segunda-feira, 11 de abril de 2011

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) IX – A Madrasta


Havia um viúvo com três filhas. Um dia resolveu casar-se de novo — e casou com uma mulher muito má, que tinha ódio às meninas. Fazia-as trabalhar como verdadeiras escravas.

No quintal havia uma grande figueira. Quando chegou o tempo dos figos, a madrasta botou as meninas lá tomando conta para que os passarinhos não bicassem os figos.

As três coitadinhas passavam debaixo da figueira o dia todo, dizendo aos sanhaços que se aproximavam:

Xô, xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...

Mas mesmo assim aparecia um ou outro figo bicado e a madrasta batia nas três.

Um dia em que o homem fez uma longa viagem a madrasta aproveitou-se para mandar enterrar vivas as coitadinhas. Quando o homem voltou e indagou das filhas, a peste respondeu que haviam caído doentes e morrido, apesar de todos os remédios. O pobre pai ficou muito triste.

Mas aconteceu que no lugar onde as meninas tinham sido enterradas brotou logo um lindo capinzal — dos cabelos delas, e quando batia o vento o capinzal murmurava:

Xô, xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...

Um negro, tratador dos animais da casa, andando a cortar capim, ouviu aqueles murmúrios e teve medo de mexer nas pontinhas. Foi contar o caso ao patrão.

O patrão não quis acreditar, e disse-lhe que cortasse o capim com murmúrio e tudo. O negro obedeceu. Mas quando levantou a foice, ouviu novamente a misteriosa voz, que dizia:

Capineiro de meu pai,
não me cortes os cabelos;
minha mãe me penteava,
minha madrasta me enterrou
pelo figo da figueira
que o passarinho bicou.

O negro foi correndo contar o caso ao patrão, com um grande susto na cara. E tanto fez que o obrigou a chegar até lá. E então o pai das meninas ouviu o lamento das filhas enterradas.

Mandou buscar uma enxada e cavar, e retirou-as da terra, vivas por milagre de Nossa Senhora, que era madrinha das três.

Quando voltaram para casa, na maior alegria deram com a madrasta estrebuchando. Um castigo do céu tinha caído sobre a peste.
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— Bom — disse Emília — esta história já está bem mais aceitável. Tem sua originalidade e explica tudo. Desde que houve milagre, era natural que as enterradinhas vivas não morressem. Milagres não se discutem.

— E há ainda um traço delicado — disse dona Benta — esse das cabeleiras das meninas que viraram capinzal murmurejante ao vento. Aparece também a figura da madrasta, que é muito comum nas histórias populares. Toda madrasta tem que ser má. O povo não admite a possibilidade de madrasta boa.

— E não há — disse Narizinho. — As que eu conheço, como a madrasta da Quinota e a da Maricoquinha, não chegam a ponto de enterrar crianças vivas — mas boas não são.

— E a do Zeferininho da Estiva, que dava na cabeça dele com a colher de pau? — acrescentou Pedrinho.

— Sim — disse dona Benta. — Talvez a regra seja a madrasta má, embora as haja excelentes. Sei dois casos de madrastas boníssimas, quase como mães. Tudo depende da criatura, e não do ato de ser mãe ou madrasta. Há mães tão perversas como as piores madrastas.

— Mas o povo assentou que as madrastas não prestam e não prestam mesmo — concluiu Emília. O coitado do povo sofre tanto que há de saber alguma coisa. Esse ponto da madrasta má o povo sabe. São más como caninanas — embora haja alguma degenerada que seja boa. Madrasta boa não é madrasta. Para ser madrasta, tem que ser uma bisca das completas. Eu, se pilhar alguma por aqui, furo-lhe os olhos.
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Continua… X – Manuel da Bengala
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

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