Roland Barthes, em seu livro Aula - produto de sua aula inaugural no Collége de France, pronunciada no dia 07 de janeiro de 1977 - afirma que a linguagem é o objeto em que se inscreve o poder. Todavia, a luta contra o estereótipo e seu reino é a tática mais segura para evitar que o discurso se enraíze nas tentações do autoritarismo. Todo o discurso, desde os proferidos pela escola, ou pelo Estado, na forma de suas várias instituições, até mesmo o que constitui as opiniões correntes, ou mesmo uma canção, encarrega-se de repetir a linguagem até o momento em que os sentidos das palavras nos pareçam naturais, como se a linguagem existisse antes mesmo do surgimento das sociedades e de suas construções de poder. É a palavra repetida, fora de qualquer encantamento ou magia, que Barthes chama de estereótipo: Os signos só existem na medida em que são reconhecidos. O signo é um seguidor gregário; em cada signo dorme esse monstro: o estereótipo (p. 15). A aula, a meu ver, é a demonstração da tentativa de subversão do discurso. É um convite ao jogo. Que jogo? Ora da caça, ora da fuga do estereótipo, ora das trapaças do narrador.
O semiólogo francês, ironicamente, inicia seu discurso, fazendo certas inferências em relação a como o Collége de France, o recebe sendo ele um sujeito incerto, pois na produção de seus trabalhos, a escritura rivaliza com a análise. Assim, questiona sua acolhida na ordem das instituições que é uma das últimas astúcias da história. O questionamento é em relação à honra, uma vez que essa é, subtração, parte intocada dentro do lugar onde ele trabalhará; e m relação às alegrias, tanto de reencontrar a lembrança ou a presença de autores que ensinaram e/ou ensinam nessa instituição, como de entrar em um lugar que pode ser dito rigorosamente: fora do poder.
Percebe-se que há uma certa ironia sobre onde se instaura o poder e, já que, a partir desse discurso, ele será professor nessa instituição, o seu dever não é sujeitar-se a um saber dirigido, porém, indagar sob que condições e segundo operações o discurso pode despojar-se de todo o desejo de agarrar (p.10). Na visão de Barthes, esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda a eternidade humana, é a linguagem ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua (p.12).Nesse ponto, o discurso é colocado como um desafio ao leitor (ou seria a um efeito leitor?), pois, apresenta uma forma tanto de servidão, quanto de poder. Isso se dá porque a linguagem implica uma relação de alienação.
Na concepção barthesiana falar é, com maior razão, discorrer, não é comunicar; é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada (p.13). Então, penso eu, pobre mortal, como sobreviver a isso? Barthes indica um caminho: esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução, eu chamo, quanto a mim; literatura (p.16). Parece-nos, assim, que a liberdade humana só é possível fora da linguagem. No entanto, só existimos dentro dela, uma vez que não há separação entre homem e linguagem. Estudar a linguagem fora do humano é, explicitamente, destituir o sujeito da linguagem e vice-versa. Estaríamos desse modo, condenados à prisão perpétua, nessa rede de poder que constitui os discursos de saber? Essas vontades de verdade que há muito se perfilam e são formuladas, reformuladas e reempregadas no caminhar humano? E aqui entra, creio eu, a idéia barthesiana de trapaça, de logro magnífico com a língua. Não podemos destruí-la, nem viver em seu exterior, contudo, podemos desviá-la de seus sentidos articulados, estereotipados, destituindo, dessa maneira, os mecanismos de poder perpassados nos interstícios sígnicos, ou para ir mais longe ainda, nos vários conjuntos de enunciados.
Barthes nos leva a refletir sobre as forças de liberdade que existem na literatura a prática da escrita. Essas forças são articuladas sobre três conceitos gregos: mathesis, mimesis e semiosis. A primeira força corresponde à força dos saberes, visto que todas as ciências estão presentes no monumento literário. E nesse sentido, a literatura é o próprio fulgor do real. Ela faz girar os saberes não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é precioso. Mas Barthes nos mostra os dois lados dessa força: a) a permissividade para designar saberes possíveis insuspeitos, irrealizados; b) o saber que mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro.
A segunda força da literatura é sua força de representação. É, justamente, por querer representá-la que há uma história da literatura. Entretanto, o real pode ser apenas uma espécie de demonstração, e é por que há o real (pluridimensional) e a linguagem (unidemensional) que se produz a literatura. Barthes afirma: desde os tempos antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afaina da representação de uma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real (p.22). Ora, podemos fugir dessa história da literatura? Se rompermos com o elo entre o real e a linguagem. É possível? Talvez, através de existentes-não-reais somente existentes nas tentativas virtuais, na pluralidade de (im)possíveis olhares.
A terceira força da literatura é a que fora indagada acima; é um método de jogo. Teimar e deslocar-se, isto é, instituir no próprio seio da linguagem servil uma verdadeira heteronímia. Nessa perspectiva, surge a semiologia objetivando estudar a linguagem trabalhada pelo poder. Daí deslocou-se, coloriu-se. Este deslocamento se fez porque a sociedade intelectual mudou, quanto mais não fosse pela ruptura de maio de 68. Por outro lado, o próprio poder como categoria discursiva, se dividia, se estendia como uma água que escorre por toda parte... (p.34).
Uma reflexão torna-se necessária sobre a força de fugir da palavra gregária através do texto lugares, em que, a escritura e a semiologia se conjugam e se corrigem uma à outra. Fugir da palavra gregária não por que a semiologia negue o signo (apofática), mas porque nega que seja possível atribuir lhes caracteres positivos. fixos, a-históricos, a-corpóreos, em suma: científicos (p.36).
Segundo o pensador, esse apofatismo acarreta duas conseqüências que interessam, diretamente, ao ensino da semiologia: a) não pode ser uma metalinguagem; toda relação de exterioridade de uma linguagem com respeito a outra é insustentável. O que sou obrigado a assumir falando dos signos com signos é o próprio espetáculo dessa bizarra coincidência (p.37); b) ter uma relação com a ciência, mas não é uma disciplina. Mas, que relação? uma relação ancilar: ela pode ajudar certas ciências.
Ao fundamentar-se na Semiologia, Barthes abre, a meu ver, caminhos para libertar a linguagem para o prazer do texto e renova, desse modo, a maneira de manter um discurso sem o impor; pois o que pode ser opressivo em um ensino não é o saber ou a cultura que ele veicula, são as formas discursivas através das quais ele é proposto (p.43). Entendendo-se que para uma mesma formação ideológica há diferentes formas enunciativas, pois o enunciado pode ser repetido em situações estritas, a enunciação jamais; o que permite ao enunciador se deslocar de acordo com o seu(s) interlocutor(es), isto é, o discurso pode ser o mesmo, porem, sua forma enunciativa é diferente.
Desse modo, o autor desloca as palavras, desfocaliza significantes de significados, desnivela a enunciação estabelece um jogo marginaliza um assunto e enfatiza outro. É nesse domínio do léxico que ele age. É, ao mesmo tempo, polido, modesto e irônico. A sua prática de escrever se ritualiza não em uma comunicação imediata, o que justifica as várias vírgulas, dois pontos, hífens, paralelismos gramatical, etc. Porém, o discurso em Barthes se constitui, me é crível, na recusa de um modelo pragmático e, assim, trapaceia coma língua, fazendo do texto a Aula uma demonstração de como jogar com os signos lingüísticos. Ao mesmo tempo em que fala da semiosis, a usa como exemplo do que afirma, reafirma, teima, desloca-se e, até joga com a possibilidade de abjurar. E, essa competência, me faz vê-lo como uma espécie de singularidade mística enquanto discurso, é claro.
Fonte:
BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1988.
artigo por Eliomar Rodrigues-Rocha, publicado em 23/04/2007 em http://www.webartigos.com/
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Sobre o autor do artigo
Eliomar Rodrigues-Rocha
Graduado em Letras/português pela UNESP e em Língua Inglesa pela Universidade Federal de Rondônia. Mestrando em Letras:Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre.
O semiólogo francês, ironicamente, inicia seu discurso, fazendo certas inferências em relação a como o Collége de France, o recebe sendo ele um sujeito incerto, pois na produção de seus trabalhos, a escritura rivaliza com a análise. Assim, questiona sua acolhida na ordem das instituições que é uma das últimas astúcias da história. O questionamento é em relação à honra, uma vez que essa é, subtração, parte intocada dentro do lugar onde ele trabalhará; e m relação às alegrias, tanto de reencontrar a lembrança ou a presença de autores que ensinaram e/ou ensinam nessa instituição, como de entrar em um lugar que pode ser dito rigorosamente: fora do poder.
Percebe-se que há uma certa ironia sobre onde se instaura o poder e, já que, a partir desse discurso, ele será professor nessa instituição, o seu dever não é sujeitar-se a um saber dirigido, porém, indagar sob que condições e segundo operações o discurso pode despojar-se de todo o desejo de agarrar (p.10). Na visão de Barthes, esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda a eternidade humana, é a linguagem ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua (p.12).Nesse ponto, o discurso é colocado como um desafio ao leitor (ou seria a um efeito leitor?), pois, apresenta uma forma tanto de servidão, quanto de poder. Isso se dá porque a linguagem implica uma relação de alienação.
Na concepção barthesiana falar é, com maior razão, discorrer, não é comunicar; é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada (p.13). Então, penso eu, pobre mortal, como sobreviver a isso? Barthes indica um caminho: esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução, eu chamo, quanto a mim; literatura (p.16). Parece-nos, assim, que a liberdade humana só é possível fora da linguagem. No entanto, só existimos dentro dela, uma vez que não há separação entre homem e linguagem. Estudar a linguagem fora do humano é, explicitamente, destituir o sujeito da linguagem e vice-versa. Estaríamos desse modo, condenados à prisão perpétua, nessa rede de poder que constitui os discursos de saber? Essas vontades de verdade que há muito se perfilam e são formuladas, reformuladas e reempregadas no caminhar humano? E aqui entra, creio eu, a idéia barthesiana de trapaça, de logro magnífico com a língua. Não podemos destruí-la, nem viver em seu exterior, contudo, podemos desviá-la de seus sentidos articulados, estereotipados, destituindo, dessa maneira, os mecanismos de poder perpassados nos interstícios sígnicos, ou para ir mais longe ainda, nos vários conjuntos de enunciados.
Barthes nos leva a refletir sobre as forças de liberdade que existem na literatura a prática da escrita. Essas forças são articuladas sobre três conceitos gregos: mathesis, mimesis e semiosis. A primeira força corresponde à força dos saberes, visto que todas as ciências estão presentes no monumento literário. E nesse sentido, a literatura é o próprio fulgor do real. Ela faz girar os saberes não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é precioso. Mas Barthes nos mostra os dois lados dessa força: a) a permissividade para designar saberes possíveis insuspeitos, irrealizados; b) o saber que mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro.
A segunda força da literatura é sua força de representação. É, justamente, por querer representá-la que há uma história da literatura. Entretanto, o real pode ser apenas uma espécie de demonstração, e é por que há o real (pluridimensional) e a linguagem (unidemensional) que se produz a literatura. Barthes afirma: desde os tempos antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afaina da representação de uma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real (p.22). Ora, podemos fugir dessa história da literatura? Se rompermos com o elo entre o real e a linguagem. É possível? Talvez, através de existentes-não-reais somente existentes nas tentativas virtuais, na pluralidade de (im)possíveis olhares.
A terceira força da literatura é a que fora indagada acima; é um método de jogo. Teimar e deslocar-se, isto é, instituir no próprio seio da linguagem servil uma verdadeira heteronímia. Nessa perspectiva, surge a semiologia objetivando estudar a linguagem trabalhada pelo poder. Daí deslocou-se, coloriu-se. Este deslocamento se fez porque a sociedade intelectual mudou, quanto mais não fosse pela ruptura de maio de 68. Por outro lado, o próprio poder como categoria discursiva, se dividia, se estendia como uma água que escorre por toda parte... (p.34).
Uma reflexão torna-se necessária sobre a força de fugir da palavra gregária através do texto lugares, em que, a escritura e a semiologia se conjugam e se corrigem uma à outra. Fugir da palavra gregária não por que a semiologia negue o signo (apofática), mas porque nega que seja possível atribuir lhes caracteres positivos. fixos, a-históricos, a-corpóreos, em suma: científicos (p.36).
Segundo o pensador, esse apofatismo acarreta duas conseqüências que interessam, diretamente, ao ensino da semiologia: a) não pode ser uma metalinguagem; toda relação de exterioridade de uma linguagem com respeito a outra é insustentável. O que sou obrigado a assumir falando dos signos com signos é o próprio espetáculo dessa bizarra coincidência (p.37); b) ter uma relação com a ciência, mas não é uma disciplina. Mas, que relação? uma relação ancilar: ela pode ajudar certas ciências.
Ao fundamentar-se na Semiologia, Barthes abre, a meu ver, caminhos para libertar a linguagem para o prazer do texto e renova, desse modo, a maneira de manter um discurso sem o impor; pois o que pode ser opressivo em um ensino não é o saber ou a cultura que ele veicula, são as formas discursivas através das quais ele é proposto (p.43). Entendendo-se que para uma mesma formação ideológica há diferentes formas enunciativas, pois o enunciado pode ser repetido em situações estritas, a enunciação jamais; o que permite ao enunciador se deslocar de acordo com o seu(s) interlocutor(es), isto é, o discurso pode ser o mesmo, porem, sua forma enunciativa é diferente.
Desse modo, o autor desloca as palavras, desfocaliza significantes de significados, desnivela a enunciação estabelece um jogo marginaliza um assunto e enfatiza outro. É nesse domínio do léxico que ele age. É, ao mesmo tempo, polido, modesto e irônico. A sua prática de escrever se ritualiza não em uma comunicação imediata, o que justifica as várias vírgulas, dois pontos, hífens, paralelismos gramatical, etc. Porém, o discurso em Barthes se constitui, me é crível, na recusa de um modelo pragmático e, assim, trapaceia coma língua, fazendo do texto a Aula uma demonstração de como jogar com os signos lingüísticos. Ao mesmo tempo em que fala da semiosis, a usa como exemplo do que afirma, reafirma, teima, desloca-se e, até joga com a possibilidade de abjurar. E, essa competência, me faz vê-lo como uma espécie de singularidade mística enquanto discurso, é claro.
Fonte:
BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1988.
artigo por Eliomar Rodrigues-Rocha, publicado em 23/04/2007 em http://www.webartigos.com/
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Sobre o autor do artigo
Eliomar Rodrigues-Rocha
Graduado em Letras/português pela UNESP e em Língua Inglesa pela Universidade Federal de Rondônia. Mestrando em Letras:Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre.
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