Eram dois vizinhos, um rico e outro pobre, que viviam turrando. O gosto do rico era pregar peças no pobre.
Certa vez a pobre foi à casa do rico propor um negócio. Queria que ele lhe arrendasse um pedaço de terra que servisse para a plantação duma roça de milho. O rico imediatamente pensou num pedaço de terra que não valia coisa nenhuma, tão ruim que nem formiga dava. Fez-se o negócio.
O pobre voltou para sua choupana e foi com sua mulher ver a tal terra. Lá chegados, descobriram uma cumbuca.
— Chi, mulher, esta cumbuca está cheia de moedas, venha ver!
— E de ouro! — disse a mulher. — Estamos arrumados!...
— Não — disse o marido, que era homem de muita honestidade. — A cumbuca não está em terra minha e portanto não me pertence. Meu dever é dar conta de tudo ao dono da propriedade.
E foi ter com o rico, ao qual contou tudo.
— Bem — disse este — nesse caso desmancho o negócio feito. Não posso arrendar terras que dão cumbucas de ouro.
O pobre voltou para sua choupana, e o rico foi correndo tomar posse da grande riqueza. Mas quando chegou lá só viu uma coisa: uma cumbuca cheia de vespas das mais terríveis.
— Ahn! — exclamou. — Aquele patife quis mangar comigo, mas vou pregar-lhe uma boa peça.
Botou a cumbuca de vespas num saco e encaminhou-se para a choupana do pobre.
— Ó compadre, feche a porta e deixe só meia janela aberta. Tenho um lindo presente para você.
O pobre fechou a porta, deixando só meia janela aberta. O rico, então, jogou lá dentro a cumbuca de vespas.
— Aí tem compadre, a cumbuca de moedas que você achou em minhas terras. Regale-se com o grande tesouro — e ficou a rir de não poder mais.
Mas assim que a cumbuca caiu no chão, as vespas se transformaram em moedas de ouro, que rolaram.
Lá de fora o rico ouviu o barulhinho e desconfiou. E disse:
— Compadre, abra a porta, quero ver uma,coisa.
Mas o pobre respondeu:
— Não caia nessa. Estou aqui que nem sei o que fazer com tantas vespas em cima. Não quero que elas ferrem o meu bom vizinho. Fuja, compadre!...
E foi assim que o pobre ficou rico e o rico ficou ridículo.
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— E esta, Emília, que acha? — perguntou Narizinho.
— Menos má — respondeu Emília. — Pelo menos não tem rei bobo, pai de três princesas encantadas.
Dona Benta disse:
— Esta história pertence ao grupo das em que o povo põe em contraste o pobre e o rico. Em todas as histórias desse gênero o rico é sempre homem mau e sem coração e o pobre bom. Vira, mexe, o pobre sai ganhando e o rico fica ridículo.
— Ridículo! — repetiu Narizinho. — Já notei que o povo tem um ditado assim: "Quanto mais rico, mais ridico."
— O povo — explicou dona Benta — emprega a palavra ridículo com a significação de miserável, avarento. Mas entre os sabedores da língua a palavra ridículo quer dizer o que desperta riso. "Uma situação ridícula", quei dizer uma situação que nos faz rir — como aquela do Elias da venda, quando foi pular a cerca de arame farpado e ficou preso pelos fundilhos da calça.
— Mas no povo — disse Pedrinho — ridículo quer dizer só uma coisa: pão-duro. Isso já notei. Da última vez que fui à vila estava a molecada atrás do Manei Agudo, gritando: "Pão-duro! Pão-duro!" E perguntando eu a um deles por que faziam aquilo ao coitado, o moleque respondeu: "Ah, então não sabe que esse portuga é o velho mais ridículo do mundo? Da casa dele não sai nem uma cuia d'água."
— E é ridico mesmo — ajuntou tia Nastácia. — Pobre que bate lá, pedindo esmola, só ouve uma coisa: "Deus o favoreça, irmão!" E ele tem uma barrica de dinheiro enterrada no quintal.
— Infelizmente — disse Narizinho — isso de cumbucas de vespas que viram moedas de ouro só mesmo nas histórias. O consolo do pobre é um só: falar mal dos ricos. Mas o dinheiro dos ricos não sai. Tem grude.
— Não generalize — observou dona Benta. — Há os ricos ridículos, mas há também os generosos. Rockefeller não distribuiu toda a sua fortuna em benefício do mundo?
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Continua… XIX – A Mulher Dengosa
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
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