sábado, 2 de fevereiro de 2008

Mario de Andrade (1893 - 1945)

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquisila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar de uma vez:
E só tirar a cortina
Que entra luz nesta escuridez.
(A Costela de Grão Cão)


1893: Nasce Mário Raul de Moraes Andrade, no dia 9 de outubro, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade; na Rua Aurora, 320, em São Paulo - SP.
  • 1904: Escreve o primeiro poema, cantado com palavras inventadas. "O estalo veio num desastre da Central durante um piquenique de subúrbio. Me deu de repente vontade de fazer um poema herói-cômico sobre o sucedido, e fiz. Gostei, gostaram. Então continuei. Mas isso foi o estralo apenas. Apenas já fizera algumas estrofes soltas, assim de dois em três anos; e aos dez, mais ou menos, uma poesia cantada, de espírito digamos super realista, que desgostou muito minha mãe. "— Que bobagem é essa, meu filho?" — ela vinha. Mas eu não conseguia me conter. Cantava muito aquilo. Até hoje sei essa poesia de cor, e a música também. Mas na verdade ninguém se faz escritor. Tenho a certeza de que fui escritor desde que concebido. Ou antes... Meu avô materno foi escritor de ficção. Meu pai também. Tenho uma desconfiança vaga de que refinei a raça..." Este o depoimento do escritor a Homero Senna, publicado no livro "República das Letras", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1996, 3a. edição, sobre como havia começado a escrever.
  • 1905: Ingressa no Ginásio N. Sra. do Carmo dos Irmãos Maristas.
  • 1909: Forma-se bacharel em Ciências e Letras. Terminado o curso multiplica leituras e freqüenta concertos e conferências.
  • 1910: Cursa o primeiro ano da faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo.
  • 1911: Inicia estudos no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
  • 1913: Morre seu irmão Renato, aos 14 anos, devido a complicações decorrentes de uma cabeçada em jogo de futebol. Abalado pelo fato e trabalhando em excesso, Mário tem uma profunda crise emocional. Passa um tempo em Araraquara, na fazenda da família. Quando retorna desiste da carreira de concertista devido a suas mãos terem se tornado trêmulas. Dedica-se, então a carreira de professor de música.
  • 1915: Conclui curso de canto no Conservatório.
  • 1916: Conclui, como voluntário, o Serviço Militar.
  • 1917: Diploma-se em piano pelo Conservatório. Morre seu pai. Publica Há uma gota de sangue em cada poema, poesia, sob o pseudônimo de Mário Sobral. Primeiro contato com a modernidade na Exposição de Anita Malfatti. Primeira viagem a Minas: encontra o barroco mineiro, visita Alphonsus de Guimarães. Já iniciou sua Marginália.
  • 1918: Recebe Diploma de Membro da Congregação Mariana de N. Sra. da Conceição da Igreja de Santa Ifigênia. Noviciado na Ordem Terceira do Carmo. Nomeado professor no Conservatório. Escreve contos e poemas. Colabora ocasionalmente em jornais e revistas como crítico de arte e cronista; em A Gazeta e O Echo (São Paulo).
  • 1919: Profissão na Ordem Terceira do Carmo a 19 de março. É colaborador de A Cigarra, O Echo e A Gazeta. Viagem a Minas Gerais, visitando as cidades históricas.
  • 1920: Lê obras Index . Faz parte do grupo modernista de São Paulo. Colabora em Papel e Tinta (São Paulo), na Revista do Brasil (Rio de Janeiro - até 1926) e na Illustração Brasileira (Rio de Janeiro - até - 1921).
  • 1921: É professor de História da Arte no Conservatório. Pertence à Sociedade de Cultura Artística. Está presente no lançamento do Modernismo no banquete do Trianon. É apresentado ao público por Oswald de Andrade através do artigo "Meu poeta futurista" (Jornal do Commércio São Paulo). Escreve "Mestres do passado" para o citado jornal.
  • 1922: Professor catedrático de História da Música e Estética no Conservatório. Participa da Semana de Arte Moderna em São Paulo, de 13 a 18 de fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo. Faz parte do grupo da revista Klaxon, publicando poemas e críticas de literatura, artes plásticas, música e cinema. Escreve Losango Cáqui, poesia experimental. Inicia a correspondência com Manuel Bandeira, que dura até o final de sua vida. Publica Paulicéia desvairada, poesia.
  • 1923: Estuda alemão com Kaethe Meichen-Bosen, de quem se enamora. Faz parte da revista Ariel, de São Paulo. Escreve A escrava que não é Isaura, poética modernista. Continua a colaborar na Revista do Brasil (Rio de Janeiro).
  • 1924: Realiza a histórica "Viagem da Descoberta do Brasil", Semana Santa dos modernistas e seus amigos, visitando as cidades históricas em Minas. Colabora em América Brasileira (contos de Belazarte), Estética e Revista do Brasil (Rio de Janeiro).
  • 1925: Colabora n'A Revista Nova de Belo Horizonte. Publica A Escrava que não é Isaura: discurso sobre algumas tendências da poesia modernista. Adquire a tela de André Lhote, Futebol, através de Tarsila.
  • 1926: Férias em Araraquara, escrevendo Macunaíma. Publica Primeiro andar, contos, e Losango Cáqui (ou Afetos Militares de Mistura com os Porquês de eu Saber Alemão), poesia. Escreve poemas de Clã do Jaboti. Colabora na Revista de Antropofagia, na Revista do Brasil e em Terra Roxa e Outras Terras.
  • 1927: Colabora no Diário Nacional de São Paulo: crítico de arte e cronista (até 1932, quando o jornal é fechado). Estréia como romancista, publicando Amar, verbo intransitivo, que choca a burguesia paulistana com a história de Carlos, um adolescente de família tradicional iniciado nos prazeres do sexo pela sua Fraülein, contratada por seu pai exatamente para essa tarefa. Lança, também, o livro Clã do Jaboti, de poesias. Realiza a primeira "viagem etnográfica": percorrendo o Amazonas e o Peru, da qual resulta o diário O Turista Aprendiz.
  • 1928: Membro do Partido Democrático. Realiza sua segunda "viagem etnográfica": ao Nordeste do Brasil (dez. 1928 - mar. 1929). Colabora na Revista de Antropofagia e em Verde. Publica Ensaio sobre a Música Brasileira e Macunaíma - o Herói sem nenhum caráter, onde inova com audácia e rebela-se contra a mesmice das normas vigentes. Com enorme sucesso a obre repercutiu em todo o país por seus enfoques inéditos. Sob um fundo romanesco e satírico, aí se mesclavam numa narrativa exemplar a epopéia e o lirismo, a mitologia e o folclore, a história e o linguajar popular. O personagem-título, um "herói sem nenhum caráter", viria a ser uma síntese, o resumo das virtudes e defeitos do brasileiro comum.
  • 1929: Inicia coluna de crônicas "Táxi", no Diário Nacional. "Viagem etnográfica" ao Nordeste, colhendo documentos: música popular e danças dramáticas. Rompimento da amizade com Oswald de Andrade. Publica Compêndio de História da Música.
  • 1930: Apóia a Revolução de 30. Defende o Nacionalismo Musical. Publica Modinhas Imperiais, crítica e antologia, e Remate de Males, poesia.
  • 1933: Completa 40 anos. Faz crítica para o Diário de São Paulo (até 1935).
  • 1934: Diplomado Professor honorário do Instituto de Música da Bahia. Cria e passa a dirigir a Coleção Cultural Musical (Edições Cultura Brasileira - São Paulo). Colabora em Festa (Rio de Janeiro), Boletim de Ariel. Publica Belazarte, contos, e Música, Doce Música, crítica.
  • 1935: É nomeado chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do Departamento de Cultura. Publica O Aleijadinho e Álvares de Azevedo.
  • 1936: Deixa de lecionar no Conservatório. Nomeado Chefe do Departamento de Cultura da Prefeitura.
  • 1937: É contra o Estado Novo.
  • 1938: Transfere-se para o Rio de Janeiro (27 jun.), demitindo-se do Departamento de Cultura (12 mai.). É nomeado professor-catedrático de Filosofia e História da Arte na Universidade do Distrito Federal e colabora no Diário de Notícias daquela cidade. Publica Namoros com a Medicina, estudos de folclore.
  • 1939: Cria a Sociedade de Etnologia e Folclore de São Paulo, sendo seu primeiro presidente. Organiza o 1o. Congresso da Língua Nacional Cantada (jul.). Projeta a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN. É nomeado encarregado do Setor de São Paulo e Mato Grosso. Escreve poemas de A Costela do Grão Cão. Publica Samba Rural Paulista, estudo de folclore. É crítico do Diário de Notícias (até 1944) e colabora na Revista Acadêmica (Rio de Janeiro) e em O Estado de S. Paulo. Publica A Expressão Musical nos Estados Unidos.
  • 1941: Volta a viver em São Paulo, à Rua Lopes Chaves 546. Está comissionado no SPHAN. Colabora em Clima (SP).
  • 1942: Sócio-fundador da Sociedade dos Escritores Brasileiros. Colabora no Diário de S. Paulo e na Folha de S. Paulo. Publica Pequena História da Música.
  • 1943: Publica Aspectos da Literatura Brasileira, O Baile das Quatro Artes, crítica, e Os Filhos de Candinha, crônicas.
  • 1944: Escreve Lira Paulistana, poesia.
  • 1945: Coberto de reconhecimento pelo papel de vanguarda que desempenhou em três décadas, Mário de Andrade morreu em São Paulo - SP em 25 de fevereiro de 1945, vitimado por um enfarte do miocárdio, em sua casa. Foi enterrado no Cemitério da Consolação. Publicação de Lira Paulistana e Poesias completas.
Um capítulo à parte em sua produção literária sem fronteiras é constituído pela correspondência do autor, volumosa e cheia de interesse, ininterruptamente mantida com colegas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Fernando Sabino, Augusto Meyer e outros. Suas cartas conservaram, de regra, a mesma prosa saborosa de suas criações com palavras — um lirismo que, como ele disse, "nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada". Coberto de reconhecimento pelo papel de vanguarda que desempenhou em três décadas, Mário de Andrade morreu em São Paulo SP em 25 de fevereiro de 1945.

Mario de Andrade e o Socialismo
Continua crescendo a literatura sobre Mário de Andrade, numa clara demonstração de que a importância atribuída à sua obra está aumentando com o tempo.
No final do ano passado (1989), saiu um magnífico ensaio de Moacir Werneck de Castro (Mário de Andrade – Exílio no Rio, Ed. Rocco), que não só reconstituía um período crucial da vida do grande escritor paulista como divulgava documentos essenciais para a reconstituição da sua trajetória em geral.
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Entre os campeões do movimento modernista no Brasil, Mário se destacava pela amplitude de sua cultura, pela vastidão dos seus conhecimentos. Tinha uma visão panorâmica abrangente. Dispunha de um quadro de referências muito mais rico do que todos os outros.

Se o velho Hegel tinha razão quando escreveu que “a verdade é o todo”, Mário pode ser considerado, no meio dos modernistas, aquele que mais se aproximou da verdade. Ou, se concluirmos que a verdade é sempre plural, aquele que conseguiu chegar mais perto de um número maior de verdades.

Mário lia muito; e lia sobre todas as coisas. Tinha uma curiosidade insaciável. E essa curiosidade levava o tímido que ele era a vencer a timidez para conversar com seus próximos. Tratava-se – dizem – de um mestre da conversa: sabia sintonizar na onda do interlocutor e se empenhava em ouvi-lo e compreendê-lo.

Esse movimento da conversa, da abertura para o outro, na permanente disposição para cotejar sua opinião com as convicções alheias, só seria possível numa personalidade vocacionalmente reflexiva. E Mário era, de fato, um ser naturalmente inclinado à reflexão. Etimologicamente, um ser possuído pela necessidade de se debruçar outra vez (re+flectere) sobre a mesma coisa, a fim de enriquecer a primeira impressão, eventualmente corrigindo-a e superando-a.

Curiosamente, essa vocação reflexiva coexistia com um temperamento impetuoso, rebelde, que a timidez nem sempre conseguia controlar. E – é claro! – a reflexão precisou de mais tempo para se afirmar do que a rebeldia. Nos primeiros anos, prevalece uma inquietação que se manifesta com maior desenvoltura; e nos últimos anos, o ímpeto questionador (que jamais diminuiu) passa a se combinar, cada vez mais, com uma visão crítica (e auto-crítica) elaborado com maior solidez teórica.

Mário era mesmo um ser “plural”, como se lê no título do livro de Elisa Angotti Kossovitch. No começo dos anos vinte, quando se insurgia, desassombradamente, contra o conservadorismo que dominava a nossa linguagem literária, o moço ousado que demolia preconceitos ficou seriamente preocupado ao ser chamado de “futurista” num artigo de Oswald de Andrade, porque teve medo de, com o escândalo, perder os alunos das aulas de piano que ministrava (e que lhe assegurava seu sustento). Por outro lado, no último decênio da sua vida, sofrido e amadurecido, submetendo sua trajetória a uma prudente revisão, o escritor continuava a manifestar arroubos da juventude, a audácia e a coragem intelectual dos primeiros tempos.

Devemos reconhecer, entretanto, que a continuidade não excluía a mudança. A persistência das características essenciais (e contraditórias) de uma personalidade rica (e surpreendente) não deve obscurecer a significação das modificações que vão ocorrendo, ao longo da vida, na visão que Mário tinha das coisas.

As preocupações de Mário em relação à política, por exemplo, vão se tornando mais definidas; e ele vai assumindo posições mais concretamente críticas. A atitude assumida em face do comunismo também sofre alterações interessantes (e revela, igualmente, constâncias sintomáticas).

No clima de efervescência que caracterizava a vida política brasileira em torno de 1930, Mário andou lendo coisas sobre o marxismo e a União Soviética. Não chegou (parece) a ler Marx diretamente: leu Bukhárin. E fez questão de sublinhar sua distância em relação à Rússia. Numa carta ao jovem amigo Carlos Drummond de Andrade, admitia que a sua sensibilidade era receptiva a “apelos vagos porque sempre líricos, sociais, porventura comunistas (sem Rússia)” (carta de 1-7-1930, constante do livre A lição do amigo, Ed. José Olympio). Vale a pena sublinhar as palavras “sem Rússia”, colocadas entre parênteses.

Num artigo intitulado “Comunismo”, publicado no Diário Nacional (de São Paulo) em 30-11-1930, Mário se referia ironicamente à imagem do comunismo russo como “uma espécie de assombração medonha” e, de passagem, através do advérbio “verbalmente”, sugeria certa desconfiança em relação à identificação do comunismo com a União Soviética, “a primeira e a única nação que o aplicou verbalmente até agora”. Observava que a propaganda anticomunista havia exagerado as “mazelas” da URSS e os dirigentes russos reagiam, se defendendo, negando os problemas que tinham e sustentando que o regime por eles implantado assegurava a felicidade dos cidadãos. Mas havia uma “confusão pueril” na questão. Porque – como dizia Mário – “um sistema de governo jamais dará felicidade pra ninguém não. A felicidade é uma aquisição puramente individual”.

Em 6 de novembro de 1932, Mário escreveu a Drummond se queixando da posição assumida pelos comunistas brasileiros, que desqualificavam a revolta paulista de 1932 considerando-a um movimento exclusivamente burguês. E acusava, irritado: eles “mentem por pragmatismo, no seu já famoso pragmatismo que no Brasil se transformou notoriamente em licença pra todas as safadezas”.

Independentemente de todos os oportunismos que lhe causavam consternação e de todas as simplificações rudemente pragmáticas (ou dogmáticas?) dos comunistas, Mário não deixava de alimentar robustas esperanças no socialismo como idéia. Respondendo em 1933 a um questionário que lhe foi encaminhado pela Editora Macauley and Company, declarou: “Minha maior esperança é que se consiga um dia realizar no mundo o verdadeiro e ainda ignorado Socialismo. Só então o homem terá o direito de pronunciar a palavra civilização” (citado por Drummond em A lição do amigo).

O marxismo lhe parecia uma teoria um tanto tosca. Os comunistas eram, às vezes, bisonhos. Mas a ideologia que os animava e as verdades temporárias em que se apoiavam eram elementos imprescindíveis no encaminhamento da revolta ética dos intelectuais. “O intelectual pode bem – escrevia Mário – e deverá sempre se pôr a serviço duma dessas ideologias, duma dessas verdades temporárias. Mas por isso mesmo que é um cultivado, e um ser livre, por mais que minta em proveito da verdade temporária que defende, nada no mundo o impedirá de ver, de recolher e reconhecer a verdade da miséria do mundo. Da miséria dos homens. O intelectual verdadeiro, por tudo isso, sempre há de ser um homem revoltado e um revolucionário, pessimista, cético e cínico: fora da lei” (Táxi, ed. cit., p. 516).

Existia em Mário, como notou Telê Porto Ancona Lopez, “um desejo de opção política” (a expressão se encontra em Mário de Andrade: ramais e caminho, Ed. Duas Cidades). No entanto, a ética que cobrava o engajamento era a mesma ética que incitava à desconfiança em relação a todas as possibilidades concretas da militância.

Em 1938, entristecido com o fracasso de um projeto a que se dedicara durante três anos na Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, Mário resolveu se “exilar” no Rio de Janeiro, onde viveu por dois anos e oito meses. O “exílio” lhe proporcionou uma ampliação no seu círculo de amizades: conviveu com jovens intelectuais combativos, dispostos a enfrentar a política e, eventualmente, a ir para a prisão. Com sua habitual sinceridade, confessou-lhes que tinha medo de ser preso. Viveu mal, no Rio, angustiado com o Brasil e o mundo, naqueles anos de Estado Novo getuliano e de ascensão do fascismo na Europa.
Moacir Werneck de Castro conta: “A experiência que Carlos Lacerda e eu trazíamos de nossas militâncias de esquerda o deixava assombrado.” Não abria mão de suas exigências mais íntimas de ser sempre senhor do seu engajamento, mantendo-o sob controle, porém, queria incorporar algo do pensamento novo mais combativo. Moacir explica: “Mário jamais pretendeu assimilar o marxismo, mas utilizava conceitos marxistas como instrumentos de análise e de conhecimento da realidade.” Essa atitude se manifesta em diversos trabalhos que abordam a relação da música com a história e a sociedade. E se manifesta também nos conselhos que dá a Oneida Alvarenga (que mais tarde viria a escrever o livro Mário de Andrade, um pouco, lançado pela Editora José Olympio): “Você sabe que pessoalmente não admito integralmente o marxismo e sinto na vida humana uma porção de causas e de imponderáveis que produziriam os efeitos. Mas incontestavelmente o marxismo contém uma enorme parte de verdade que hoje nem é marxista mais porque incorporada ao conhecimento geral, à verdade humana. Coisas que ninguém discute mais.”
De volta a São Paulo, em 1941, Mário se mostrava inclinado a aprofundar sua reflexão, num movimento tanto crítico como autocrítico, que o levou a assinalar com surpreendente vigor polêmico as limitações que passara a enxergar no movimento modernista. O artista, ameaçado como homem pelo nazismo, precisa se unir à luta dos outros homens; precisa “marchar com as multidões”. Ninguém tem o direito de permanecer à margem de um esforço imprescindível para enfrentar um grave perigo que ameaça toda a humanidade.
O artista, o escritor, o intelectual não devem “servir aos donos da vida”. Devem ser solidários em relação às aspirações dos homens da sociedade em que vivem. Devem, no entanto, preservar sua autonomia individual. O próprio Mário se sente pressionado por essa dupla exigência e reflete sobre ela com intensa dramaticidade em seus últimos anos de vida. Gilda de Mello e Souza providenciou a edição de um volume que reúne um longo e fascinante diálogo que o autor de Macunaíma estava publicando na Folha da Manhã quando a morte o levou, em 1945. Nessa obra – intitulada O banquete – Mário mostra cinco personagens imaginários discutindo sobre arte e sociedade. E se serve das criaturas de ficção para expressar suas inquietações, a diversidade dos pontos de vista que correspondiam à multiplicidade das suas preocupações, de seus “valores”.
A União Soviética, na guerra que estava travando contra Hitler, nas vitórias que obtinha sobre a barbárie nazista, empolgava o coração do escritor. Seu último texto terminado foi uma apresentação de um livro de Victor Serof a respeito do compositor russo Dmitri Chostacóvich; e, naquele momento, Mário chegou a admitir que a comunidade tivesse o direito de cobrar do compositor, como indivíduo, que ele, na sua arte, atendesse à demanda coletiva, renunciando às formas mais exasperadas do seu individualismo.
As discussões que podem ser lidas em O banquete, contudo, refletiam de maneira mais completo a complexa gama das questões éticas e estéticas com que o escritor se defrontava. De um lado, os personagens Janjão e Pastor Fido expressam a disposição de Mário para assumir o compromisso da arte com a afirmação do caráter nacional e com a crítica social. De outro, a cantora Siomara Ponga traduz a convicção (partilhada por Mário) de que a arte, de algum modo, se justifica por si mesma, por sua qualidade, por sua capacidade de durar.
As contradições irresolvidas da estética remetem às tensões e conflitos do movimento da sociedade. A cultura não pode resolver questões que a vida não resolveu: o que ela pode (e precisa) fazer é nos proporcionar maior familiaridade com elas.

Bibliografia:
- Há uma gota de sangue em cada poema, 1917
- Paulicéia desvairada, 1922
- A escrava que não é Isaura, 1925
- Losango cáqui, 1926
- Primeiro andar, 1926
- A clã do jabuti, 1927
- Amar, verbo intransitivo, 1927
- Ensaios sobra a música brasileira, 1928
- Macunaíma, 1928
- Compêndio da história da música, 1929 (reescrito como Pequena história da música brasileira, 1942)
- Modinhas imperiais, 1930
- Remate de males, 1930
- Música, doce música, 1933
- Belasarte, 1934
- O Aleijadinho de Álvares de Azevedo, 1935
- Lasar Segall, 1935
- Música do Brasil, 1941
- Poesias, 1941
- O movimento modernista, 1942
- O baile das quatro artes, 1943
- Os filhos da Candinha, 1943
- Aspectos da literatura brasileira 1943 (alguns dos seus mais férteis estudos literários estão aqui reunidos)
- O empalhador de passarinhos, 1944
- Lira paulistana, 1945
- O carro da miséria, 1947
- Contos novos, 1947
- O banquete, 1978
- Será o Benedito!, 1992
Antologias:
- Obras completas, publicação iniciada em 1944, pela Livraria Martins Editora, de São Paulo, compreendendo 20 volumes.
- Poesias completas, 1955
- Poesias completas, editora Martins - São Paulo, 1972
- Homenagens:
- Foi escolhido como Patrono da Cadeira n. 40 da Academia Brasileira de Música.

Fontes:
KONDER, Leandro. Intelectuais Brasileiros e Marxismo. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1991, pp. 35-41. In: Revista Espaço Acadêmico, Ano VII. no. 79 – Dezembro de 2007. Maringá: UEM.
http://www.espacoacademico.com.br/079/79konder.htm

NOGUEIRA JR., Arnaldo. Mário de Andrade. Disponível em http://www.releituras.com/marioandrade_bio.asp

SANTOS, Eberth. MOURA, Josana de. Literatura e Filosofia (Palavra em Ação). 2.ed. Uberlândia: Ed. Claranto, 2004.

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