sábado, 29 de dezembro de 2012

Manoel Santos Neto (Universo Poético da Cidade de São Luís do Maranhão III)

O jornalista e escritor Erasmo Dias (1916-1981) foi um intelectual maranhense que se notabilizou não apenas por escrever textos que tratam do sentido da vida, da solidariedade, do amor, da amizade, da devoção à pátria, das angústias, das grandezas e heroísmos da natureza humana. Ele publicou obras hoje pouco conhecidas, nas quais refletiu a claridade de sua cultura e de seu talento literário. São textos que, na sua quase totalidade, espelham meio século de vida maranhense, e constituem, por isso mesmo, um testemunho e um documento. Erasmo Dias, esse autor que somente agora começa a ser resgatado por uma nova – embora ainda tímida - leva de estudos e pesquisas, é dono de uma formidável produção literária, na qual ele procura retratar a gente, a cultura, as ruas, os mistérios e as mazelas de São Luís.

Com a força de sua expressão poética, o escritor Nauro Machado, ajustado à fonte inspiradora de tantos outros amantes da cidade, compõe também uma homenagem especial a São Luís com os versos do poema Pão Maligno com Miolo de Rosas, publicada em livro homônimo. Esta não é a primeira vez que o poeta publica uma ode a São Luís, sendo que a diferença é ser uma única peça poética em 95 páginas. Antes, ele editou Lamparina da Aurora, que reúne cerca de 100 poemas sobre a cidade. Escrito em redondilha maior, Pão Maligno com Miolo de Rosas tem um significado marcante para Nauro que, na hora de expressar o amor pela terra natal, vai além do aspecto físico da cidade. “Tento mostrar São Luís não só em sua esfera arquitetônica, mas em sua atmosfera moral, a sua decadência”, afirma. Daí o título do livro, Pão Maligno com Miolo de Rosas, que resume a idéia de mostrar em versos as belezas e as mazelas da cidade. O poema, inicialmente, integrava outro livro, Trindade Dantesca, que traria três trabalhos do poeta. O desmembramento da obra começou com a publicação de A Rocha e a Rosca. Nas 95 páginas, o poeta recria em versos viscerais os caminhos da cidade que aprendeu a amar, apesar dos problemas vivenciados em seu cotidiano. O título resume o objetivo do livro: falar da magia e dos desencantos da Ilha.


“São Luís, meu universo,
como uma noturna faixa,
apregoando verme e verso
para a dor que em mim se racha,”

Diz em uma das estrofes do poema dedicado, à cidade e às netas Luísa e Júlia. A cada rima, o poeta reconstrói São Luís, com sua gente, cultura, ruas, belezas e tragédias.

“No Mercado, que é Central,
meu canto palafitou-se,
ó Gavião de pedra e cal,
cemitério que é tão doce” (...)

“Nas ruas de São Luís,
nas ruas do Precipício,
da Palma e também do Giz,
da virtude igual ao vício,”
.

Tanto quanto Erasmo Dias e Nauro Machado, outros maranhenses ilustres, e de produção recente, merecem ser objeto de releituras, como Bernardo Coelho de Almeida (1927-1996) e Lago Burnett (1929-1995). Aliás, Burnett, numa de suas crônicas antológicas, publicada no Sul do País, faz um formidável louvor a São Luís, lembrando que o tema da cidade e seus signos é um velho fascínio que transcende o universo da ficção literária para encontrar sólidas raízes na filosofia, nas artes plásticas e, obviamente, na arquitetura. Desde as cidades ideais de Platão à decantada Paris do século XIX, repensada por Walter Benjamin (1892-1940), através da obra de Charles Baudelaire (1821-1867), da Alexandria prostituída e cheia de odores de Lawrence Durrell (1912-1990) às labirínticas arquiteturas de Jorge Luís Borges (1899-1986), é possível reconstituir o inventário dos lugares por onde andaram o pensamento e a imaginação humanas, ao redimensionar, em grau maior ou menor de realidade, a sua organização espacial.


A Última Canção da Ilha
Lago Burnett

Trarei sempre verde
gaivotas e sal:
a lembrança não perde
a ilha inicial

Nem descuido as brisas
o mar de imundícies
(minhas pesquisas
bóiam às superfícies)

A obsessão do cerco
por ínvias águas
é o em que me perco
entre - agora - mágoas

Autêntico Atlântico
aleou-me todo
quanto de romântico
mergulhou-me em lodo

Oh! velas belas
ao ritmo transeunte
vosso, belas velas
que eu me unte

Trago-me à retina
de mastros e quilhas
cheia a sina
de todas as ilhas

Código pressago
de pássaro marítimo
na alma trago
canto e ritmo

Que é quanto me sobre
por ter-me feliz
ao sol que encobre
minha São Luís

Onde era só
com hábil engenho
quanto virou pó
tudo que não tenho

Idéias descalças
desfiando saias
longas como valsas
pelas praias

A primeira estância
ao céu abstrato
coisas como infância
ritmando com mato

Outros poucos casos
como águas insípidas
nos olhos rasos
saudades líquidas

(Os Elementos do Mito / l953)

–––––––––-
Continua…
Fonte:
Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante
Edição 116. 20 de janeiro de 2006

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