De Pasárgada a Shangri-la, dez mundos que existem só na literatura. O pernambucano Manuel Bandeira no poema “Vou-me embora pra Pasárgada” apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente
Manuel Bandeira nunca foi agente de turismo, mas propagandeou como poucos, um dos destinos mais conhecidos dos brasileiros: Pasárgada, paraíso detectado somente pelos radares da imaginação e onde a felicidade está à espera. Como ela, inúmeras outras terras compõem o extenso mapa de lugares criados pela literatura, latitudes de uma geografia inabalada por acordos ou guerras, incólume e infalivelmente mutante a cada olhar.
No poema “Vou-me embora pra Pasárgada” (publicado em Libertinagem), o pernambucano apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente, e onde mulheres bonitas, livres e dispostas oferecem prazeres infinitos. Pasárgada, a real, foi uma cidade da antiga Pérsia e surgiu sob os olhos de Bandeira durante uma leitura de Xenofonte.
Se os vapores do Oriente são nada mais que envoltório para o delirante mundo do modernista, eles inundam a Shangri-La de James Hilton, criação tão indelével que se transformou em substantivo de uso cotidiano. Em Horizonte perdido, o inglês desvela uma comunidade encravada no Tibete, em que a saúde e a longevidade não são privilégios, mas marca de todos os habitantes. Nesse recanto para poucos eleitos – e de onde não se pode sair –, os homens compartilham a abundância, regidos pela moderação e pela bondade.
Com encantos ainda mais extraordinários, a Terra Média de J. R. R. Tolkien é constituída de sabedoria e de sombras. Ao longo de diversas eras, homens, elfos, anões e hobbits combatem malignas criaturas que buscam o domínio de todos os seres.
De seres míticos se recobre igualmente a Atlântida, continente tragado pelas águas que emergiu pela primeira vez em Timeu e Crítias, de Platão, para ser depois visitado reiteradas vezes pela literatura universal. A avançada e poderosa civilização dos imensos atlantes teria sido destruída pelos deuses em conseqüência de sua corrupção.
Em contraste com os gigantes no fundo do mar, as diminutas criaturas de Lilipute são quem habita o país mais popular da obra de Jonathan Swift, Viagens de Gulliver. Na fábula, crítica à sociedade de seu tempo, o irlandês relata como um médico se depara, entre estranhas nações, com essa terra de excelentes matemáticos, homens altivos a despeito da insignificante altura.
Devoção ao conhecimento também é o que se exige dos que pretendem cruzar os portais de Tlön, cujos indícios se escondem em uma enciclopédia. Erguida pela mente de Jorge Luis Borges, em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” (conto presente em Ficções), essa sociedade de intelectuais termina por homogeneizar e subjugar os homens.
A espécie humana tal qual a conhecemos tampouco se encaixa na Terra do Nunca, onde a infância é lei. Há 105 anos é para lá que voa Peter Pan, desde que J. M. Barrie criou esse ser que nunca envelhece. Ainda mais antigo, outro clássico infantil, Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, descortina um universo cujo mestre-de-cerimônias é um coelho estressado e arrogante. Lá, um gato sorri sem parar e uma lagarta fuma narguilé tranqüilamente, mesmo sob o jugo de uma rainha obcecada por cortar cabeças.
Se em Alice há quem enxergue uma alegoria dos dilemas da adolescência, com a garota que se vê todo o tempo minúscula e imensa, temas mais espinhosos, como a perda da liberdade de expressão, não só permeiam como por vezes estão na razão de ser de Alefbey, criado por Salman Rushdie em Haroun e o mar de histórias. Aí está a mais triste das cidades, pátria de uma criança e de seu pai, contador de histórias que, após o abandono pela mulher, perde a capacidade narrativa.
Por fim, este périplo não poderia terminar em outra parada que não Macondo, a remota cidade de Cem anos de solidão, obra-prima de Gabriel García Márquez. Erguida em meio a charcos, serras e pantanais, de tão familiar talvez seja a mais fantasticamente real de todas as paragens que visitamos até aqui, com sua superpopulação de superstições e enigmas, misérias, maravilhas e esquecimentos.
Os dez livros
- Libertinagem & Estrela da manhã, de Manuel Bandeira
- O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien
- Horizonte perdido, de James Hilton
- Timeu e Crítias ou a Atlântida, de Platão,
- Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
- Ficções, de Jorge Luis Borges
- Peter Pan, de James M. Barrie
- Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll
- Haroun e o mar de histórias, de Salman Rushdie
- Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez
Fonte: Denise Mota. Lugares Imaginários.
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/lugares_imaginarios.html
Manuel Bandeira nunca foi agente de turismo, mas propagandeou como poucos, um dos destinos mais conhecidos dos brasileiros: Pasárgada, paraíso detectado somente pelos radares da imaginação e onde a felicidade está à espera. Como ela, inúmeras outras terras compõem o extenso mapa de lugares criados pela literatura, latitudes de uma geografia inabalada por acordos ou guerras, incólume e infalivelmente mutante a cada olhar.
No poema “Vou-me embora pra Pasárgada” (publicado em Libertinagem), o pernambucano apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente, e onde mulheres bonitas, livres e dispostas oferecem prazeres infinitos. Pasárgada, a real, foi uma cidade da antiga Pérsia e surgiu sob os olhos de Bandeira durante uma leitura de Xenofonte.
Se os vapores do Oriente são nada mais que envoltório para o delirante mundo do modernista, eles inundam a Shangri-La de James Hilton, criação tão indelével que se transformou em substantivo de uso cotidiano. Em Horizonte perdido, o inglês desvela uma comunidade encravada no Tibete, em que a saúde e a longevidade não são privilégios, mas marca de todos os habitantes. Nesse recanto para poucos eleitos – e de onde não se pode sair –, os homens compartilham a abundância, regidos pela moderação e pela bondade.
Com encantos ainda mais extraordinários, a Terra Média de J. R. R. Tolkien é constituída de sabedoria e de sombras. Ao longo de diversas eras, homens, elfos, anões e hobbits combatem malignas criaturas que buscam o domínio de todos os seres.
De seres míticos se recobre igualmente a Atlântida, continente tragado pelas águas que emergiu pela primeira vez em Timeu e Crítias, de Platão, para ser depois visitado reiteradas vezes pela literatura universal. A avançada e poderosa civilização dos imensos atlantes teria sido destruída pelos deuses em conseqüência de sua corrupção.
Em contraste com os gigantes no fundo do mar, as diminutas criaturas de Lilipute são quem habita o país mais popular da obra de Jonathan Swift, Viagens de Gulliver. Na fábula, crítica à sociedade de seu tempo, o irlandês relata como um médico se depara, entre estranhas nações, com essa terra de excelentes matemáticos, homens altivos a despeito da insignificante altura.
Devoção ao conhecimento também é o que se exige dos que pretendem cruzar os portais de Tlön, cujos indícios se escondem em uma enciclopédia. Erguida pela mente de Jorge Luis Borges, em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” (conto presente em Ficções), essa sociedade de intelectuais termina por homogeneizar e subjugar os homens.
A espécie humana tal qual a conhecemos tampouco se encaixa na Terra do Nunca, onde a infância é lei. Há 105 anos é para lá que voa Peter Pan, desde que J. M. Barrie criou esse ser que nunca envelhece. Ainda mais antigo, outro clássico infantil, Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, descortina um universo cujo mestre-de-cerimônias é um coelho estressado e arrogante. Lá, um gato sorri sem parar e uma lagarta fuma narguilé tranqüilamente, mesmo sob o jugo de uma rainha obcecada por cortar cabeças.
Se em Alice há quem enxergue uma alegoria dos dilemas da adolescência, com a garota que se vê todo o tempo minúscula e imensa, temas mais espinhosos, como a perda da liberdade de expressão, não só permeiam como por vezes estão na razão de ser de Alefbey, criado por Salman Rushdie em Haroun e o mar de histórias. Aí está a mais triste das cidades, pátria de uma criança e de seu pai, contador de histórias que, após o abandono pela mulher, perde a capacidade narrativa.
Por fim, este périplo não poderia terminar em outra parada que não Macondo, a remota cidade de Cem anos de solidão, obra-prima de Gabriel García Márquez. Erguida em meio a charcos, serras e pantanais, de tão familiar talvez seja a mais fantasticamente real de todas as paragens que visitamos até aqui, com sua superpopulação de superstições e enigmas, misérias, maravilhas e esquecimentos.
Os dez livros
- Libertinagem & Estrela da manhã, de Manuel Bandeira
- O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien
- Horizonte perdido, de James Hilton
- Timeu e Crítias ou a Atlântida, de Platão,
- Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
- Ficções, de Jorge Luis Borges
- Peter Pan, de James M. Barrie
- Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll
- Haroun e o mar de histórias, de Salman Rushdie
- Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez
Fonte: Denise Mota. Lugares Imaginários.
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/lugares_imaginarios.html
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