domingo, 24 de abril de 2011

Antonio Botto (O João Pateta)


Era uma vez uma pobre viúva que tinha um filho bastante pateta. Tudo quanto lhe mandava fazer fazia, mas fazia mal.

- Valha-me Deus, com este rapaz!, queixava-se a pobre mãe.

- Porque não o habitua mais à vida?, perguntava uma vizinha. Obriga-lo a trabalhar em qualquer coisa; tudo, menos esta mandriice...

- Tem razão. Vou ver se ele é capaz de pôr em prática uma ideia...

E aproximando-se do filho:

- Tu saberás vender uma peça de linho sem fazer algum disparate?

- Sei sim, minha mãe.

- Então, ouve com atenção: Vais por aí fora e não cortas, nem à direita nem à esquerda. Vais sempre a direito, ouviste?

- Ouvi, minha mãe.

- Pedes tanto pela peça de linho e não a vendas por menos seja a quem for. Evita fazer negócio com mulheres porque, em geral, falam muito e oferecem pouco. Sim: procura uma pessoa que esteja só. Farás negócio mais rendoso.

O rapaz ouviu, atentamente, prometeu obedecer-lhe e lá se pôs a caminho. Passou por várias encruzilhadas pelas quais chegaria mais depressa a um ou outro povo ali perto e onde poderia vender facilmente a formosa peça de linho, mas, como sua mãe lhe dissera que fosse sempre a direito, entendeu que não devia cortar - nem à direita nem à esquerda.

Ao cabo de uma grande caminhada encontrou a mulher do farmacêutico que conversava com duas raparigas à porta de sua casa. Reconhecendo-o, e vendo a peça de linho, perguntou-lhe num sorriso:

- Esse linho é para vender? E quanto custa, ó João?

- Não me entendo com mulheres, respondeu ele andando sempre. E por mais que ela tentasse demovê-lo daquele firme propósito oferecendo-lhe até uma quantia maior, nada pôde conseguir...

Pouco depois chegou a um pequeno largo onde havia uma pequena estátua de um benemérito da terra.

- Ora até que enfim que encontrei a pessoa com quem vou fazer negócio.

E dirigindo-se para a estátua, acrescentou, convencido:

- Queres comprar esta peça de linho?

Naturalissimamente, a estátua não respondeu.

- Não dizes nada? Está bem. O preço é tanto. E enquanto contas o dinheiro vou ali comprar uma melancia com uns tostões que aqui tenho.

Entretanto, alguém que passou, levou a peça de linho. Ao regressar com a melancia, disse com certo azedume:

– Agora dá cá o dinheiro.

A estátua não respondia.

- Vá, não me faças perder tempo nem penses que posso voltar para receber o que é meu: o meu rico dinheirinho.

A estátua continuava naturalmente impassível.

- Se não me dás o dinheiro agarro naquele pau e esfrangalho-te a cabeça.

Cumpriu a dura ameaça. A estátua era oca, mas tinha dentro da cabeça umas moedas de ouro.

- E não me querias pagar, gritava o pateta apanhando as moedas e guardando-as num bolso da calça.

- Venha ver, minha mãe, venha ver! Vendi a peça de linho por este dinheiro todo!

A mãe abriu os olhos surpreendida e concluiu que o filho encontrara certamente, por acaso, aquele dinheiro em ouro e que por completo ignorava o seu verdadeiro valor. Pensou em guardá-lo debaixo de um tijolo da lareira, mas, lembrando-se de que o filho podia dizer aos vizinhos complicando a sua vida de mulher simples e pobre, guardou-as dentro de um cântaro de barro e disse-lhe disfarçando o grande contentamento:

- Enganaram-te, pateta! Isto não presta para nada. Deram–te dinheiro falso. Contudo, para outra vez, espero que sejas mais esperto.

E saiu; foi para a missa. Daí a momentos passou um velho trapeiro.

- Olhá lá, diz-lhe o pateta, tu queres comprar estas moedas? São falsas, mas talvez te sirvam para alguma coisa...Ora vê, tem paciência.

E despejou o cântaro à entrada da porta. O trapeiro viu logo que eram moedas de ouro e verdadeiras.

- Pois sim; ofereço por todas elas doze moedas de cobre.

- Venham elas, disse o rapaz; está o negócio fechado.

E o trapeiro deu-lhe as doze moedas e foi-se apressadamente.

- Acabo de fazer negócio, mãe, disse o João, vendo-a entrar. Vendi aquela porcaria por doze moedas de cobre!

- Vendeste as moedas de ouro por doze moedas de cobre? Ai, filho, que grande asneira!

- Então a minha mãe não me disse que aquilo não prestava para nada porque era dinheiro falso?

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. Marginalia, s/d

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