de Souza (Luandécia e sua patroa)

O Michael, nome escolhido pelo filho da patroa, fã do cantor, foi a gota. Aliás, por achar o nome impróprio para o cão, Luandécia chamava-o de Lulu, pouco ligando aos reclamos do garoto e mantendo uma pirraça antiga contra o menino. Na chegada, estragando a festa da família, foi logo perguntando quem iria tratar do animal.

Depois de um momento de mutismo e olhares de uns para os outros, Tia Guilhermina, que estava passando uns dias por ali, saiu em defesa, dizendo que o cão não daria tanto trabalho e com certeza ela também se apegaria.

Luandécia que já estava meio cheia, principalmente com o trabalho aumentado pela visita da tal tia, respondeu que não tinha apego nem aos vira-latas que tinha em casa que mais viviam na rua. Saiu da sala resmungando que não aguentava mais e que ninguém reclamasse se ficassem coisas sem fazer. 

Vovô Afonso, sentado no seu canto, falou que aquela empregada estava indo longe demais, metendo-se com coisas que diziam respeito somente à família. 

Quinho deu razão ao avô, dizendo que a Luandécia estava muito folgada. Quando pedia lanches, ela fazia hora só para chatear, ralhava com ele por qualquer coisa e outro dia até ameaçou lhe dar umas chineladas se não parasse de pisar no tapete com os pés sujos. 

Alvoroço geral, mas por fim resolveram ajeitar as coisas, diante dos argumentos do Dona Adélia de que empregada não estava fácil e que qualquer uma que entrasse traria os mesmos problemas.

Luandécia, diante da tábua de passar roupas, remoía por dentro relembrando os momentos que tinha passado naquela casa.

Lembrou-se da vez que levou uma chacoalhada do patrão quando anotou um recado que nem ela mesma conseguia decifrar. Lá tinha culpa de ter feito mal e mal o Mobral? E pensava no seu silêncio que o seu contrato de trabalho era de doméstica e eles queriam que ela também fosse secretária, e ainda por cima com o mesmo salário. 

Tinha ojeriza a telefone. Quando o trem tocava, ela queria estar longe. Era só reclamação.

Recordou-se de quando sem querer e com a cabeça nos seus problemas domésticos (é, empregada também tem problemas de natureza familiar], ela queimou uma blusa da Camila, Foi um choro da menina o dia inteiro, além da ameaça de ser despedida e ter descontada do seu salário a tal blusa, pelo preço atribuído pela patroa, que até hoje ela duvida que tenha sido tão alto.

E quando vêm os parentes do interior, principalmente nas férias daquele sobrinho sapeca e se hospedam, ficando tudo por conta dela e ninguém se lembra quando vai embora de lhe dar os trocos que quando chegaram prometeram? Só Deus mesmo.

E foi com tudo isso na cabeça e num dia que o patrão chegou meio de fogo e vomitando pela casa toda, que ela aproveitou o embalo e deixou o tal Michael fazer sujeira no tapete à vontade. 

Chegou no quarto da patroa, bem às sete horas (ela não gosta de acordar antes das nove), bateu com vontade na porta e num sorriso cínico (divertia-se com o desespero da dona Adélia), apontou-lhe a sujeira em que se encontrava a casa, dizendo-lhe que marcasse o dia para o acerto das contas, porque ela estava indo embora. 

Fez de conta que não escutava o pedido de paciência e lembrou-lhe que já estava quase na hora de dar a comida do Lulu que já começava a uivar de fome lá fora. 

Saiu rebolando e batendo a porta com a vontade que sempre teve de bater.

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Andança)


Compositores: Edmundo Souto / Danilo Caymmi / Paulinho Tapajós

Vim, tanta areia andei
Da Lua cheia, eu sei
Uma saudade imensa

Vagando em verso, eu vim
Vestido de cetim
Na mão direita, rosas
Vou levar

Olha a Lua mansa a se derramar (me leva, amor)
Ao luar descansa, meu caminhar (amor)
Meu olhar em festa se fez feliz (me leva, amor)
Lembrando a seresta que um dia eu fiz
(Por onde for, quero ser seu par)

Já me fiz a guerra por não saber (me leva, amor)
Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)
E jamais termina meu caminhar (me leva, amor)
Só o amor me ensina onde vou chegar
(Por onde for, quero ser seu par)

Rodei de roda, andei
Dança da moda, eu sei
Cansei de ser sozinha

Verso encantado, usei
Meu namorado é rei
Nas lendas do caminho
Onde andei

No passo da estrada, só faço andar (me leva, amor)
Tenho meu amor pra me acompanhar (amor)
Vim de longe léguas, cantando, eu vim (me leva, amor)
Vou, não faço tréguas, sou mesmo assim
(Por onde, for quero ser seu par)

Já me fiz a guerra por não saber (me leva, amor)
Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)
E jamais termina meu caminhar (me leva, amor)
Só o amor me ensina onde vou chegar
(Por onde for, quero ser seu par)

(Me leva, amor)
(Amor)
(Me leva, amor)
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Andança: Uma Ode à Jornada do Amor e da Vida
A música 'Andança', interpretada pela icônica sambista Beth Carvalho, é uma verdadeira celebração da jornada da vida e do amor. Com uma melodia que embala o ouvinte nas cadências do samba, a letra fala sobre a caminhada de uma pessoa que, mesmo tendo percorrido longos caminhos e vivido intensas experiências, ainda tem muito a descobrir e a sentir. A areia que foi andada e a Lua cheia são metáforas para as fases e ciclos que todos enfrentamos, marcados por saudades e memórias.

A repetição do pedido 'me leva, amor' sugere a busca por companhia e parceria, alguém que acompanhe o eu-lírico nessa andança pela vida. A seresta mencionada remete à tradição da música romântica brasileira, evocando um sentimento de nostalgia e alegria. A guerra mencionada pode ser interpretada como as lutas internas e externas que enfrentamos, e o reconhecimento de que o amor é o guia que nos mostra o caminho a seguir. A música, portanto, fala sobre a importância do amor como bússola para a jornada da vida, e como ele nos ensina e nos transforma.

Beth Carvalho, conhecida como a 'Madrinha do Samba', foi uma artista que dedicou sua vida à música e à cultura brasileira. 'Andança' é uma das canções que marcaram sua carreira, e sua interpretação carrega a emoção e a autenticidade características de sua arte. A canção é um convite para que o ouvinte reflita sobre sua própria jornada, as escolhas feitas e o desejo de não caminhar sozinho, mas sim acompanhado pelo amor, seja ele romântico ou fraterno, que nos move e dá sentido à nossa existência.

Estante de Livros (“Juiz de Paz na Roça”, de Martins Pena)

Juiz de Paz da Roça (1833) é obra de Luís Carlos Martins Pena (1815-1848), autor romântico que  praticamente não evoluiu literariamente, ou seja, o que se encontra em sua estreia, justamente a peça em análise, é o mesmo das outras 25, como se se tivesse prendido à repetição de moldes. Haveria apenas uma diferenciação em O Noviço e O Judas em Sábado de Aleluia, nos quais se encontra o clímax do domínio da estruturação dramática. Ainda assim, seu mérito está na introdução da dramaturgia em nossa literatura, o que realizou com qualidade, tornando-se uma ilha em nosso contexto cultural. Dessa forma, é aproximado a Gil Vicente, que também gerou sua obra praticamente no vácuo. Além disso, traz também, sob a influência dos franceses – o que o faz ser chamado de Molière brasileiro –, o teatro que, por meio do riso (outro ponto de contato gilvicentino), a descrição e a crítica aos costumes do Rio de Janeiro de meados do século XIX. E tudo de forma simples, natural, espontânea, ágil.

A texto em questão, escrito quando Martins Pena tinha 18 anos, é considerado o nosso Monólogo do Vaqueiro, já que é o inaugurador, literariamente, de nosso teatro. Como seu título indica, a trama dedica-se a descrever os costumes da zona rural, o que era a preocupação das primeiras obras do autor. Depois de infeliz passagem para a tragédia, o dramaturgo voltaria às comédias, mas ambientadas na Corte. No entanto, como se verá, o foco de sua crítica não mudou.

Assim como nas peças de Gil Vicente, somos jogados de chofre no meio da história. Essa técnica recebe o nome de “in media res”. Assim, por meio do diálogo de mãe (Maria Rosa) e filha (Aninha) sobre a labuta do pai (Manuel João), tomamos conhecimento de todo o sofrido universo de valores, costumes e tarefas da roça, como a necessidade de mais mão-de-obra escrava, atrapalhada por dificuldades econômicas. É interessante como essas preocupações por demais pragmáticas são apresentadas diante de um público romântico e com tendência à evasão e à idealização. Até que ponto estaria ocorrendo um desvio aos padrões estéticos burgueses?

Aninha, ciente da iminente chegada do pai, cansado do trabalho, lembra a mãe que este iria gostar de jacuba (um tipo de refresco). A senhora sai de cena, para a preparação da bebida. Tratava-se de um expediente da menina para que ficasse sozinha e recebesse seu namorado. Esses estratagemas são muito comuns no tipo de teatro que Martins Pena estava inaugurando. Dão mais agilidade à trama.

Aumentando a velocidade do texto, as cenas são curtas, tendo apenas a extensão necessária para o desenrolar dos fatos. Tudo é essencial, econômico, importante, inclusive as rubricas (marcações da cena), que são precisas e significativas até no vestuário. O autor demonstra aqui a consciência de que o teatro é encenação, é para ser visto principalmente. Isso explica a importância de se lembrar que o namorado de Aninha, José (note a simplicidade dos nomes) veste roupas brancas. Em plena roça, esses trajes reforçariam uma tendência, disseminada em outros momentos, da personagem a não enxergar que seu papel é trabalhar e não pensar em prazeres da vida apenas, como se fosse um bon vivant.

Nesta segunda cena ocorre o encontro amoroso entre José e Aninha. Nela se manifesta uma característica comum do autor, que é a utilização do exagero caricaturesco, percebido no instante em que Aninha recusa o abraço de seu amado. Só depois do casamento é que pode! E ainda alfineta dizendo que esse “abuso” fora causado pelos maus costumes adquiridos na Corte.

Há também nesta cena, por meio do diálogo dos namorados, um elemento que é crucial na obra do autor: o contraste entre a roça e a Corte. O rapaz, após a estranha explicação de que não sobrara vintém do bananal que recebera de herança – revelador, no mínimo, da imaturidade da personagem –, diz como pretende se arranjar com sua vão-se casar às escondidas e se mudarão para a Corte. Para seduzir Aninha, faz uma descrição completamente distorcida da Capital, apegado apenas ao aspecto exótico, como se a vida lá fosse prazer, diversão.

Essa visão distorcida provoca riso na plateia, composta de burgueses da Corte. No entanto, fica subentendida uma crítica de Martins Pena à mania desse grupo em tentar se equiparar à Europa, não se tocando de que é tão provinciana – trata-se de uma nação recente – quanto a roça. A maneira como Aninha imagina a Corte (em que acaba até comicamente misturando tudo o que José descreveu) deve ser a mesma maneira como enxergavamos e ainda enxergamos o Primeiro Mundo.

Enfim, o encontro é abreviado por causa da iminência da chegada de Manuel João. Assim, combinam o casamento para o dia seguinte, de manhã.

A chegada do pai serve para que mais uma vez entremos no cotidiano simples da classe baixa rural. Ficamos sabendo das lamentações por uma vida trabalhosa, das tarefas feitas e a serem realizadas e até da janta (carne seca, feijão e laranjas).  Não se poupa nem mesmo a menção ao fato de já ter acabado carne seca. Lembra o esforço, muitas vezes fracassado, que algumas novelas globais tentam de retratar o dia-a-dia.

Ao bater da porta, mais uma vez o ridículo será utilizado, dessa vez por aspectos visuais (um procedimento também comum em Martins Pena, que remonta à tradição circense e que deu origem ao pastelão): Manuel João trata de esconder a comida e ainda – beiramos o grotesco – lambe os dedos. É pobreza extrema misturada a mesquinharia e sovinice.

Quem entra em cena é o Escrivão, que traz uma intimação do Juiz de Paz: Manuel João tem de levar até a cidade um prisioneiro como recruta para a revolta que estava havendo no Rio Grande do Sul. João não entende por que justo ele tem de realizar tal tarefa, o que representaria a perda de um dia de trabalho. As preocupações imediatas, ligadas à sobrevivência, entram mais uma vez em foco. O Escrivão informa que ninguém a aceitava. João mais uma vez protesta, dizendo que ele não tinha culpa nenhuma dos problemas arranjados pelo governo. Nem mesmo dá atenção ao argumento ligado a patriotismo. No entanto, cede, diante da ameaça de prisão.

Observe-se que há críticas fortes aqui que chegam a se chocar com o conjunto de valores burgueses. Seu efeito só não é de imediato fulminante porque tudo se dilui em meio ao humor e principalmente por estar na boca de uma personagem que age de forma tão estabanada.

A partida de Manuel João é feita em meio a inúmeras recomendações sobre as tarefas a serem feitas de ambos os lados, tanto para os que ficam, quanto para o que vai. Mais uma vez o cotidiano simples retratado de forma viva, natural e colorida. Destaque seja feito ao pedido que Aninha faz ao pai: já que vai à cidade, que lhe trouxesse sapatos franceses. Outra crítica que se dirige não à roça, mas à Corte e ao seu apego à ostentação das superficialidades do universo europeu.

A próxima cena é já na casa do Juiz de Paz, funcionário que tem a função de conciliador dos conflitos de sua jurisdição. É provavelmente o melhor momento da obra, por causa principalmente dos jogos de palavra que se estabelecem.

Em primeiro, ficamos sabendo de um presente recebido pela autoridade: 
“Tomo a liberdade de mandar a V. Sª um cacho de bananas maçãs para V. Sª comer com a sua boca e dar também a comer à V. Sª Juíza e aos Srs. Juizinhos. V. Sª há de reparar na insignificância do presente; porém, Ilmo. Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser, e mesmo fazer presentes; ora, mandando assim as ditas reformas, V. Sª fará o favor de aceitar as ditas bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito boas.”

É saborosa a maneira com que o autor enfoca a simplicidade do povo, por meio, primeiro, de pleonasmos (“comer com a boca”) e por expressões inadequadas, mas cômicas (“V. Sª Juíza”, no lugar de “esposa do Juiz”, e “Srs. Juizinhos”, no lugar de “filhos do Juiz”). Há também a confusão que se faz entre o tom cerimonioso, adequado à situação, e o familiar, íntimo, inadequado. Mas há ainda uma crítica à corrupção do magistrado, pois Manuel André, a personagem que presenteia o juiz, participará, como se verá, de uma ação litigiosa. Além disso, olha a visão distorcida (será?) que se tem sobre os efeitos da Nova Constituição.

O primeiro caso a ser resolvido envolve Gregório, Inácio José e sua esposa Josefa Joaquina.

Martins Pena manipula com eficiência e colorido os elementos dramáticos, reproduzindo com fidelidade não só a linguagem coloquial, mas também a psicologia das personagens. Prova disso é que Gregório e Joaquina desviam-se da resolução de sua contenda em meio a ofensas. Fica nítido, por exemplo, que o aspecto infantil do raciocínio de Joaquina, que, ao invés de apresentar argumentos na discussão, devolve ofensa, atacando a mãe do oponente.

O mais incrível é a decisão do Juiz, que, além de paternalista, é contraditória. Se por um lado dispensa Inácio e Joaquina, sob a alegação de que umbigada não constitui crime em nenhuma lei, por outro ameaça Gregório de aplicar a lei “às costas” se este continuar a praticar umbigadas. E arbitrariamente encerra o caso com um “Estão conciliados”, o seu bordão.

Em seguida é lido um outro requerimento de Manuel André. E mais uma vez o suborno: na introdução do requerimento, antes de anunciado o assunto, avisa-se, meio que en passant, que um cacho de bananas será enviado ao Juiz. E novamente a mistura cômica do tom familiar com o solene.

Tratava-se de uma questão de divisa de terra. O Juiz delega ao suplente a decisão. O problema é que ambos estavam atarefados com seus próprios roçados. Note-se que o suborno não foi eficiente. Note-se também o descaso e incompetência no exercício das funções jurídicas.

Manuel André protesta. O Juiz ameaça com cadeia. O pleiteante faz lembrar a Constituição, fortemente desprezada pelo magistrado. Confusão é formada – mais um elemento de gosto popular no corpo da peça – e Manuel André acaba fugindo.

O outro caso é entre João de Sampaio e Tomás. O primeiro é dono de um leitão, que invadiu as terras do segundo. Estabelece-se uma briga até física – mais uma cena à pastelão, com os dois reclamos puxando, um de cada lado, o objeto de disputa. O problema é resolvido com a determinação do Juiz – um tanto egoísta – de ficar com o bicho. Ainda manda que seja trazida ervilha para a complementação de um prato que imaginara. E, pior, folgadamente determina que um dos contendores coloque o suíno no chiqueiro. Exibe-se a aplicação torta da lei, apenas para atingir interesses pessoais. No fim, o bordão: “estão conciliados”.

Como um adendo, Sampaio quer que tudo seja citado na Assembleia Provincial. O Juiz não autoriza, achando o assunto irrelevante. Tomás convence-o do contrário, lembrando os votos que o magistrado havia-lhe pedido para os integrantes da tal instituição legislativa. Corrupção, troca de favores, compra de votos... Problemas de longa data!

O próximo caso é de Francisco Antônio, Rosa de Jesus e José da Silva. A transcrição abaixo do requerimento dá mais detalhes: 

“Diz Francisco Antônio, natural de Portugal, porém brasileiro, que tendo ele casado com Rosa de Jesus, trouxe esta por dote uma égua. ‘Ora, acontecendo ter a égua de minha mulher um filho, o meu vizinho José da Silva diz que é dele, só porque o dito filho da égua de minha mulher saiu malhado como o seu cavalo. Ora, como os filhos pertencem às mães, e a prova disto é que a minha escrava tem um filho que é meu, peço a V. Sª mande o dito meu vizinho entregar-me o filho da égua que é de minha mulher’”.

Observe-se como a manipulação da linguagem abre no texto uma ambiguidade saborosa, apesar de rasteira.

A decisão do Juiz seguiu o caminho que parecia mais lógico: em favor de Francisco e Rosa de Jesus. José da Silva protesta, diz que vai recorrer, mas o magistrado faz pouco caso – tem procedimentos jurídicos para invalidar os questionamentos. Há mais reclamações, sufocados quando o magistrado manda prender José da Silva e fazê-lo recruta. Diante do pior, o protestante abre mão das queixas.

Nesse momento, chega Manuel João para receber o preso. E, preocupado com coisas imediatas, obtém autorização para deixar em sua casa o prisioneiro, pois que já estava chegando a noite.

Na chegada à casa de Manuel João ocorre outro expediente típico da dramaturgia popular: a surpresa causada pela descoberta da identidade de uma personagem. Causa curiosidade o espanto de Aninha ao se deparar com o prisioneiro. Depois que pai e mãe saem, a filha solta o recruta e fica-se sabendo tratar-se de seu namorado, José. Havia sido preso, alega, de forma extremamente arbitrária: “Assim que botei os pés fora desta porta, encontrei com o juiz, que me mandou agarrar.” Há um potencial de crítica aqui, que, diluído, não é aproveitado.

O casal foge para se casar. Quando os pais descobrem o que ocorreu, surge alvoroço, revolta e decepção, mas engraçadamente há espaço para um certo alívio de Manuel João, que estava livre da tarefa de levar o prisioneiro no dia seguinte. No fim, toda a culpa recai, comicamente, sobre a guerra que se processava no Rio Grande do Sul. A culpa é do Governo (como dizia uma antiga personagem humorística da televisão). Talvez por isso Manuel João resolva dar parte ao Juiz.

No entanto, é interrompido com a chegada do casal fugitivo, já casado. Tudo acaba em abraços. É essa explosão de felicidade (estamos indo na direção do desfecho da obra) que retira da obra um fôlego mais forte para se dedicar a uma ferrenha crítica social, no estilo do Realismo.

Resolvem, então, dar outra parte ao Juiz, agora de tom mais positivo.

A próxima cena é na casa do magistrado, que comunica ao escrivão a necessidade de consultar um letrado – deixa claro que não entende muito de leis. Antigamente, toda vez que surgia um problema cuja solução não conhecia, simplesmente usava um “Não tem lugar.” e o empurrava. Deixou de utilizar esse expediente porque uma vez quase tinha sido suspenso. Esses são mais ingredientes para que possamos denegrir a imagem desse funcionário. O escrivão até pergunta se tudo isso não era motivo de vergonha. Resposta:  

“Envergonhar-me de quê? O senhor ainda está muito de cor. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, quantos juízes há por estas comarcas que não sabem aonde têm sua mão direita, quanto mais juízes de paz...”

Suas reflexões são interrompidas com a chegada de Manuel João, Maria Rosa, Aninha e José, que lhe comunicam o casamento. Dessa forma, livra-se a personagem da obrigatoriedade de se tornar recruta.

A primeira reação do Juiz é desmoralizar José, chamando-o de biltre. Mas depois pede para perdoar a ofensa. O magistrado é de fato uma personagem rica em suas contradições, tornando-se extremamente humana, tanto que decide comemorar o matrimônio em sua casa, caindo todos na dança e na cantoria, conforme atesta o trecho final abaixo transcrito: 

TOCADOR, cantando: 
Em cima daquele morro
Há um pé de ananás;
Não há homem neste mundo
Como o nosso juiz de paz.

TODOS: 
Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você.

JUIZ: 
Aferventa, aferventa!...

Tudo termina bem, em festança, em folguedo, afugentando todo e qualquer elemento (e os há na obra em grande quantidade) que pudesse desagradar os padrões do público burguês romântico.

Fonte: Texto de Jayrus Luna (editor) , in http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Romantismo/Martins_Pena_Juiz_de_Paz_na_Roca_resumo.htm. (site desativado). Acesso em 16.11.2020.

sábado, 15 de junho de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 31

 

Aparecido Raimundo de Souza (O choro de uma simples folha de papel em branco)


“Todo mundo chora, até um simples mosquito atormentado pela presença de uma lata de Multi Inseticida, ainda que a embalagem esteja vazia.”
Bicó Marajá, de Realengo (Morador de rua) 

EM UM CANTO bem lá atrás da sala de aula enorme, esquecida, abandonada à sorte no banco de uma carteira, jazia uma folha de papel. Uma dessas simples A4 expulsa da resma por ninguém fazer uso dela. Apenas mais uma entre tantas. Todavia, essa folha, em especial, se sentia diferente de todas as suas demais consanguíneas. Não pelas angustias que carregava, ou pelas palavras que chegavam aos seus ouvidos. Em absoluto. Ela acumulava no âmago e isso lhe afligia, como um látego martirizante. O total estado de abandono e a mais dolorosa falta de companheirismo. Não havia nenhum embaraço em especial, porém, a sua dor se propagava pela história que nunca foi devidamente contada. 

Ou melhor, disseminada como deveria. Sendo assim, ela ouvia nitidamente o coro das algazarras; os sons das carteiras sendo arrastadas; o tec-tec das gotas da chuva; quando caia temporal; as conversas abafadas pelos celulares nos corredores. E não ficavam de fora as vozes barulhentas dos professores; as risadas das funcionárias; o som das campainhas dos celulares; o metálico das moedas dadas em pagamento de algum lanche comprado de última hora na cantina; à música no rádio do carro da diretora; o vai-e-vem dos veículos passando lá fora; tanto de um lado, como de outro; as freadas bruscas dos ônibus (havia um ponto próximo do prédio onde funcionava a escola. Apesar disso, ninguém ouvia as suas dores. 

Tampouco alguém se importava, ou dava a mínima para os seus medos e inseguranças. Suas aflições e desesperos. Ela queria (e somente pretendia) ser mais que uma mera expectadora. Na verdade, almejava fazer parte viva e pulsante da história de alguém. Em seus devaneios, lembrou de um caso passado. De uma recordação acontecida há anos. Certa vez, e esse “certa vez” se prolongava longevo, a lágrima desgarrada de uma menina triste, macambúzia igual a ela, caiu sem querer sobre seu corpo. Era uma lágrima; verdade seja dita; dorida; de enorme tristeza; de melancolia infinda derramada por uma mocinha que acabara de sair do banheiro da escola e ir se acomodar lá nos cafundós em uma carteira apartada. 

A folha de papel, por puro milagre, estava jogada à sorte, esperando ser recolhida por uma das zeladoras que limpavam as dependências, quando as aulas, final da tarde cessavam. Não sabendo como explicar a magia desse acontecimento, por puro acaso, ou milagre, a menina começou a chorar. Num dado momento, uma lágrima caiu em seu corpo.  A folha, também por pura sorte do destino, absorveu essa lágrima. Sentiu seu peso, a frieza com a qual saiu do mais profundo da garota, bem ainda, sugou a salinidade que viera junto. Naquele momento, ela não  se sentiu apenas uma folha de papel sem nada. Ao contrário, se fez, ou melhor dito, se transformou numa confidente silenciosa da dor e dos percalços humanos da indefesa e desabrigada criança. 

De repente, igual a princesinha, a folha de papel se pôs igualmente a chorar. Não por si mesma. Possivelmente pela tristeza pegajosa e pela desinquietação que testemunhava. Ela queria, ou melhor, carecia de oferecer algum tipo de conforto e de atenção à jovenzinha. Incansável, uma pergunta que não calava dentro de si: como poderia? Puxa vida, como, de que forma, tal aspiração se faria real e palpável?  Coitada! Não passava de uma simples folha de papel. No entanto, naquele instante de umidade e sal, ela se tornou mais que isso. Se fez uma página em branco diferenciada, cheia de vida, avivada, dona de si, onde novos começos ainda não percebidos poderiam ser escritos e a esperança desenhada em sua melhor forma de expressão. 

Nesse tom meio que bucólico, a pacata e tristonha folha de papel em branco lembrou que mesmo o mais simples dos objetos (mesmo uma desprezível e esquecida folha de papel) poderia sorver uma nova lágrima, e, nesse ato de sugar, transformar toda a sua infelicidade em harmoniosa esperança de horizontes melhores. E de alguma forma a ser descoberta, ameigar, ou pelo menos tentar tirar do desassossego, da angustia, uma nova alma grandemente vazia e conturbada. Quem sabe, ainda (e isso se consubstanciava num só talvez), fosse o suficiente para que a sua solidão pesada voasse, de vez, para algum lugar distante, bem longe de seu peito dilacerado pela infelicidade de ser apenas e tão somente uma folha de papel abandonada ou esquecida numa carteira de uma sala de aula de uma escola qualquer. Desanimar, nunca. Tampouco gritar a plenos pulmões, como Tisbe, em Shakespeare... “Oh! Perversa, perversa parede...”. Isso, jamais.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Coisas Nossas)


Compositor: Noel Rosa

Queria ser pandeiro 
Pra sentir o dia inteiro
A tua mão na minha pele a batucar
Saudade do violão e da palhoça
Coisa nossa   
Muito nossa

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Menina que namora na esquina 
e no portão
Rapaz casado com dez filhos   
sem tostão
Se o pai descobre  
o truque dá uma coça
Coisa nossa  
Muito nossa  

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Baleiro, jornaleiro, motorneiro  
Condutor e motorista
Prestamista, vigarista 
E o carro que parece uma carroça
Coisa nossa  
Muito nossa

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Malandro que não bebe, que não come
Que não abandona o samba 
Pois o samba mata a fome
Morena bem bonita lá na roça
Coisa nossa  
Muito nossa
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Alma do Samba e a Identidade Brasileira em 'São Coisas Nossas'
Com a gradual implantação do som no cinema brasileiro, Wallace Downey, um americano ligado à nossa indústria fonográfica, percebeu que a produção de filmes musicais poderia ser um negócio muito lucrativo. Assim apoiado pela empresa Byington & Cia., de São Paulo, realizaria em 1931 o curta-metragem “Mágoa Sertaneja” e o longa “Coisas Nossas”, os musicais pioneiros do nosso cinema. Inspirado, talvez, pelo título deste último, Noel Rosa compôs o samba homônimo (também conhecido por “São coisas nossas”), em que “filosofa” espirituosamente sobre hábitos, manias e “outras bossas” tipicamente brasileiras — “O samba, a prontidão e outras bossas / são nossas coisas, são coisas nossas...”. “Coisas Nossas” e mais outros quatro sambas foram lançados por Noel em discos Columbia, empresa que na época havia instalado um estúdio de gravação no Rio de Janeiro (A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34). 


Noel Rosa começa a música expressando um desejo poético de ser um pandeiro, um instrumento essencial no samba, para sentir o toque constante da mão de alguém especial. Essa metáfora inicial já estabelece a importância do samba e dos instrumentos musicais na vida cotidiana. Ele menciona a saudade do violão e da palhoça, elementos que remetem à simplicidade e à autenticidade da vida rural e das rodas de samba. A repetição da frase 'coisa nossa' reforça a ideia de pertencimento e identidade cultural.

A letra também aborda a figura do malandro, um personagem típico do samba, que vive de maneira despreocupada, mas fiel à sua cultura. Noel Rosa destaca que, mesmo sem beber ou comer, o malandro não abandona o samba, pois ele é uma fonte de sustento emocional e cultural. Além disso, a música menciona diversos personagens do cotidiano urbano, como o baleiro, o jornaleiro e o condutor, todos representando a diversidade e a riqueza da vida nas cidades brasileiras. A música termina com uma cena familiar e comum, de uma menina namorando na esquina e um rapaz casado com muitos filhos, reforçando a ideia de que essas são 'coisas nossas', elementos que compõem a identidade brasileira.

'São Coisas Nossas' é, portanto, uma ode ao samba e à vida simples, celebrando a cultura e a identidade brasileira através de suas figuras e cenários mais autênticos. Noel Rosa, com sua habilidade lírica, consegue capturar a essência do Brasil e transmitir um sentimento de orgulho e pertencimento. Através de metáforas e referências culturais, ele pinta um retrato vibrante e autêntico do Brasil dos anos 1930.

Fontes: