O objetivo principal desta comunicação é levantar a questão de como a imigração italiana é tratada na Literatura Brasileira e sua respectiva influência, baseando o estudo da temática nas obras: Brás, Bexiga e Barra Funda, de António de Alcântara Machado. O Quatrilho, de José Clemente Pozenato e Anarquistas, Graças a Deus de Zélia Gattai.
Primeiramente, é imprescindível um esclarecimento do contexto histórico durante a imigração no Brasil e suas causas, com maior enfoque à imigração italiana nas regiões de maior influência, onde as obras citadas foram ambientadas. Partindo das causas da imigração e posteriormente para a imigração italiana no estado de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Durante o século XIX o Brasil tem um período de grande expansão cafeeira no Sudeste, pelo grande consumo dos E.U.A. e Europa e com a crise dos produtores asiáticos os preços mantêm-se em alta. Em 1850, D. Pedro II proíbe o tráfico africano, e, em 1888 a princesa Isabel cede as pressões inglesas e assina a abolição. A solução encontrada é a atração de imigrantes estrangeiros, com o apoio oficial. (Almanaque Abril: 1998, 34).
Além da preocupação de obter mão-de-obra existia o interesse de povoar o sul do Brasil, evitando o risco de alguma invasão, atrair população branca oprimindo os negros e mestiços que eram obrigados a concorrer com os trabalhadores imigrantes em regime de parceria, recebendo por produção ou como assalariados. (Almanaque Abril: 1998, 92).
No século XX, países como Alemanha e Itália, em pleno desenvolvimento do capitalismo, geravam um excedente populacional sem terra e sem trabalho, provocando uma tensão social. A emergência da indústria e desarticulação do trabalho industrial contribuíram para a expulsão da população, juntamente com o processo de unificação de alguns países, conflitos civis aumentavam o número de camponeses arruinados. Através de propagandas de incentivo à imigração milhares de imigrantes foram atraídos para o Brasil, enfrentando viagens marítimas em porões de navios cargueiros, encontraram uma realidade muito diferente no país de destino. Os imigrantes italianos chegaram ao Brasil com pequenas quotas em 1836, 1847, 1852 e 1853, crescendo expressivamente a partir de 1877, tornando-se o segundo principal contingente estrangeiro, depois dos portugueses (Diégues Júnior: 1972, 107). Alguns rumam para lavouras de café em São Paulo, com o intuito de tornarem-se independentes ou, na maioria das vezes, irem para a cidade para trabalhar em indústrias. No Rio Grande do Sul, os imigrantes italianos chegaram a partir de 1875, em situação de desvantagem perante a imigração alemã, que chegaram 50 anos antes (Pesavento: 1985, 50).
Nas primeiras décadas do século XX, com a consolidação da República de inspiração positivista o Brasil revezava paulistas e mineiros no poder com a política café-com-leite. Neste início de século, ao lado dos imigrantes espanhóis, os italianos tem grande influência nos grupos anarco-sindicalistas nas áreas industriais de São Paulo e Rio Grande do Sul, participando na massa operária, a frente de greves sangrentas reinvidicando seus direitos e mais tarde obtendo a Legislação Trabalhista, esta influência é enfraquecida com a presença de grupos menos reinvidicadores e a repressão política, que culmina com a proibição da entrada dos imigrantes em 1932 (Bastilde: 1973, 201-2) e (Pesavento: 1985, 80-2).
A etnologia brasileira sempre centrada no estudo do índio, no início deste século também dirige suas atenções ao elemento branco, principalmente os grupos entrados com a imigração e a existência ou não de assimilação por determinado grupo em outro (Diégues Júnior: 1972, 14-24), passando para o campo literário, durante o período Romântico o índio é a grande fonte de inspiração como forma de acentuar o nacionalismo, já no Realismo as atenções são voltadas para os problemas político-sociais e grupos marginalizados, como o negro, mas é apenas no pré-modernismo que o tema da imigração é tratado com Graça Aranha em Canaã, retratando as primeiras experiências da imigração alemã no estado do Espírito Santo, através de dois personagens centrais, Milkau o imigrante que acredita na “Canaã” e Lentz voltado para a superioridade de sua raça sem adaptar-se a realidade brasileira. Segundo Alfredo Bosi:
“(...) E o contraste entre o racismo e o universalismo, entre a “lei da força” e a “lei do amor” que polariza ideologicamente, em Canaã, as atitudes do imigrante europeu diante da sua nova morada." (in Nicola: 1998, 265).
Brás, Bexiga e Barra Funda.
Em 1927, o cronista e contista António de Alcântara Machado, com a publicação desta obra composta por onze contos, trata do tema da imigração italiana e a primeira geração de ítalo-brasileiros em ascensão na capital paulista. Aristocrata e de família tradicional paulista, mesmo não participando da Semana de Arte Moderna de 1922, este escritor da primeira geração moderna sob seu estilo impressionista, irônico, utilizando uma linguagem “macarrônica” mistura do português com o italiano, baseado nas crônicas de Juó Bananére retratando a comédia diária e os dramas dos imigrantes italianos dos três bairros – título, transmite a “xenofobia” das famílias tradicionais paulistas perante os imigrantes italianos na década de 20 modificando a paisagem e trazendo seus costumes, buscando a ascensão social, mesmo com a procura de neutralidade expressa no Artigo de fundo:
“(...) Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo” (Alcântara Machado: 1997, 27).
A ascensão social do imigrante é retratada nos contos: A sociedade, Armazém progresso. A busca de assimilação da cultura brasileira pelo imigrante, em: Nacionalidade e Tiro de guerra nº. 35. A família numerosa e miserável, em Lisetta. É a primeira vez em nossa literatura, que a imigração italiana é tratada, mesmo sobre o ponto de vista de um aristocrata brasileiro da época, de uma forma caricatural, como fizera em suas crônicas Juó Bananére (Alexandre Ribeiro Marcondes Machado) da luta, dos costumes destes imigrantes, transmitindo a reação das famílias tradicionais brasileiras perante a imigração italiana.
Anarquistas, Graças a Deus
Em 1979, a escritora ítalo-brasileira publica esta obra em que faz uma rememoração de episódios de sua infância e adolescência, agora o tema da imigração italiana é tratado sob a visão de uma filha de imigrantes italianos na capital paulista iniciando a narrativa em 1910. Baseada em fatos verídicos, a saga da família de seus pais nos transmite a imigração italiana e a realidade vivida pelos imigrantes, desde a saída do país de origem até sua estabilidade na capital, nos episódios: Seu Ernesto conta uma história, A Colônia Cecília, Dr. Giovanni C. Gárdias, Começo da viagem, Serviço de imigração e saúde, Bandeira Vermelha e Preta e Fim da Colônia Cecília retratam a propaganda de atração de imigrantes feita na Itália, as péssimas condições de viagem, a realidade brasileira sob a visão e realidade do imigrante estrangeiro. Já em suas narrações Zélia Gattai retrata a primeira geração de ítalo-brasileiros surgindo à procura de ascensão social e busca de assimilação da cultura brasileira como são evidentes nos episódios que envolvem discussões entre Wanda e Ernesto sobre o quadro anarquista, Angelina e suas filhas que criticam os costumes e a linguagem da mãe. As lutas anarquistas e socialistas e as repressões políticas que os imigrantes sofriam são retratadas nos episódios: Vizinhança Nova e estado novo, imigração italiana, as classes laboriosas, conde Fróla. A confusão de identidade nacional é presente nas falas de Angelina, uma mistura de porturês com dialeto da região italiana de onde sua família provinha.
A escritora faz um paralelo entre a saga de imigrantes italianos, sua chegada no Brasil no século XIX e a primeira geração de ítalo-brasileiros em São Paulo no início da industrialização, sob uma visão realista de uma filha de imigrantes mostrando a imigração e a realidade encontrada pelos imigrantes.
O Quatrilho
Em 1985, o escritor ítalo-brasileiro José Clemente Pozenato publica este romance com a trama principal o desvario amoroso de dois casais jovens de imigrantes italianos, mostrando a vida rude, difícil e o poder da religião sobre os imigrantes no ambiente rural.
A história se passa em Caxias do Sul – RS no período de 1908 à 1930. Na colônia de Santa Corona, Angelo Gardoine casa com Teresa, prima de Pierina, casada com Massimo Boschini. Em serões na casa de parentes Teresa e Massimo se apaixonam. Com o nascimento de Rosa (filha de Angelo e Teresa) Angelo volta a colônia e propõe sociedade à Massimo na compra de uma propriedade em San Giuseppe, mesmo com o preço exorbitante fazem negócio com Batiston. Os dois casais passam a morar na única casa, enquanto Massimo constrói o moinho, Angelo é responsável pela lavoura. Massimo e Teresa tornam-se amantes e três meses depois fogem com Rosa. Pierina permanece com seus dois filhos e Angelo na casa, dispostos a continuar os negócios, com o tempo o casal passa a viverm em concubinato. Pierina grávida é o alvo dos preconceitos moralistas de Padre Gentile, com o desentendimento com Angelo, Gentile manipula os habitantes da colônia para ignorar o casal e seus negócios, levando Angelo a continuar trabalhando em outras cidades. Pierina enfrenta Padre Gentile durante uma missa. Passados vinte anos o mesmo padre aparece na casa do casal, agora com nove filhos e situação abastada, “redimindo-se” de seus preconceitos. Teresa envia uma carta à padre Giobbe e sua mãe com sua fotografia com Massimo e seus três filhos, em São Paulo.
Importante observar nesta obra, a reafirmação das raízes da colonização italiana no Rio Grande do Sul feita pelo escritor, procurando retratar a realidade sofrida pelo imigrante italiano no Brasil e no ambiente rural, sob a visão do imigrante. Nas reflexões de Angelo, relata a fuga do imigrante de seu país de origem e situação de miséria, e chegada em um país ainda “jovem”. Nesta obra, a linguagem também é recheada de expressões em dialeto vêneto e não em italiano oficial como faz António de Alcântara Machado na fala de seus personagens, considerando que entre a maioria dos imigrantes italianos predominavam o dialeto regional usado inclusive pelos analfabetos no país de origem. A dificuldade de aprender a nova língua encontrada pelo imigrante e o medo de assim ser trapaceados por negociantes brasileiros é mostrado no episódio que Angelo encontra dois fazendeiros brasileiros afirmando sua dificuldade de entendê-los em português (cap. 2 – Segunda Contagem) . A caracterização das personagens é muito interessante abrangendo temas sobre a religião, o casamento, a submissão da mulher, a repressão ideológica. Os padres Giobbe e Gentile demonstram a hipocrisia e o moralismo clerical. Giobbe é o imigrante que para fugir da miséria ingressou no seminário e questiona em suas reflexões o moralismo ensinado pela igreja e a realidade dos colonos. Gentile é o religioso hipócrita e manipulador. Angelo é o imigrante em busca de ascensão no meio rural. Pierina mulher rude, submissa alvo de preconceitos por viver em concubinato. Teresa é a mulher que não encontra amor no casamento mas na traição. Scariot o anarquista marginalizado que contesta a exploração e submissão dos colonos, a manipulação da Igreja.
Pozenato e Zélia Gattai representam a geração de ítalo-brasileiros em busca de suas raízes retratando com realismo o lado do imigrante italiano na imigração, sua saga, sofrimento fuga da miséria, sua contribuição dada ao novo país sem reduzir a história de um povo e sua imigração à sátira de seus costumes trazendo uma visão esteriotipada, ou como o enfoque norte-americano que traz obras transportadas ao cinema que pouco se trata da contribuição dos imigrantes italianos reduzindo a Comunidade italiana naquele país a máfia, caracterizando como um povo desprovido de valores éticos e morais, oprimido e marginalizando um povo e sua imigração.
Portanto, a influência da imigração italiana na Literatura Brasileira é caracterizada basicamente em dois momentos. O primeiro, marcado pela reação das famílias tradicionais brasileiras perante o imigrante italiano em seu processo de adaptação, sua dualidade de nacionalidade transformando a paisagem e a etnia brasileira nas primeiras décadas o século XX, retratada pela obra Brás, Bexiga e Barra Funda do contista António de Alcântara Machado sob uma visão caricatural de um aristocrata da época. O segundo é caracterizado pela nova geração de ítalo-brasileiros e seus descendentes em busca de suas raízes, identidade cultural mostrando a imigração sob a visão e vivência dos imigrantes italianos, sua história, sua saga, suas contribuições ao desenvolvimento do país em que se estabeleceu retratada pelos escritores ítalo-brasileiros José Clemente Pozenato em O Quatrilho e Zélia Gattai em Anarquistas, Graças a Deus, sem esquecer das repressões políticas e a marginalização feita pela aristocracia brasileira aos imigrantes, não muito diferente daquela sofrida pelos negros e índios no Brasil.
Fonte:
Extraído de
Ligia Simoneli
A influência da imigração italiana na Literatura Brasileira
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM
XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paraná) 21-23 out 1999 - Campo Mourão. Maringá: Depto.de Letras da UEM, 2000 (Org. Thomas Bonnici)
(CD-Rom)
P.S. Com o intuito de preservar os direitos autorais da autora, as referências bibliográficas foram propositalmente retiradas, o que não afeta em hipótese alguma a veracidade e importância do documento.
Primeiramente, é imprescindível um esclarecimento do contexto histórico durante a imigração no Brasil e suas causas, com maior enfoque à imigração italiana nas regiões de maior influência, onde as obras citadas foram ambientadas. Partindo das causas da imigração e posteriormente para a imigração italiana no estado de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Durante o século XIX o Brasil tem um período de grande expansão cafeeira no Sudeste, pelo grande consumo dos E.U.A. e Europa e com a crise dos produtores asiáticos os preços mantêm-se em alta. Em 1850, D. Pedro II proíbe o tráfico africano, e, em 1888 a princesa Isabel cede as pressões inglesas e assina a abolição. A solução encontrada é a atração de imigrantes estrangeiros, com o apoio oficial. (Almanaque Abril: 1998, 34).
Além da preocupação de obter mão-de-obra existia o interesse de povoar o sul do Brasil, evitando o risco de alguma invasão, atrair população branca oprimindo os negros e mestiços que eram obrigados a concorrer com os trabalhadores imigrantes em regime de parceria, recebendo por produção ou como assalariados. (Almanaque Abril: 1998, 92).
No século XX, países como Alemanha e Itália, em pleno desenvolvimento do capitalismo, geravam um excedente populacional sem terra e sem trabalho, provocando uma tensão social. A emergência da indústria e desarticulação do trabalho industrial contribuíram para a expulsão da população, juntamente com o processo de unificação de alguns países, conflitos civis aumentavam o número de camponeses arruinados. Através de propagandas de incentivo à imigração milhares de imigrantes foram atraídos para o Brasil, enfrentando viagens marítimas em porões de navios cargueiros, encontraram uma realidade muito diferente no país de destino. Os imigrantes italianos chegaram ao Brasil com pequenas quotas em 1836, 1847, 1852 e 1853, crescendo expressivamente a partir de 1877, tornando-se o segundo principal contingente estrangeiro, depois dos portugueses (Diégues Júnior: 1972, 107). Alguns rumam para lavouras de café em São Paulo, com o intuito de tornarem-se independentes ou, na maioria das vezes, irem para a cidade para trabalhar em indústrias. No Rio Grande do Sul, os imigrantes italianos chegaram a partir de 1875, em situação de desvantagem perante a imigração alemã, que chegaram 50 anos antes (Pesavento: 1985, 50).
Nas primeiras décadas do século XX, com a consolidação da República de inspiração positivista o Brasil revezava paulistas e mineiros no poder com a política café-com-leite. Neste início de século, ao lado dos imigrantes espanhóis, os italianos tem grande influência nos grupos anarco-sindicalistas nas áreas industriais de São Paulo e Rio Grande do Sul, participando na massa operária, a frente de greves sangrentas reinvidicando seus direitos e mais tarde obtendo a Legislação Trabalhista, esta influência é enfraquecida com a presença de grupos menos reinvidicadores e a repressão política, que culmina com a proibição da entrada dos imigrantes em 1932 (Bastilde: 1973, 201-2) e (Pesavento: 1985, 80-2).
A etnologia brasileira sempre centrada no estudo do índio, no início deste século também dirige suas atenções ao elemento branco, principalmente os grupos entrados com a imigração e a existência ou não de assimilação por determinado grupo em outro (Diégues Júnior: 1972, 14-24), passando para o campo literário, durante o período Romântico o índio é a grande fonte de inspiração como forma de acentuar o nacionalismo, já no Realismo as atenções são voltadas para os problemas político-sociais e grupos marginalizados, como o negro, mas é apenas no pré-modernismo que o tema da imigração é tratado com Graça Aranha em Canaã, retratando as primeiras experiências da imigração alemã no estado do Espírito Santo, através de dois personagens centrais, Milkau o imigrante que acredita na “Canaã” e Lentz voltado para a superioridade de sua raça sem adaptar-se a realidade brasileira. Segundo Alfredo Bosi:
“(...) E o contraste entre o racismo e o universalismo, entre a “lei da força” e a “lei do amor” que polariza ideologicamente, em Canaã, as atitudes do imigrante europeu diante da sua nova morada." (in Nicola: 1998, 265).
Brás, Bexiga e Barra Funda.
Em 1927, o cronista e contista António de Alcântara Machado, com a publicação desta obra composta por onze contos, trata do tema da imigração italiana e a primeira geração de ítalo-brasileiros em ascensão na capital paulista. Aristocrata e de família tradicional paulista, mesmo não participando da Semana de Arte Moderna de 1922, este escritor da primeira geração moderna sob seu estilo impressionista, irônico, utilizando uma linguagem “macarrônica” mistura do português com o italiano, baseado nas crônicas de Juó Bananére retratando a comédia diária e os dramas dos imigrantes italianos dos três bairros – título, transmite a “xenofobia” das famílias tradicionais paulistas perante os imigrantes italianos na década de 20 modificando a paisagem e trazendo seus costumes, buscando a ascensão social, mesmo com a procura de neutralidade expressa no Artigo de fundo:
“(...) Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo” (Alcântara Machado: 1997, 27).
A ascensão social do imigrante é retratada nos contos: A sociedade, Armazém progresso. A busca de assimilação da cultura brasileira pelo imigrante, em: Nacionalidade e Tiro de guerra nº. 35. A família numerosa e miserável, em Lisetta. É a primeira vez em nossa literatura, que a imigração italiana é tratada, mesmo sobre o ponto de vista de um aristocrata brasileiro da época, de uma forma caricatural, como fizera em suas crônicas Juó Bananére (Alexandre Ribeiro Marcondes Machado) da luta, dos costumes destes imigrantes, transmitindo a reação das famílias tradicionais brasileiras perante a imigração italiana.
Anarquistas, Graças a Deus
Em 1979, a escritora ítalo-brasileira publica esta obra em que faz uma rememoração de episódios de sua infância e adolescência, agora o tema da imigração italiana é tratado sob a visão de uma filha de imigrantes italianos na capital paulista iniciando a narrativa em 1910. Baseada em fatos verídicos, a saga da família de seus pais nos transmite a imigração italiana e a realidade vivida pelos imigrantes, desde a saída do país de origem até sua estabilidade na capital, nos episódios: Seu Ernesto conta uma história, A Colônia Cecília, Dr. Giovanni C. Gárdias, Começo da viagem, Serviço de imigração e saúde, Bandeira Vermelha e Preta e Fim da Colônia Cecília retratam a propaganda de atração de imigrantes feita na Itália, as péssimas condições de viagem, a realidade brasileira sob a visão e realidade do imigrante estrangeiro. Já em suas narrações Zélia Gattai retrata a primeira geração de ítalo-brasileiros surgindo à procura de ascensão social e busca de assimilação da cultura brasileira como são evidentes nos episódios que envolvem discussões entre Wanda e Ernesto sobre o quadro anarquista, Angelina e suas filhas que criticam os costumes e a linguagem da mãe. As lutas anarquistas e socialistas e as repressões políticas que os imigrantes sofriam são retratadas nos episódios: Vizinhança Nova e estado novo, imigração italiana, as classes laboriosas, conde Fróla. A confusão de identidade nacional é presente nas falas de Angelina, uma mistura de porturês com dialeto da região italiana de onde sua família provinha.
A escritora faz um paralelo entre a saga de imigrantes italianos, sua chegada no Brasil no século XIX e a primeira geração de ítalo-brasileiros em São Paulo no início da industrialização, sob uma visão realista de uma filha de imigrantes mostrando a imigração e a realidade encontrada pelos imigrantes.
O Quatrilho
Em 1985, o escritor ítalo-brasileiro José Clemente Pozenato publica este romance com a trama principal o desvario amoroso de dois casais jovens de imigrantes italianos, mostrando a vida rude, difícil e o poder da religião sobre os imigrantes no ambiente rural.
A história se passa em Caxias do Sul – RS no período de 1908 à 1930. Na colônia de Santa Corona, Angelo Gardoine casa com Teresa, prima de Pierina, casada com Massimo Boschini. Em serões na casa de parentes Teresa e Massimo se apaixonam. Com o nascimento de Rosa (filha de Angelo e Teresa) Angelo volta a colônia e propõe sociedade à Massimo na compra de uma propriedade em San Giuseppe, mesmo com o preço exorbitante fazem negócio com Batiston. Os dois casais passam a morar na única casa, enquanto Massimo constrói o moinho, Angelo é responsável pela lavoura. Massimo e Teresa tornam-se amantes e três meses depois fogem com Rosa. Pierina permanece com seus dois filhos e Angelo na casa, dispostos a continuar os negócios, com o tempo o casal passa a viverm em concubinato. Pierina grávida é o alvo dos preconceitos moralistas de Padre Gentile, com o desentendimento com Angelo, Gentile manipula os habitantes da colônia para ignorar o casal e seus negócios, levando Angelo a continuar trabalhando em outras cidades. Pierina enfrenta Padre Gentile durante uma missa. Passados vinte anos o mesmo padre aparece na casa do casal, agora com nove filhos e situação abastada, “redimindo-se” de seus preconceitos. Teresa envia uma carta à padre Giobbe e sua mãe com sua fotografia com Massimo e seus três filhos, em São Paulo.
Importante observar nesta obra, a reafirmação das raízes da colonização italiana no Rio Grande do Sul feita pelo escritor, procurando retratar a realidade sofrida pelo imigrante italiano no Brasil e no ambiente rural, sob a visão do imigrante. Nas reflexões de Angelo, relata a fuga do imigrante de seu país de origem e situação de miséria, e chegada em um país ainda “jovem”. Nesta obra, a linguagem também é recheada de expressões em dialeto vêneto e não em italiano oficial como faz António de Alcântara Machado na fala de seus personagens, considerando que entre a maioria dos imigrantes italianos predominavam o dialeto regional usado inclusive pelos analfabetos no país de origem. A dificuldade de aprender a nova língua encontrada pelo imigrante e o medo de assim ser trapaceados por negociantes brasileiros é mostrado no episódio que Angelo encontra dois fazendeiros brasileiros afirmando sua dificuldade de entendê-los em português (cap. 2 – Segunda Contagem) . A caracterização das personagens é muito interessante abrangendo temas sobre a religião, o casamento, a submissão da mulher, a repressão ideológica. Os padres Giobbe e Gentile demonstram a hipocrisia e o moralismo clerical. Giobbe é o imigrante que para fugir da miséria ingressou no seminário e questiona em suas reflexões o moralismo ensinado pela igreja e a realidade dos colonos. Gentile é o religioso hipócrita e manipulador. Angelo é o imigrante em busca de ascensão no meio rural. Pierina mulher rude, submissa alvo de preconceitos por viver em concubinato. Teresa é a mulher que não encontra amor no casamento mas na traição. Scariot o anarquista marginalizado que contesta a exploração e submissão dos colonos, a manipulação da Igreja.
Pozenato e Zélia Gattai representam a geração de ítalo-brasileiros em busca de suas raízes retratando com realismo o lado do imigrante italiano na imigração, sua saga, sofrimento fuga da miséria, sua contribuição dada ao novo país sem reduzir a história de um povo e sua imigração à sátira de seus costumes trazendo uma visão esteriotipada, ou como o enfoque norte-americano que traz obras transportadas ao cinema que pouco se trata da contribuição dos imigrantes italianos reduzindo a Comunidade italiana naquele país a máfia, caracterizando como um povo desprovido de valores éticos e morais, oprimido e marginalizando um povo e sua imigração.
Portanto, a influência da imigração italiana na Literatura Brasileira é caracterizada basicamente em dois momentos. O primeiro, marcado pela reação das famílias tradicionais brasileiras perante o imigrante italiano em seu processo de adaptação, sua dualidade de nacionalidade transformando a paisagem e a etnia brasileira nas primeiras décadas o século XX, retratada pela obra Brás, Bexiga e Barra Funda do contista António de Alcântara Machado sob uma visão caricatural de um aristocrata da época. O segundo é caracterizado pela nova geração de ítalo-brasileiros e seus descendentes em busca de suas raízes, identidade cultural mostrando a imigração sob a visão e vivência dos imigrantes italianos, sua história, sua saga, suas contribuições ao desenvolvimento do país em que se estabeleceu retratada pelos escritores ítalo-brasileiros José Clemente Pozenato em O Quatrilho e Zélia Gattai em Anarquistas, Graças a Deus, sem esquecer das repressões políticas e a marginalização feita pela aristocracia brasileira aos imigrantes, não muito diferente daquela sofrida pelos negros e índios no Brasil.
Fonte:
Extraído de
Ligia Simoneli
A influência da imigração italiana na Literatura Brasileira
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM
XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paraná) 21-23 out 1999 - Campo Mourão. Maringá: Depto.de Letras da UEM, 2000 (Org. Thomas Bonnici)
(CD-Rom)
P.S. Com o intuito de preservar os direitos autorais da autora, as referências bibliográficas foram propositalmente retiradas, o que não afeta em hipótese alguma a veracidade e importância do documento.
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