— Chega de Adjetivos — gritou a menina. — Eu não sei por quê, tenho grande simpatia pelos PRONOMES, e queria visitá-los já.
— Muito fácil — respondeu o rinoceronte. — Eles moram naquelas casinhas aqui defronte. A primeira, e menor, é a dos Pronomes PESSOAIS.
— Ela é tão pequena. . . — admirou-se Emília.
— Eles são só um punhadinho, e vivem lá como em república de estudantes.
E todos se dirigiram para a casa dos Pronomes Pessoais enquanto Quindim ia explicando que os Pronomes são palavras que também não possuem pernas e só se movimentam amarradas aos VERBOS.
Emília bateu na porta — toque, toque, toque.
Veio abrir o Pronome Eu.
— Entrem, não façam cerimônia.
Narizinho fez as apresentações.
— Tenho muito gosto em conhecê-los — disse amavelmente o Pronome Eu. — Aqui na nossa cidade o assunto do dia é justamente a presença dos meninos e deste famoso gramático africano. Vão entrando. Nada de cerimônias.
E em seguida:
— Pois é isso, meus caros. Nesta república vivemos a nossa vidinha, que é bem importante. Sem nós os homens não conseguiriam entender-se na terra.
— Todas as outras palavras dizem o mesmo — lembrou Emília.
— E nenhuma está exagerando — advertiu o Pronome Eu. — Todas somos por igual importantes, porque somos por igual indispensáveis à expressão do pensamento dos homens.
— E os seus companheiros, os outros Pronomes Pessoais? — perguntou Emília.
— Estão lá dentro, jantando.
À mesa do refeitório achavam-se os Pronomes Tu, Ele, Nós, Vós, Eles, Ela e Elas. Esses figurões eram servidos pelos Pronomes OBLÍQUOS, que tinham o pescoço torto e lembravam corcundinhas. Os meninos viram lá o Me, o Mim, o Migo, o Nos, o Nosco, o Te, o Ti, o Tigo, o Vos, o Vosco, o O, o A, o Lhe, o Se, o Si e o Sigo — dezesseis Pronomes Oblíquos.
— Sim senhor! Que luxo de criadagem! — admirou-se Emília. — Cada Pronome tem a seu serviço vários criadinhos oblíquos. . .
— E ainda há outros serviçais, os Pronomes de TRATAMENTO — disse Eu. — Lá no quintal estão tomando sol os Pronomes Fulano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade e outros.
— E para que servem os Senhores Pronomes Pessoais? — perguntou a menina.
— Nós — respondeu Eu — servimos para substituir os Nomes das pessoas. Quando a Senhorita Narizinho diz Tu, referindo-se aqui a esta senhora boneca, está substituindo o Nome Emília pelo Pronome Tu.
Os meninos notaram um fato muito interessante — a rivalidade entre o Tu e o Você. O Pronome Você havia entrado do quintal e sentara-se à mesa com toda a brutalidade, empurrando o pobre Pronome Tu do lugarzinho onde ele se achava. Via-se que era um Pronome muito mais moço que Tu, e bastante cheio de si. Tinha ares de dono da casa.
— Que há entre aqueles dois? — perguntou Narizinho. — Parece que são inimigos. . .
— Sim — explicou o Pronome Eu. — O meu velho irmão Tu anda muito aborrecido porque o tal Você apareceu e anda a atropelá-lo para lhe tomar o lugar.
— Apareceu como? Donde veio?
— Veio vindo. . . No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente. Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos Vossemecê e depois passou a Vosmecê e finalmente como está hoje — Você, entrando a ser aplicado em vez do Tu, no tratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai, creio que acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil muito pouca gente emprega o Tu. Na língua inglesa aconteceu uma coisa assim. O Tu lá se chamava Thou e foi vencido pelo You, que é uma espécie de Você empregada para todo mundo, seja grande ou pequeno, pobre ou rico, rei ou vagabundo.
— Estou vendo — disse a menina, que não tirava os olhos de Você. — Ele é moço e petulante, ao passo que o pobre Tu parece estar sofrendo de reumatismo. Veja que cara triste o coitado tem. . .
— Pois o tal Tu — disse Emília — o que deve fazer é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco. Nós lá no sítio conversamos o dia inteiro e nunca temos ocasião de empregar um só Tu, salvo na palavra Tatu. Para nós o Tu já está velho coroca.
E mudando de assunto:
— Diga-me uma coisa, Senhor Eu. Está contente com a sua vidinha?
— Muito — respondeu Eu. — Como os homens são criaturas sumamente egoístas, eu tenho vida regalada, porque represento todos os homens e todas as mulheres que existem, sendo pois tratado dum modo especial. Creio que não há palavra mais usada no mundo inteiro do que Eu. Quando uma criatura humana diz Eu, baba-se de gosto porque está falando de si própria.
— E fora os Pronomes Pessoais não há outros?
— Há sim — disse Eu —, moram aqui na casa ao lado. Uns pobres coitados...
Os meninos despediram-se do Pronome Eu para irem visitar os "coitados" da outra casa, muito admirados da petulância e orgulho daquele pronominho tão curto.
— Parece que tem o presidente da República na barriga — comentou a boneca.
E parecia mesmo. . .
Na outra casa os meninos encontraram os Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu, Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas e com os plurais. Emília, que achava as palavras Meu e Minha as mais gostosas de quantas existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada uma, dizendo:
— Meus amores!
Depois encontraram os Pronomes DEMONSTRATIVOS — Este, Esse, Aquele, Mesmo, Próprio, Tal, etc, com as suas respectivas esposas e parentes. As esposas eram Esta, Essa, Aquela, Mesma, Própria, etc, e os parentes eram Essoutro, Estoutro, Aqueloutro, etc.
— Muito bem — disse Narizinho. — Vamos adiante. Vejo alguns senhores muito conhecidos.
De fato, mais adiante os meninos encontraram os Pronomes INDEFINIDOS, muito familiares a todos do bandinho. Eram eles: Algum, Nenhum, Outro, Todo, Tanto, Pouco, Muito, Menos, Qualquer, Certo, Vários, etc, com as suas respectivas formas femininas e os competentes plurais.
— São umas palavrinhas muito boas, que a gente emprega a toda a hora — comentou Emília, sem entretanto beijar o nariz de nenhuma.
Havia ainda os Pronomes RELATIVOS, quê servem para indicar uma coisa que está para trás. Eram eles: Que, Quem, O Qual, Cujo, Onde, etc, com as suas respectivas esposas e plurais. Quindim exemplificou:
— O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado. Nesta frase, o Pronome Cuja refere-se a uma coisa que ficou para trás.
De fato, o Visconde havia perdido a sua cartolinha na aventura com as Palavras Obscenas. Deixara-a para trás.
— Continue, Quindim — pediu Emília, e o rinoceronte continuou.
— Temos, por fim, os Pronomes INTERROGATIVOS, que servem para fazer perguntas. Todos usam um Ponto de Interrogação no fim, para que a gente veja que são perguntativos.
E os meninos viram lá os Interrogativos: Quê? Qual? Quanto? Quem?
Emília gostou de conhecer aqueles Pronomes. Ela era a boneca que mais trabalho dava aos Senhores Pronomes Interrogativos.
Continua ... Capítulo VII: Artigos e Numerais
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource
— Muito fácil — respondeu o rinoceronte. — Eles moram naquelas casinhas aqui defronte. A primeira, e menor, é a dos Pronomes PESSOAIS.
— Ela é tão pequena. . . — admirou-se Emília.
— Eles são só um punhadinho, e vivem lá como em república de estudantes.
E todos se dirigiram para a casa dos Pronomes Pessoais enquanto Quindim ia explicando que os Pronomes são palavras que também não possuem pernas e só se movimentam amarradas aos VERBOS.
Emília bateu na porta — toque, toque, toque.
Veio abrir o Pronome Eu.
— Entrem, não façam cerimônia.
Narizinho fez as apresentações.
— Tenho muito gosto em conhecê-los — disse amavelmente o Pronome Eu. — Aqui na nossa cidade o assunto do dia é justamente a presença dos meninos e deste famoso gramático africano. Vão entrando. Nada de cerimônias.
E em seguida:
— Pois é isso, meus caros. Nesta república vivemos a nossa vidinha, que é bem importante. Sem nós os homens não conseguiriam entender-se na terra.
— Todas as outras palavras dizem o mesmo — lembrou Emília.
— E nenhuma está exagerando — advertiu o Pronome Eu. — Todas somos por igual importantes, porque somos por igual indispensáveis à expressão do pensamento dos homens.
— E os seus companheiros, os outros Pronomes Pessoais? — perguntou Emília.
— Estão lá dentro, jantando.
À mesa do refeitório achavam-se os Pronomes Tu, Ele, Nós, Vós, Eles, Ela e Elas. Esses figurões eram servidos pelos Pronomes OBLÍQUOS, que tinham o pescoço torto e lembravam corcundinhas. Os meninos viram lá o Me, o Mim, o Migo, o Nos, o Nosco, o Te, o Ti, o Tigo, o Vos, o Vosco, o O, o A, o Lhe, o Se, o Si e o Sigo — dezesseis Pronomes Oblíquos.
— Sim senhor! Que luxo de criadagem! — admirou-se Emília. — Cada Pronome tem a seu serviço vários criadinhos oblíquos. . .
— E ainda há outros serviçais, os Pronomes de TRATAMENTO — disse Eu. — Lá no quintal estão tomando sol os Pronomes Fulano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade e outros.
— E para que servem os Senhores Pronomes Pessoais? — perguntou a menina.
— Nós — respondeu Eu — servimos para substituir os Nomes das pessoas. Quando a Senhorita Narizinho diz Tu, referindo-se aqui a esta senhora boneca, está substituindo o Nome Emília pelo Pronome Tu.
Os meninos notaram um fato muito interessante — a rivalidade entre o Tu e o Você. O Pronome Você havia entrado do quintal e sentara-se à mesa com toda a brutalidade, empurrando o pobre Pronome Tu do lugarzinho onde ele se achava. Via-se que era um Pronome muito mais moço que Tu, e bastante cheio de si. Tinha ares de dono da casa.
— Que há entre aqueles dois? — perguntou Narizinho. — Parece que são inimigos. . .
— Sim — explicou o Pronome Eu. — O meu velho irmão Tu anda muito aborrecido porque o tal Você apareceu e anda a atropelá-lo para lhe tomar o lugar.
— Apareceu como? Donde veio?
— Veio vindo. . . No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente. Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos Vossemecê e depois passou a Vosmecê e finalmente como está hoje — Você, entrando a ser aplicado em vez do Tu, no tratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai, creio que acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil muito pouca gente emprega o Tu. Na língua inglesa aconteceu uma coisa assim. O Tu lá se chamava Thou e foi vencido pelo You, que é uma espécie de Você empregada para todo mundo, seja grande ou pequeno, pobre ou rico, rei ou vagabundo.
— Estou vendo — disse a menina, que não tirava os olhos de Você. — Ele é moço e petulante, ao passo que o pobre Tu parece estar sofrendo de reumatismo. Veja que cara triste o coitado tem. . .
— Pois o tal Tu — disse Emília — o que deve fazer é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco. Nós lá no sítio conversamos o dia inteiro e nunca temos ocasião de empregar um só Tu, salvo na palavra Tatu. Para nós o Tu já está velho coroca.
E mudando de assunto:
— Diga-me uma coisa, Senhor Eu. Está contente com a sua vidinha?
— Muito — respondeu Eu. — Como os homens são criaturas sumamente egoístas, eu tenho vida regalada, porque represento todos os homens e todas as mulheres que existem, sendo pois tratado dum modo especial. Creio que não há palavra mais usada no mundo inteiro do que Eu. Quando uma criatura humana diz Eu, baba-se de gosto porque está falando de si própria.
— E fora os Pronomes Pessoais não há outros?
— Há sim — disse Eu —, moram aqui na casa ao lado. Uns pobres coitados...
Os meninos despediram-se do Pronome Eu para irem visitar os "coitados" da outra casa, muito admirados da petulância e orgulho daquele pronominho tão curto.
— Parece que tem o presidente da República na barriga — comentou a boneca.
E parecia mesmo. . .
Na outra casa os meninos encontraram os Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu, Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas e com os plurais. Emília, que achava as palavras Meu e Minha as mais gostosas de quantas existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada uma, dizendo:
— Meus amores!
Depois encontraram os Pronomes DEMONSTRATIVOS — Este, Esse, Aquele, Mesmo, Próprio, Tal, etc, com as suas respectivas esposas e parentes. As esposas eram Esta, Essa, Aquela, Mesma, Própria, etc, e os parentes eram Essoutro, Estoutro, Aqueloutro, etc.
— Muito bem — disse Narizinho. — Vamos adiante. Vejo alguns senhores muito conhecidos.
De fato, mais adiante os meninos encontraram os Pronomes INDEFINIDOS, muito familiares a todos do bandinho. Eram eles: Algum, Nenhum, Outro, Todo, Tanto, Pouco, Muito, Menos, Qualquer, Certo, Vários, etc, com as suas respectivas formas femininas e os competentes plurais.
— São umas palavrinhas muito boas, que a gente emprega a toda a hora — comentou Emília, sem entretanto beijar o nariz de nenhuma.
Havia ainda os Pronomes RELATIVOS, quê servem para indicar uma coisa que está para trás. Eram eles: Que, Quem, O Qual, Cujo, Onde, etc, com as suas respectivas esposas e plurais. Quindim exemplificou:
— O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado. Nesta frase, o Pronome Cuja refere-se a uma coisa que ficou para trás.
De fato, o Visconde havia perdido a sua cartolinha na aventura com as Palavras Obscenas. Deixara-a para trás.
— Continue, Quindim — pediu Emília, e o rinoceronte continuou.
— Temos, por fim, os Pronomes INTERROGATIVOS, que servem para fazer perguntas. Todos usam um Ponto de Interrogação no fim, para que a gente veja que são perguntativos.
E os meninos viram lá os Interrogativos: Quê? Qual? Quanto? Quem?
Emília gostou de conhecer aqueles Pronomes. Ela era a boneca que mais trabalho dava aos Senhores Pronomes Interrogativos.
Continua ... Capítulo VII: Artigos e Numerais
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource
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