quarta-feira, 11 de junho de 2025

Asas da Poesia * 36 *

 

Poema de
SAMMIS REACHERS
São Gonçalo/RJ

O poeta, esse “figura” da linguagem

Já nasce metáfora: nem é homem, é bruma
Detesta comparação: sua carne é tal como purpurina 
Casa antíteses, juiz de paz de terra e céu 
Dispara metonímias lendo Drummond e Gullar 
Mata catacreses ao dar nome ao que não o tem: 
Braço de sofá vira espuvelo, assim, na caraça 
Celebra paradoxos, esses desconstrutores criativos:
Como encher de vazio um balão vazio?
Faz tudo dialogar em prosopopeias, a caneta chora, o chapéu gargalha
É bicho todo trabalhado na sinestesia: degusta a paisagem, ouve seus aromas
Rima o interno dos versos em aliteração
É um babaquara da assonância, um papa-vatapá 
Desafios opera o poeta em hipérbatos
Faz rir nas onomatopeias, feito garnizé cocoricó
Desce pra baixo do mar molhado em seu submarino, o pleonasmo
É polissíndeto: É alegre e loquaz e terno e carmim
Mas tem lá seus momentos assíndetos: solitário, introvertido, fujão
Viaja em anáforas: se eu voasse, se eu pudesse, se eu sonhasse, se... 
“Quero morrer de tanto versejar”, vocifera, hiperbólico 
“Ou bater as botas de mui cantar”, solfeja em eufemismo e preciosismo 
Dias tem em que escreve com a delicadeza de uma mula (opa, contém ironia!) 
Outros em que olha a vida pela janela e solta um lacônico “Que tédio!” em apóstrofe 
Nesse jogo de encanta e cansa, o poeta nos diverte com sua graça, humano que é, esse figuraça…
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Trova de
GÉRSON CESAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Nas mãos de Deus tudo entrego
fazendo um pedido assim:
que estes sonhos que carrego
não morram antes de mim!
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Gélidos caminhos

Apaixona-se o tempo
Ao olhar os veios do mármore
Gélidos caminhos...

Apaixona-se o vento
Ao desenhar círculos no lago,
Movendo a breve bolha de sabão-

Apaixonam-se os ramos
De camomila à caneca de ágata
Ao sentirem a água desaguando,

Contidos no tempo, no vento
E no aroma de camomila
Momentos de amor –
Sincronicidade,

Poemas ao alcance
Das pontas dos dedos...
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Poetrix de
THOMAZ RAMALHO 
Angola

melancolia

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte…
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Estão paradas como nos vitrais
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.

A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.

Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,

Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Após causar desencantos 
e nos fazer peregrinos, 
a seca fez chover prantos 
nos olhos dos nordestinos!
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Poema de
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
São Francisco de Itapaoana/RJ

Favela

Favela
Aquarela
Vida Amarela
No Morro ou na Periferia
Ora é alegria
Ora e tristeza,
Fome, pobreza...
Ora é realeza!

Gente que com esperteza
Dribla a sorte
Escapa da Morte
Tem que ser forte
Faz carnaval!
Favela
Festival...
De sonhos e esperança
Mesmo quando não alcança
Vencer o carnaval.

Favela...
Do bem e do mal
Onde se faz poesia
Da pobreza e da tristeza
Transformando em alegria
A triste realidade
Com tanta verdade

Que aonde ninguém queria viver
E vive sem querer
Precisa viver
Pra vida vencer
E não deixar morrer
Os sonhos, a esperança,
E como tal
O Carnaval.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Histórias de Algumas Vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
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Hino de
ÂNGULO/ PR

No planalto majestoso, imponente. 
Que ornamenta esta linda região 
Braços fortes e o brio desta gente 
Fizeram um gigante do antigo rincão. 

Nosso preito de eterno louvor 
À Maria Caçadeira e demais pioneiros 
Seu exemplo de audácia e valor 
Espelha a fibra de heróis verdadeiros.

Estribilho
Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná .

Pirapó irrigando este chão 
Num cenário de rara beleza 
Onde o milho, a soja, o algodão,
Simbolizam a nossa riqueza. 

Eu que sou filho deste recanto 
Com orgulho hei de sempre dizer 
És ó Ângulo, colmeia de encanto, 
Onde sempre eu hei de viver.

Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná.
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Gestos de anjo

A tarde vai chegando docemente,
e nós dois a falar de amor eterno,
e tudo que sonhamos neste inverno,
é aquecer com nosso amor o ambiente.

E ao som desse trinado tão moderno,
que veio no relógio de presente,
teremos uma orquestra diferente
a embalar-me os anseios sem governo.

A noite vai chegando e eu nem percebo,
com todo esse carinho que recebo,
envolvida em teus braços amorosos.

E através da vidraça e o céu brilhando,
vejo esta lua cheia observando,
estes teus gestos de anjo poderosos.
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

O delegado Pereira…
Êta Pereira bacana,
- É de pouca brincadeira,
não dá pera, só dá “cana”!…
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Uma Lengalenga de Portugal
LENGALENGAS DOS DEDOS
  
(Várias versões)
  
Estas lengalengas são ditas segurando a mão de alguém, apontado para os dedos, à vez, enquanto é dita.
 
  Pequenino (o dedo mindinho)
  Seu vizinho (o anelar)
 Pai de todos (o dedo médio)
 Fura bolos (o indicador)
 E mata piolhos. (o polegar)
  ***
 
 Este diz: quero pão
 Este diz: que não há
 Este diz: que Deus dará
 Este diz: que furtará
 E este diz: alto lá

***
 
 O dedo mindinho quer pão
 O vizinho diz que não
 O pai diz que dará
 Este o furtará
 E o polegar: «Alto lá!»
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Quadra Humorística de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

Eu já fui à sua casa
e já sei o que ela é.
A fartura que vi nela
foi pulga e bicho de pé.
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Soneto de
MARIA JOSÉ FRAQUEZA
Fuseta/Algarve/Portugal

Há poesia no céu

O Céu abriu as portas par em par…
Florbela, recebeu-te com Amor…
A Poesia cantada num altar…
Cada poema é benção do Criador

Florbela e Marilena, vou louvar,
Que o meu poema seja como flor…
Meus olhos já cansados de chorar
Por andar a carpir a minha dor!

A dor, esta saudade tão sentida…
Com a mágoa dolorosa da partida,
Que se sofre,  num elo de Amizade!

Vosso corpo desceu à terra fria,
Mas na Terra ficou a Poesia…
Que falará por Vós Eternamente

(Marilena Gomes Ribeiro foi Presidente da Associação de Escritores de Niterói)
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quando vires a tarde triste
e a noite para chover,
são lágrimas de meus olhos
que correm por não te ver.
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Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Uma glosa "traiçoeira"! 

Mote:
Minha vida vai sem rumo 
buscando um sonho encantado, 
em seus braços me consumo... 
sou mais um pobre enganado!
(José Feldman – Floresta/PR)

Glosa:
Minha vida vai sem rumo 
pelo mar da solidão 
depois que perdi o prumo 
norte do seu coração! 

Náufrago, na maresia, 
buscando um sonho encantado, 
sonhei que você, um dia, 
voltaria pro meu lado! 

E neste sonho sem prumo 
dizia pra minha amada: 
em seus braços me consumo... 
foi só um sonho e mais nada! 

Neste sonho eu percebi 
outro "sujeito" ao seu lado, 
finalmente eu entendi: 
sou mais um pobre enganado!
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Trova de
EMÍLIO DE MENESES  
Curitiba/PR, 1866– 1918, Rio de Janeiro/RJ

Estranha contradição
que a Terra vira e revira:
muita mentira é paixão,
muita paixão é mentira.
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Martelo Agalopado de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Nosso velho rojão é tão dolente
que as estrelas marejam no infinito,
chora a imagem pintada no granito
nos instantes finais do sol morrente;
as estrelas fulguram no nascente
e a montanha se cobre de beleza,
para ouvir a canção da singeleza
que o poeta verseja e não vacila,
cada verso é uma estrela que cintila
no universo da santa natureza!
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Epigrama de
CLÓVIS AMORIM
Amélia Rodrigues/BA, 1912 – 1970, Salvador/BA

Veio ao mundo esse Raimundo 
Devido a um erro, talvez, 
E só Deus que fez o mundo 
Sabe ao certo quem o fez.
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Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Ser mãe 

Abraços em braços 
que tocam, acolhem,
afastam as tristezas 

em gestos mágicos, doces sutilezas.
De mãos dadas, imortalizam olhares
disfarçados em beijos, raras riquezas
que amenizam as aflições. Saudosos
risos, para sempre nossas fortalezas.
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Soneto de
MAURO RAUL DE MORAES ANDRADE
São Paulo/SP, 1893– 1945

Artista

O meu desejo é ser pintor — Leonardo,
cujo ideal em piedades se acrisola;
fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
do sonho ilustre que em meu peito guardo...

Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
da vida, a cor da veneziana escola,
dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
a quanto houver de penedia ou cardo.

Quando encontrar o manancial das tintas
e os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,

irei morar onde as Desgraças moram;
e viverei de colorir sorrisos
nos lábios dos que imprecam ou que choram!
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Triverso de
FABRÍCIO CARPINEJAR
Caxias do Sul/RS

A vida com erros de ortografia
tem mais sentido.
Ninguém ama com bons modos.
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Poema de
ANTÓNIO LAMPREIA
Setúbal/Portugal, 1929 – 2003, Lisboa/Portugal

Sombras da madrugada

Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra já esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu não queres
mas já te amou!
É madrugada não importa
neste silêncio há mais verdade
a noite é triste e tão sozinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu não te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.
Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
já não tem nada
anda perdida
quando a manhã, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!
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Trova Premiada  de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
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Glosa de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

MOTE:
 Pai, eu te peço perdão
por não ser o que querias!
Eu vivo na contramão,
num refúgio... de poesias!
 José Feldman (Floresta/PR)
  
GLOSA:
 Pai, eu te peço perdão
por ter frustrado teu sonho.
Assim, não queria, não;
é disso que me envergonho!
 
Lamento muito, meu velho,
por não ser o que querias!
 Na leitura do Evangelho,
eu tento acalmar meus dias.
 
Desde cedo, fiz a opção,
eu nasci pra ser poeta.
Eu vivo na contramão
de tua paternal meta.
 
Não me ajeito a obrigações,
só faço o que repudias.
Vivo minhas emoções
num refúgio... de poesias!
= = = = = = = = =  

Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

metrô
transportando
cansaço
na
cidade
grande
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Ditirâmbo* de
OSWALD  DE ANDRADE
São Paulo/SP, 1890 - 1954 

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
=============

* Ditirambo, poema lírico de estrofes irregulares que exprime o delírio do entusiasmo, da alegria. (Dicionário Aulete)

O poema é simultâneamente claro e sombrio, talvez daí o nome ditirambo...faz lembrar um daqueles sonhos em que tudo parece perfeito, mas há um pormenor que o transforma em pesadelo, causando-nos espanto e desespero (Alexis, in http://www.luso-poemas.net)

Nas origens do teatro grego, o ditirambo era um hino grego antigo cantado e dançado em homenagem a Dionísio, o deus do vinho e da fertilidade; O termo também foi usado como um epíteto do deus. Platão, em As Leis, ao discutir vários tipos de música, menciona "o nascimento de Dionísio, chamado, eu acho, de ditirâmbdio". Platão também observa na República que os ditirâmbos são o exemplo mais claro de poesia em que o poeta é o único orador.

No entanto, em A Apologia, Sócrates foi aos ditirâmbos com algumas de suas passagens mais elaboradas, perguntando seu significado, mas obteve uma resposta de: "Você vai acreditar em mim?" que "me mostrou em um instante que não por sabedoria os poetas escrevem poesia, mas por uma espécie de gênio e inspiração; São como adivinhos ou adivinhos que também dizem muitas coisas boas, mas não entendem o significado delas".

Plutarco contrastou o caráter selvagem e extático do ditirâmbo com o peão. De acordo com Aristóteles, o ditirâmbo foi a origem da tragédia ateniense. Um discurso ou peça de escrita extremamente entusiasmada ainda é ocasionalmente descrito como ditirâmico.

Ditirâmbos foram cantados por coros em Delos, mas os fragmentos literários que sobreviveram são em grande parte atenienses. Em Atenas, os ditirâmbos eram cantados por um coro grego de até cinquenta homens ou meninos dançando em formação circular, que podem ou não estar vestidos como Sátiros, provavelmente acompanhados pelos aulos. Eles normalmente relatariam algum incidente na vida de Dionísio ou apenas celebrariam o vinho e a fertilidade.

Os gregos antigos estabeleceram os critérios do ditirâmbo da seguinte forma:

Ritmo especial
Texto enriquecedor
Conteúdo narrativo considerável
Caráter originalmente antistrófico

Competições entre grupos, cantando e dançando ditirâmbos eram uma parte importante das festas de Dionísio, como a Dionísia e Lenaia. Cada tribo entraria em dois coros, um de homens e outro de meninos, cada um sob a liderança de um corifeu. Os nomes das equipes vencedoras das competições ditirâmbicas em Atenas foram registrados. Os No entanto, a maioria dos poetas permanece desconhecida. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ditirambo)

Laé de Souza (Regras para o reveillon)


Desgastado com a repetição das encrencas e perturbações resultantes de reunião da família para comemorar o réveillon, na minha casa de praia, resolvi estabelecer algumas normas para que, nesse ano, fosse diferente.

Entre outras coisas básicas, que nem se precisava falar para pessoas sensatas, fiz constar: 

– Não deixar que os filhos coloquem o som nas alturas; 
– Comer o suficiente, pensando que outros estão na praia e chegarão para comer; 
– Estabeleci horário para o almoço e, quem chegar mais tarde, que coma por lá; 
– Beber sem exageros e deixar a geladeira sempre abastecida; 
– Ajudar a lavar a louça, mesmo que esteja morrendo de sono; 
– Comportar-se como pessoas civilizadas e lavar os pés, livrando-se da areia, antes de entrar em casa; 
– Lavar cadeiras e guarda-sóis e deixá-los arrumadinhos na edícula; 
– Não jogar bolas dentro de casa, nem os grandes, nem os pequenininhos; 
- Avisar aos filhos que não fiquem com pirraças uns aos outros e, principalmente, com os menores, para evitar choradeiras; 
– Não jogar bola no quintal, pois da última vez quebrou uma planta da minha mulher e foi uma chateação; 
– Quem beber muito, evite conversas do passado, para não ficar um ambiente de lamúrias e choros; 
– Revezamento na churrasqueira, sem desculpas de que não sabe cuidar da carne – que fique aprendendo com quem sabe. 

E por aí foi a lista, para que tivéssemos uma festa tranquila e em paz.

Tirei algumas cópias do regulamento, com o propósito de que cada convidado recebesse uma, com o cuidado de que marido e mulher recebessem cada qual a sua. Antes da viagem, chamei minha mulher, mostrei-lhe o regulamento e pedi que ela fizesse a entrega para a sua família e eu faria a da minha. 

Bem, quase que ela cancela a viagem, achando um absurdo e que algumas coisas que ali constavam tinham direção certa. Questionou-me: - Quem é que chora depois de uma bebedeira, todo ano?

- Geralda, tu bem sabes que é a tua irmã. Mas, tu achas certo eu colocar o nome das pessoas, aqui? A carapuça vai servir para quem acha que faz o que é errado.

- E tu achas que é errado, tomar um fogo no final de ano...?

Bom, pra encurtar, ficou resolvido que seria assim e que eu entregaria o tal regulamento tanto para os meus quanto para os parentes dela. E, ainda, acrescentei que deveria ser incluído, no regulamento, que as mulheres deverão respeitar e seguir as orientações do marido, o que a fez fechar a cara. Mas, fomos embora.

Cada família que chegava, antes de descarregar o carro, eu entregava para o marido e mulher o regulamento. Um cunhado, achou um absurdo, e gritou para a mulher, que nem descarregasse o carro, por que iriam embora. Depois de um deixa disso, acabou ficando. 

Eu cutuquei a minha mulher: “É que ele sabe que quem não encosta a barriga na churrasqueira é ele. Ficou mordido porque acabou a moleza”. Eu ia acrescentar mais outras coisas que se referia a ele, mas achei melhor parar.

Não precisa nem falar que cochichavam sobre o tal regulamento, e eu ouvi um falando “palhaçada, no ano que vem, tô fora". E, eu, nem aí com os cochichos.

No começo, tudo bem. Depois que começaram a beber, e aproveitando que eu também tinha bebido, o que era cochicho, virou indireta, tipo “e aí pessoal, vamos seguir as regras, hein!”, “pega lá o regulamento, para ver se pode”, e por aí vai. O que importa é que alguns comportamentos não extrapolaram a regularidade e um ou outro foi o exagero.

Na hora de irmos embora, um porcaria de um sobrinho, que nem era da minha mulher, era meu, vem com uma história: - E aí tio, esse regulamento era só pra nós, era? – e contava nos dedos – Você bebeu um monte de cerveja e não abasteceu a geladeira; chegou da praia de fogo e entrou em casa sem tirar a areia dos pés; ficou cantando no karaokê até três horas da manhã; perdeu a chave da casa, lá na praia; E você, ainda, não levou protetor solar e usou o do meu pai. Só nós que tinha que seguir as regras, era?

Aquilo me ferveu o sangue. Só podia ser por instruções da minha cunhada, que aquele pirralho não tinha nenhum senso de observação. 

Enfurecido, falei: – Você me respeite! Eu sei muito bem que a sua mãe te deu educação – espinhei – E olha aqui, o ano que vem não tem regulamento que, espero, todos já aprenderam a se comportar como gente. 

– Rasguei o regulamento, falando um bravo: – Vamos embora, mulher!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
Laé de Souza. Nos bastidores do cotidiano. SP: Ecoarte, 2018
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing 

Aparecido Raimundo de Souza (Velhos barcos sem nomes esquecidos às intempéries de um ontem que não retroage)


ENCOSTADOS NA MARGEM perto da avenida que passa em frente à vila dos pescadores, um amontoado de barcos esquecidos se deixam ser consumidos pelo tempo. Os cascos, outrora vibrantes, agora vestem uma espécie de pele descascada, onde o sal e o sol desenham suas cicatrizes. Quem teria sido seus últimos donos? Para onde navegaram essas embarcações antes de se renderem ao esquecimento? O vento forte vindo do mar imenso, ainda os visita.  E o faz assobiando histórias que ninguém se dá ao trabalho de escutar. Mas ali eles estão — não mais navegando, apenas esperando. As tintas desbotadas revelam as rugas vistas. Contam segredos de viagens longínquas, de mares revoltos, de tempestades indomáveis e promessas de retorno que muitas vezes quase davam a impressão de nunca se cumprirem.

Alguns deles ainda mantêm vestígios de seus antigos donos: cordas esgarçadas, redes rasgadas, garrafas e latas de refrigerantes e cerveja vazias, regalos que um dia foram abundantes de esperança. Outros apenas esperam, imóveis, quietos, pesarosos, como se soubessem que jamais retornarão ao mar. Na verdade, estão presos entre as lembranças do oceano distanciado por passos curtos e a inevitável erosão do tempo, indiferentemente condenados a serem ruínas silenciosas de um ontem que ninguém mais se importa. O vento vem e vai, vai e vem assobiando histórias que se perderam nas espumas. Se alguns passantes por acaso se aproximassem e escutassem com atenção, poderiam jurar ouvir murmúrios, como uma espécie estranha de derradeiros suspiros e iguais refrulhos (sussurros) de despedidas insanas. 

Nesta altura, poucos param para olhar. E os barcos pacíficos, cada um deles em seus degredos de esquecimento, simplesmente aceitam o destino e esperam pelo derradeiro plangor final. Para piorar mais a situação, não há registros de quem os trouxeram, nem de quem os deixou à mercê da sorte. Moradores próximos, dizem que, nas noites em que a névoa desce forte demais, é possível ver sombras se movendo sobre esses barcos. Outros juram ouvir passos nas madeiras apodrecidas, tipo rangeres inexplicáveis que não podem ser apenas obras de um vento que vem de um insulado extremo. Coisa de uma semana, um curioso se aproximou de um desses barcos, impulsionado por uma curiosidade que não soube conter. A princípio, tudo parecia comum — restos de redes, cordas emboladas, ferragens retorcidas pelas oxidações implacáveis. 

Segundo ele, fato relatado a um pescador da vila, ao tocar no casco de um desmilinguido, sentiu um arrepio adventício percorrer a sua pele. O barco estava frio demais, gélido como se nunca tivesse conhecido o calor do sol. Assustado, saiu apressado, murmurando para si mesmo palavras ininteligíveis e nunca mais voltou. Os barcos continuam ali, quietos, as fisionomias tristes e impassíveis, esperando um desfecho que parece não ter pressa de chegar. Seguem olvidados repousando dias e noites, como se estivessem esperando — mas esperando pelo quê? O mar funesto, caminha inexorável lambendo seus cascos num silêncio sem pressa, num vagar negligente, como se soubesse que eles jamais partirão.

Contíguos próximos relatam que de vez em quando moradores de ruas tentam removê-los para uso. Contudo, nessas horas, essas almas subjugadas ao Deus dará, parecem sentir uma resistência indescritível, como se não fossem apenas feitos de madeira e ferrugem, mas de algo mais pesado e profundo. E há também os que garantem ter visto sombras alienígenas dentro deles — não de formas humanas, algo que se ergue e se dissolve antes que se possa entender. Numa dessas noites, um jovem decidiu provar que essas supostas “aparições” não iam além de inventos. Destemido, se meteu a fazer bonito para seus amigos, observando que tudo não passava de conversas para bois dormirem. Nada acolá de barcos comuns, oriundos de embarcações esquecidas pelo tempo. 

Tarde da noite se apossou de uma lanterna, atravessou a névoa, e pisou no casco do que ele entendeu ser o mais longevo de todos. O silêncio se fechou ao seu redor. Inclusive os produzidos pelos barulhos ruidosos das ondas que rebentavam de encontro às areias da praia imensa A luz da sua lanterna de repente vacilou. Titubeou como se a própria escuridão quisesse devorá-la. Foi nessa hora, que ele viu. Não um corpo, tampouco um animal. Algo que não deveria estar ali. Uma espécie de figura aborígine, a bem da verdade, uma moça de aparência jovem, na esteira dos vinte. Ela olhou para ele, não com feições humanas, com uma presença que pesou sobre a sua pele, como se o próprio barco, de repente, retornasse à vida e respirasse. Sem esperar nem mais um segundo, recuou. 

Na verdade, debandou numa carreira tresloucada, sem olhar para trás. A lanterna que carregava, foi encontrada dias depois flutuando na margem, a luz apagada num “para sempre” imperscrutável e algaraviado. Quanto a essa criatura, nunca mais foi vista pelas imediações. Os barcos continuam lá, enfileirados. Seguem imóveis, quietos, taciturnos, como se fossem parte da própria areia do mar imensurável.  Nenhum deles tem nome visível —, se um dia galgaram registro, o tempo os apagou, como se quisesse condená-los ao anonimato eterno. Há quem diga (se verdade ou mentira), dentro de um, havia um diário escondido sob uma tábua solta. As páginas, frágeis e amareladas, estavam parcialmente apagadas, mas alguns trechos ainda podiam ser lidos: "A água os chama. Não podem partir, não podem ficar. Algo os prende aqui, como prisioneiros de um pacto antigo. O vento sussurra nomes que não conheço. Ontem, ouvi passos incertos sobre a madeira, mas quando olhei... nada vi." 

Esse diário desapareceu antes que alguém pudesse lê-lo por completo. Alguns apregoam que foi levado pelo próprio mar em uma dessas noites intermináveis. Outros insistem que alguém o achou e o escondeu. Mas quem? E para quê? Seria algum parente de Hemingway? Na antiga vila dos pescadores, próxima de onde os barcos estão, os de cabelos brancos evitam falar desses esqueletos destroçados. Aliás, procuram passar ao largo. Desviam a rota, descartam a curiosidade quando saem para pescar. Por conta, remam espacejados da margem, como se soubessem de algo que não deve ser trazido à tona. E há noites — poucas, mas inquietantes, em que uma névoa vinda lá do mais distante, cai pesarosa e se torna tão densa e espessa que parece tomar forma se movendo entre os cascos dilacerados, como se estivesse à procura de algo... ou sabe-se lá, de alguém. Ao mesmo tempo, o tempo passa... dias e noites vem e vão e tudo segue inexoravelmente igual. 
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fonte: Texto enviado pelo autor. 
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Juan Barnav (Como escrever um livro) – 7. Os sentimentos dos personagens

(tradução do espanhol por José Feldman)


O romancista é um manipulador de personagens. Como criador de seus personagens, ele os conhece íntima e perfeitamente, sabendo quais devem ser suas reações em qualquer situação. Além de ser altamente criativo, o escritor atua como um manipulador de marionetes. Consequentemente, deve compreender e penetrar na personalidade do personagem. Não é fácil adotá-la, como observado na parte 3 deste curso, mas é importante, agora, determinar o tipo de sentimentos, habilidades e preocupações que cada um dos envolvidos na história experimentará. Embora valha a pena lembrar, como os personagens são integrais, que seus sentimentos de amor, ódio ou desprezo podem mudar.

A raiva e a sede de vingança podem andar de mãos dadas e, ao longo de uma trama, podem mudar o comportamento de um personagem que inicialmente era doce, gentil ou tímido.

Sentimentos, paixões, emoções... características que fazem o destino de uma pessoa mudar de um momento para o outro na vida real. Essas são as ferramentas que o escritor usará para fazer com que sua história tenha uma ação inesperada se ele souber dosar seus ingredientes passo a passo, para obter um resultado muitas vezes surpreendente.

A importância de traços de caráter bem definidos reside no fato de que eles permitirão ao autor situá-los nas situações mais adequadas para que sua história se desenvolva de forma que não percam o controle de todas as situações.

Quando começamos a escrever, muitos de nós precisamos saber como controlar nossas reações em certas situações nas quais um toque de desprezo pode surgir.

Em uma história atual e cotidiana, que ocorre em qualquer família, em quase qualquer situação, podemos reconhecer tal interpretação, seja porque a vivenciamos como protagonistas ou porque a testemunhamos, o que também é muito comum, e nos permite inspirar-nos em certas pessoas conhecidas para transformá-las em autores de nossas tramas.

A maneira como gerenciamos o comportamento e as reações de nossos personagens, como se fosse um vai e vem, é determinada pelos cenários em que situamos a ação de acordo com o desenvolvimento de nossa trama. Se o personagem central for, digamos, um detetive, o herói deve ser um personagem durão e violento; É improvável que uma profissão que exija ações violentas resulte em uma pessoa afável, tímida ou retraída na vida real. Em certas circunstâncias, a coragem deve prevalecer sobre o medo para ter sucesso. Mas um ser humano, por mais corajoso que seja, não tem o direito de sentir medo?

Os personagens criados com os exercícios-chave acima possuem características físicas e psicológicas que são retratos fiéis de pessoas facilmente identificáveis ​​e ganharão vida de acordo com o papel que desempenharão em nossa história.

Quando falamos de personagens de uma só peça, nos referimos ao fato de que seu comportamento e reações são sempre lineares, sem reviravoltas que os façam parecer duvidosos, tanto para os outros personagens quanto para os próprios leitores. Tudo isso nos ajuda a entender a necessidade de muita prática, já que nossos personagens, como pessoas reais, têm o direito de combinar dois ou mais elementos que podem produzir resultados incríveis: ódio e astúcia, amor e inteligência, medo e ressentimento... As possibilidades são infinitas. Tudo depende da capacidade criativa do autor.

Exercício

– Desenvolva um texto de uma página onde o protagonista seja um professor tímido que confronta um grupo de adolescentes raivosos.

Onde?
Por quê?
Qual será a reação principal deles?
O que você sente por dentro?
Como você resolverá o problema? 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
continua… 8, final. A resolução da obra

Fontes:
http://www.mailxmail.com/curso-como-escribir-libro/ Acesso em 20.06.2022
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Renato Frata (Fumaças)


Quem, na nossa idade, nunca teve um fogão a lenha em casa, que atire o primeiro cavaco.

Minha mãe guardava as cinzas, e as retirava quando frias, seguidamente, conforme a necessidade. Levava-as para fora e as peneirava. As cinzas miúdas eram guardadas em uma lata com tampa, e serviriam de matéria-prima para sabões de soda; enquanto as cinzas mais espessas ficavam sob o fogão, junto à lenha, e serviam de lastro à nova queima. 

Era, no bem dizer, um reaproveitamento das suas últimas faíscas, a dar vida às novas. E a vida seguia.

No tacho cobreado em fogão improvisado no quintal, ela misturava água, cinza, sebo/gordura com osso, esse buscado por mim no matadouro, adicionava uma porção de soda e punha tudo a ferver sob fogo alto e, depois de horas nessa lida, com os olhos avermelhados pela fumaça e o corpo cheirando a tudo, menos à flagrância do corpo feminino, ela deixava o tacho em descanso e corria para seu banho e troca de roupa. 

Tudo automático, instintivo, às pressas e sem reclamação, da maneira como aprendera com sua mãe que aprendera com a dela na sequência natural das gerações. As mães sempre foram, com seus exemplos, as ótimas professoras dos filhos. Os pais cuidavam da manutenção e as mães, de todo o resto de tarefas, querendo ou não.

Claro que estando sempre ao seu redor e, mesmo sendo crianças, a observávamos nos movimentos e detalhes. Sua luta era corrida diária entre tanque, fogão, ferro, vassoura e arrumação de camas, filhos, marido, compras, pagamentos. Isso é, verdadeira equilibrista em fio de arame bambo à força da ventania, e o fazia como consequência natural da vida sem se aperceber que as tarefas superavam em muito a de todos os demais, se as juntassem num só feixe para comparar.

O sabão? Depois de alguns dias em descanso ainda no tacho, ela o retirava e, com uso de uma pequena tábua de madeira a lhe servir de medida, cortava-o em longos pedaços, separava-os e os emprateleirava no interior da privada. Lá os deixava para secarem, sendo retirados de um em um, conforme a necessidade.

O sabão de cinza, na medida de seu tacho, duravam trinta, quarenta dias e até mais, enquanto mais cinzas iam sendo juntadas fora e dentro de casa.

Nessa pequena lembrança, que faz parte, eu acho, do grupo das lembranças que escorregam para o presente sem que a forcemos, vem-me à garganta uma espécie de nó a fazer do gorgomilo uma fonte de emoção. Sim, dessas que nascem sem que queiramos, e que segue na trajetória dos olhos a espinhar.

Talvez sejam as fumaças daquele velho fogão a lenha erguido com tijolos e alisado com vermelhão sobre a calda de cimento, que inventam de inventar coisas para que liguem esse hoje moderno e vazio, às coisas que nossas mães, com suas sutilezas emocionais, nem percebiam. Fumaças do ontem…
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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