quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pedro Ernesto Filho (O Poeta no Papel)


SAUDADE

Saudade é foto amarela
que um filho guardou dos pais,
depois que os pais faleceram
da foto ele foi atrás,
de tanto guardar, perdeu;
procurou, não achou mais

AS ÁRVORES MAIS RESISTENTES COSTUMAM MORRER DE PÉ

Mote produzido por ocasião da missa de trinta dias rezada em sufrágio da alma da genitora do autor, em 08.06.1998. Ele escreveu os versos, mas as emoções não deixaram que os declamasse naquele momento. Trata-se de ligeira referência à vida simples e religiosa de sua inesquecível mãe Efigênia Vieira de Aquino, exemplo de esperança, que morreu sem perder sua lucidez. É, portanto, um decassílabo que busca valorizar a árvore da vida.

Buscou se apoiar no arco
do carisma e da bonança,
da pedra da esperança
fez seu verdadeiro marco,
sua vida foi um barco
nos oceanos da sé,
defendeu a paz até
deixar os sobreviventes
- As árvores mais resistentes
costumam morrer de pé.

O seu passado eu contemplo
com forças das emoções,
no mundo das orações
foi defensora do templo,
sua vida foi exemplo
aos seguidores da fé,
hoje sua história é
lida por seus descendentes
- As árvores mais resistentes
costumam morrer de pé.

Foi forte seu coração,
nos últimos dia de vida
sua voz foi suprimida
mas seu pensamento não,
demonstrava na feição
as graças do Nazaré,
e que agradecia até
as visitas dos parentes
- As árvores mais resistentes
costumam morrer de pé.

Se alguém fizesse um alarde
por lhe faltar o sustento
e ela escutasse o lamento
sobre aquele inverno tarde,
ela aconselhava, aguarde
o dia de São José,
pois aquele Santo é
protetor dos penitentes
- As árvores mais resistentes
costumam morrer de pé.

Ante qualquer imprevisto
sua história sobressai,
reencontrou com meu pai
e hoje está dizendo a Cristo
que a roupa escura que visto
preta da cor de café
não é mais tristeza, é fé,
fruto de suas sementes
- As árvores mais resistentes
costumam morrer de pé.

E SE EU TIVESSE MORRIDO NINGUÉM CHORAVA POR MIM!

O autor sonhou perdido nas matas, enfrentando as mais difíceis situações, porém superando todas elas. No sonho, percebeu que não havia preocupação por parte de ninguém e por isto, ao acordar-se, escreveu este mote em sete sílabas. Aliás, situação como esta somente em sonho poderia acontecer.

Já me vi pelo sertão
sem saber onde eu estava,
comendo, quando encontrava
frutas tombadas no chão;
só escutava o trovão
e o assobio do soim,
num campo de gergelim
estive a noite perdido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim.

Sofri de uma fera ingrata
perseguição numa gruta,
tive que enfrentar a luta
com meu punhal cor de prata;
depois de uma hora exata
eu consegui lhe dar fim,
e cansado, fiz: Atchim!!!
aí voltou meu sentido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Cheguei a um riacho cheio,
sem fazer das águas caso,
pensando que fosse raso
tentei passar pelo meio;
a onda me fez de esteio
a um tronco de beijamim,
pelos seus galhos enfim
fui bastante protegido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Cansado de andar a pé
e ao penetrar num roçado,
peguei um burro peiado,
fiz dele um transporte, até;
era um burro canindé,
velhaco, brabo e ruim,
deu pulo até que no fim
deixou-me ao solo estendido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Senti na minha chinela
espinhos de arapiraca,
uma cobra jararaca
pegou na minha canela;
eu que sou curado dela
nada tive de ruim,
um besouro de cupim
penetrou no meu ouvido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Lá encontrei muito gado
que pastava na campina,
um touro da ponta fina
voltou-se para o meu lado;
era um novilho malhado
pintado de surubim;
eu me deitei no capim
e ele se deu por vencido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Segui nova direção
e cheguei a uma bodega,
um cão quase que me pega
quando abri um cancelão;
um pistoleiro e ladrão
atirou pra me dar fim,
com coragem, sem motim,
defendi-me do bandido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

De tanta angústia e maltrato,
às doze horas do dia,
sofri tremenda agonia
e dormi dentro do mato;
fui visto por um beato
que voltava de um jardim,
deu-me dois chás de alecrim
sem doce, com comprimido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Cheguei numa moradia
e cumprimentei os presentes,
perguntei por meus parentes
e assim alguém respondia:
Vi alguns com alegria
ontem à noite em um festim,
contou tim-tim por tim-tim
do que tinha acontecido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim!

Vizinho fez diversão
que até ficou na memória,
meus tios contavam estória
do tempo de Lampião;
até mesmo o meu irmão
não guardou seu bandolim,
só mamãe dizia assim:
Perdi meu filho querido
- E se eu tivesse morrido
ninguém chorava por mim

AS COISINHAS DO SERTÃO

Este poema retrata a conversa firme de um camponês com um homem da cidade. Por tanto se interessar pelas belezas do campo, o homem da rua passou a somente ouvir o que o sertanejo dizia e dava expansão ao assunto sempre interrogando: fale mais das coisinhas do sertão. Pode-se dizer também que se trata de mote de uma linha.

Eu conversei com um crítico
vivido na capital,
falou do Brasil Político,
do nosso mundo atual
e da indústria nuclear,
quando eu chamei pra falar
de costume e tradição,
ele disse: Isso eu não sei,
e assim eu mencionei
as coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a beleza
de um amanhecer dourado,
do lençol da natureza
de manchas padronizado.
Falei da barra vermelha
que parece uma centelha
enfeitando a amplidão,
da nuvem ficando atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei da lua cheia
silenciosa e redonda
e da neve cor de areia
que desce encobrindo a onda,
da brisa civilizada
que parece uma empregada
varrendo o que há no chão,
hora leva, hora traz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu lhe disse: Isto não é
sertão propriamente dito,
sertão é mesmo um chalé
num pé de serra esquisito,
que seu dono sendo pobre
julga-se feliz e nobre
por existir união
e amor dos filhos aos pais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a caçada
em que o homem corajoso
tocaia de madrugada
andando silencioso;
passa serras, sobe morros,
seus amigos são cachorros,
espingarda e munição;
e seu abrigo, os vegetais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre o vaqueiro
e sua fama também,
pois seu perfume é o cheiro
que a ponta da rama tem;
seu transporte é o cavalo;
seu musical, o badalo
e o berrar da criação;
seus amigos, animais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

E quando eu falei de adjuntos,
ele disse: O que é isso?
São cinqüenta homens juntos
fazendo qualquer serviço;
almoçam pelo roçado,
contam casos do passado
para enrolar o patrão,
e cada um diz o que faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da mulher que pisa
milho pra fazer almoço,
do menino sem camisa,
baladeira no pescoço;
do gafanhoto faminto,
do sofrimento do pinto
nas garras do gavião,
dos chãos cobertos de sais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei da cantoria
do contador de viola
que mostra sabedoria
sem conteúdo de escola.
Falei da mulher rendeira,
da cigana rezadeira
que faz a sua oração
espantando o satanás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei de serenata,
de reisado e pescaria,
do sertanejo que trata
toda mulher por Maria;
se for homem chama Zé,
gosta muito de café,
detesta fumo pagão,
só dá valor ao que faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei do pé-de-bode,
do reco-reco e pandeiro
com que se faz um pagode
no clarão do candeeiro;
rapaz exibindo nota
mas para pagar a cota
sempre surge confusão,
quando um não faz, outro faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do campo e estepe
por onde passeia o gado,
do chiar do currulepe
do velhinho aposentado;
do triturar do mimoso,
de estórias de trancoso
nas debulhas de feijão,
do candeeiro de gás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da voz de comando
no grito do comboeiro,
dos animais repousando
na sombra do juazeiro.
Falei do caminho estreito,
do bodoque que é feito
de vara, cera e cordão,
torto na frente e atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do sol causticante
que atrasa a safra seguinte,
do caboclo ignorante
que se casa antes dos vinte.
Falei da rama madura,
do voar da tanajura
quando promete verão,
uma na frente, outra atrás.
-Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da vaca velhaca
quando seu bezerro esconde,
o vaqueiro imita a vaca
para ver se ele responde.
Falei de doença e praga,
lagarta que mais estraga
a cultura do algodão,
das estradas carroçais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da força do açoite
que o vento bravo inicia,
do lençol preto da noite
cobrindo os olhos do dia.
Da mesinha de gaveta,
do matuto e o cometa
e a sua superstição,
do medo que a cobra faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a raposa
nas aspas de uma arataca,
do carcará que repousa
na cabeça de uma estaca.
Falei do milho amarelo,
depois fiz um paralelo
entre inverno e o verão,
que em duração são iguais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do sol que desbota
a folha do vegetal,
do bem-te-vi que pinota
nas clinas de um animal,
de farinhada e moagem,
de uma antiga carroagem
que tem o boi por tração,
boi na frente e carro atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre o baralho
e o que suas cartas vogam,
da banca e do agasalho
onde quatro homens jogam;
a dama ganha dos seis,
valete perde pra o reis,
de tudo o sete é mandão,
onze pontos vale o ás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

E disse ele: Eu não sabia
isto que você falou,
mas aprender eu queria
e tenso me perguntou:
Como aprendeu tudo isto?
Eu lhe respondi: Foi Cristo
que me deu inspiração.
E perguntou ele: Isto é arte?
- Eu disse: E também faz parte
das coisinhas do sertão.

Fonte:
http://www.perfilho.prosaeverso.net/

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